Se um alienígena me perguntasse qual a minha forma preferida (mais aceitável) de tributação sobre ganhos de capital em fundos de investimentos eu só teria uma: no resgate ou venda das cotas.
Qualquer come-quotas antes do resgate/venda é uma tributação antecipada à materialização do ganho. A Receita te cobra IR sobre uma expectativa de ganho de capital, sobre uma marcação a mercado, não sobre o ganho efetivamente realizado.
Tem gente que acha justo cobrar come-quotas, eu não acho. Se a pessoa tem um dinheiro guardado (o qual provavelmente já foi tributado antes, p. ex. no salário) e ela não usufrui desse dinheiro, ou seja, não resgata ou vende as cotas, ela é uma mera custodiante daquele valor.
Na hora que resgatar ou vender as cotas para usufruir, se tiver ganho, ok pagar o imposto. Do contrário, o fundo pode ter perdas antes do resgate ocorrer e o IR já foi pago, ficando apenas um crédito tributário a ser compensado no futuro, e nada garante que esse ganho ocorrerá,
ainda mais dentro da mesma categoria de fundos, o que é outra coisa que não consigo entender a lógica (prejuízos em fundos imobiliários só podem ser compensados com ganhos em fundos imobiliários, etc).
Hoje em dia alguns poucos fundos ainda funcionam desta maneira, como os de renda variável ou fundos exclusivos, que a Receita volta e meia quer tributar com come-quotas também.
Pois então, já houve uma época que os fundos imobiliários #fiis eram tributados apenas na venda das cotas com lucro ou na distribuição de dividendos. Aí a Receita, em 1999, vendo que boa parte das atividades imobiliárias iria migrar para fundos imobiliários e diferir (postergar)
os impostos, criou a famosa regra da distribuição semestral de "no mínimo, 95% dos lucros auferidos, apurados segundo o regime de caixa". A ideia era tributar os rendimentos vindos dos aluguéis e ganhos de capital nas vendas de imóveis, mas não das reavaliações positivas.
Na prática, foi instituído um "come-quotas" sobre os fundos imobiliários, deixando vários fundos existentes na época numa situação complicada entre continuar existindo e pagar mais impostos do que uma PJ ou arcar com vários custos para extinguir o fundo.
A regra da isenção de IR sobre rendimentos para pessoas-físicas só viria anos depois e vários fundos haviam sido constituídos por empresas, que pagariam menos IR no lucro presumido do que num veículo do mercado de capitais (custo Brasil!!).
É importante lembrar que a regra da distribuição foi feita numa época que os fundos não podiam comprar outros ativos além de imóveis e parece que ninguém pensou naquele momento que os imóveis podiam ser reavaliados para baixo.
Retomando: "lucro" e "regime de caixa" são conceitos diferentes, que quando colocados no mesmo termo geram uma contradição. Mas a indústria se adaptou a isso e criou demonstrativos que atendiam à norma.
A regra geral é excluir da DRE os ganhos e prejuízos não realizados (marcações a mercado) e distribuir como dividendos aos cotistas os aluguéis e ganhos na venda de ativos efetivamente realizados.
Qual o problema disso? Na prática, o fundo pode ter um prejuízo contábil decorrente de reavaliações negativas dos seus ativos, mas ainda assim ter aluguéis e outros rendimentos financeiros, havendo valores a distribuir aos cotistas, dentro do entendimento da obrigatoriedade de
distribuir "no mínimo, 95% dos lucros auferidos, apurados segundo regime de caixa", mas não havendo lucro contábil no balancete do fundo.
Eis que hoje o Colegiado da CVM decidiu que se um determinado fundo imobiliário, mas com implicações para toda a indústria, tiver "lucro apurado segundo regime de caixa" enquanto apresenta "prejuízo contábil", deve pagar os cotistas como "amortização" e não como "rendimentos".
Contabilmente a CVM pode estar certa, mas está desconsiderando o que eles mesmos e a Receita criaram e qual era o espírito do fundo imobiliário, que era replicar o investimento direto em imóveis de forma mais eficiente.
Se o entendimento do Colegiado da CVM prevalecer e se estender aos demais fundos imobiliários, não haverá necessariamente um prejuízo aos cotistas, mas haverá implicações tributárias, pois a amortização tem tratamento diferente nas declarações de IR e na composição dos custos de
aquisição dos ativos (para fins de cálculo dos ganhos de capital futuros). Por exemplo, um fundo começa com a cota a R$ 100, seu patrimônio é reavaliado a R$ 90, prejuízo de R$ 10. Ele recebe aluguéis do mesmo montante no período, R$ 10, mas só pode repassar esse valor aos
cotistas como amortização. Ao receber esse valor, os cotistas ajustam seus custos de aquisição para R$ 90. Ano seguinte as cotas se valorizam para R$ 100 de novo e o cotista resolve vendê-las. Na hora de calcular o ganho de capital, o novo PU médio de aquisição dele será R$ 90.
Com isso, terá que pagar 20% de IR sobre o ganho de R$ 10 (entre R$ 90 e R$ 100), anulando a isenção tributária que ele poderia ter tido sobre os rendimentos.
Esse é apenas um dos exemplos. Nos fundos imobiliários de "papéis" com CRI e cotas de FII a situação pode ficar caótica a depender da volatilidade do mercado. Um mês tem rendimento, mês seguinte tem amortização, ou meio a meio e haja trabalho para declarar o IR!
Ao comprar um apartamento para investir, o proprietário segue tendo que pagar o carnê leão sobre o aluguel independentemente do valor de avaliação do apartamento. O ganho de capital na venda tem um fator redutor conforme o prazo entre aquisição e venda.
O investimento via mercado de capitais deve ser sempre mais eficiente do que investir fora dele, como forma de incentivar negócios num ambiente mais transparente. No Brasil, as regras costumam ser ruins, mas é melhor mantê-las por um longo tempo do que mudá-las o tempo todo.
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A regra de distribuição de "95% dos lucros auferidos, apurados conforme regime de caixa" nos #FII foi criada apenas com a intenção de não obrigar um fundo a distribuir como rendimento uma valorização de um imóvel.
Esse percentual não foi tirado do nada, foi copiado dos 90% que os REITs utilizam e ajustado talvez para que a arrecadação fosse um pouquinho maior (lembrem que em 1999 não havia isenção de IR para PF, a alíquota era 20% na fonte).
Nos EUA também acontece o mesmo que aqui, muitos REITs distribuem dividendos acima dos lucros contábeis e mesmo quando possuem prejuízo nos demonstrativos de resultados.