Que fascinante o texto da nova colunista da Falha, dizendo que questionar o "identitarismo" não é a mesma coisa que relativizar o holocausto porque o segundo é um fato e o primeiro é um conceito.
Não conheço a autora, mas ela tá de parabéns pela coragem em expor sua ignorância.
Eu, por exemplo, sou profundamente ignorante em física. Termodinâmica, elétrica, mecânica... Nem sei como terminei o Ensino Médio.
Aí imagina, eu com todo respeito esse conhecimento que ignoro, ganhar um espaço no jornal para escrever sobre, sei lá, construção de pontes.
Para isso, eu dou uma olhadela rápida no Google e pronto. Vou lá, escrevo minha coluna dizendo qual o melhor método para produzir pontes. Os especialistas vão rir de mim, mas gente tão ignorante quanto eu vai poder me usar como autoridade.
É disso que se trata esse debate.
Não vale a pena nem "refutar" argumentos como o da autora porque, bem ... aparentemente tem um círculo do inferno especial com esse tipo de tortura.
Mas alguns pesquisadores farão isso.
No geral, contudo, o estrago já está feito. A confusão entre conceito e fato, a tentativa de tornar a carta um mero "debate" de pontos de vista, a incapacidade de entender a complexidade de um fenômeno histórico... Tudo ali, publicado.
Milhões de engenheiros, inclusive boa parte dele que já construíram pontes, olham perplexos. O jornal abre espaço para eles também. Eles podem refutar a minha coluna. O jornal é "Fair".
E se as novas pontes caem, obviamente a culpa não é do jornal. Nem poderia ser.
Ele abriu espaço para os dois pontos de vista: o do especialista e o do ignorante. Alçou ambos à condição de autoridade na esfera pública.
Mas não montou ponte nenhuma.
Adendo 1: Antes que me acusem de elitismo no debate público, gostaria somente de refletir que o falso democratismo que confere autoridade ao especialista e ao ignorante por igual serve justamente para rebaixar a posição do especialista a "opinião".
Adendo 2: Todo mundo ignora alguma coisa, todo mundo sabe alguma coisa (dá-lhe, Paulo Freire).
Mas nem todo mundo ganha espaço na Falha para proferir suas ignorâncias. 🤡
(curiosamente, isso passa a acontecer justamente quando intelectuais negros passaram a ter protagonismo acadêmico no debate sobre raça no Brasil)
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Se tem um mês culpa que os historiadores precisam fazer é de ter ensinado para os jornalistas o termo "anacronismo".
De uma discussão metodológica sobre leitura de indícios do passado, o termo virou uma simplificação grosseira, do tipo: não posso julgar os Bandeirantes com os valores de hoje pois isso é anacronismo.
Bem, news flash para quem não é da História: desde a geração de Marc Bloch e Lucien Febvre, e já vai aí quase 100 anos, a gente aceitou que inescapavelmente proferimos julgamentos sobre o passado a partir do presente.
Mas não acho que é só isso, não. A matéria dá um tiro bom também: nossa cultura audiovisual, treinada pelas novelas, gosta da antecipação, da narrativa em capítulos. O formato do programa aqui ganhou muito de "novela", conversando com a nossa forma de ver televisão.
Pra além de tudo isso, a ideia da autenticidade dos sujeitos é muito cara nos últimos anos. Isso vende muito bem e não é só na tv.
Mas tem outros fatores aí, claro.
Pra mim, contudo, segue sendo meio misterioso. Nunca me envolvi no programa.
Esses papo de que os marxistas sabotaram a "identidade nacional" com suas aulas de história é a mesma ladainha da doutrinação marxista, com verniz de erudição.
50 anos atrás (1972) era ditadura militar, que era insuspeita em seu ufanismo e suas formas de ensinar a História do Brasil por meio das noções apologéticas de nação.do século XIX - e retomando os pressupostos racialistas do Von Martius.
Uma outra tese, essa sim mais embasada do que "os marxistas malvados não deixaram a identidade nacional se formar" é que aqui os pais da nação nunca se preocuparam muito em criar uma concepção popular de nacionalidade.
Antes da Revolução Industrial, sem subjugar a natureza por completo, muitas sociedades tinham de organizar a divisão do trabalho de acordo com as estações do ano, os ciclos de luz solar, as cheias dos rios, as chuvas...
O olhar mais comum sobre essas sociedades é que elas trabalhavam mais do que a nossa porque, afinal, não tinham dominado a natureza.
Marromenos. Conforme estudos demonstram, em diferentes épocas e sociedades, o trabalho era inconstante e, em certa escala, menor do que hoje.
Na nossa sociedade, pós-Revolução Industrial, como ensina seu Armando de Belford Roxo, não importa tempo, chuva, enchente, seca...todo mundo tem que trabalhar.
Mesmo todo o avanço tecnológico não fez com que trabalhássemos menos.
Eu gosto muito de brincar com as ideias da expectativa de progresso das pessoas. Via de regra, é uma ideologia tão poderosa que até Marx - sim, o próprio - caiu nela.
Pois é, pega lá o Manifesto Comunista, Marx novinho, todo o início do livro é ele louvando a burguesia, a classe que finalmente tirou todas as amarras da sociedade, substituindo elas por dinheiro.
Os laços comunitários do mundo pré-capitalista escondiam relações de dominação e exploração, mas somente o capitalismo ia transformar essa lógica, criando uma razão a parte de toda a vida social.