A seleção de Senegal disputou sua primeira partida em 1959, ainda como colônia, e deu seu cartão de visitas para o mundo em 2002. Hoje, finalmente é campeã continental.
O apelido da seleção é "Leões da Teranga", mas ao contrário do que parece, "Teranga" não é um lugar.
"Teranga", na verdade, é considerado "o valor nacional de Senegal", uma dessas palavras sem tradução. A grosso modo, significa "boa hospitalidade".
Representa sempre tratar visitantes com os braços abertos, oferecendo o que for necessário de todo o coração.
Mas o conceito de Teranga também teve motivos históricos para surgir.
Após séculos de escravidão e de colonização violenta, Senegal enfim se viu independente em 1960. Como vários outros países, era composto por diferentes etnias que pouco se reconheciam como nação.
O primeiro presidente após a independência, Leopold Sédar Senghor, criou então o conceito de "teranga" como uma forma de forjar a identidade nacional entre tantas etnias.
Era uma forma de fazer com que todos se tratassem com gentileza, independente da origem.
Segundo Senghor, sua infância tinha um aspecto de "rotina, beleza e teranga", e foi aí que ele percebeu que a civilização negra poderia ser tão sólida, bonita e estável como a grega ou a romana.
Funcionou: "Teranga" hoje é a palavra que representa Senegal mundialmente.
Essas são as ruas de Dakar no momento. Que a comemoração tenha muita Teranga.
A Eritreia é um dos países mais jovens do mundo: independente da Etiópia em 1993 após três décadas de guerra, tem o mesmo presidente desde então e é habitado por diversas etnias.
Em 2022, tem um único participante nas Olimpíadas de Inverno: Shannon Ogbnai Abeda.
Após a derrota do Exército Colonial Italiano em 1942, a Eritreia passou para a administração britânica. A ideia inicial era de um país independente, mas a Etiópia a anexou em 1962, levando à guerra de independência.
Mais de 200 mil pessoas morreram nos 30 anos de guerra.
Durante a guerra, muitos eritreus fugiram da região. Entre eles, os pais de Shannon Ogbnai Abeda.
Eles fugiram para o Canadá durante a década de 1980. Abeda nasceu em Alberta e conheceu o esqui com três anos de idade.
Em 2018, Polônia e Senegal jogaram pela 1ª fase da Copa do Mundo, com comentários da imprensa sobre como o jogo senegalês era mais “físico e veloz”, o que garantia a vantagem sobre os poloneses.
Mas essas características estavam lá mesmo ou é só o que se diz de times africanos?
Com o início da Copa Africana de Nações, novamente ouvimos comentários sobre “força física” e “velocidade” dos jogadores do torneio, e pouco sobre organização tática e jogo coletivo.
Hora de relembrar um estudo divulgado no final do ano passado, no blog FiveThirtyEight.
A Sportlogiq, empresa canadense que trabalha com dados esportivos, possui uma tecnologia de captura de movimentos que consegue reproduzir o que jogadores fazem em campo em animações 2D.
Nelas, os jogadores podem ser visualizados como bonequinhos iguais, sem diferença de cor.
Mola, o leão, é o mascote da Copa Africana de Nações. Ele já vestiu colete à prova de balas em alguns de seus passeios por Camarões.
Da mesma forma, estrelas como Salah e Mané têm guardas armados durante suas estadias no país.
Afinal, por que tanta preocupação com segurança?
A resposta óbvia é o trauma do ataque terrorista à seleção de Togo, que aconteceu na CAN de 2010, disputada em Angola.
Na ocasião, militantes da Frente para a Liberação do Enclave de Cabinda emboscaram o ônibus que carregava os togoleses.
O ataque de 2010 acabou com três mortos - Mario Adjoua, motorista do ônibus, Stanislas Ocloo, comentarista da televisão togolesa, e Amélete Abalo, assistente técnico.
Atletas ficaram feridos - o goleiro Kodjovi Obilalé teve que encerrar a carreira pelas sequelas.
O cabo de guerra entre Europa e África por causa da Copa Africana de Nações não começou em 2022.
Aliás, podemos traçar a origem da disputa até a 1ª edição da CAN em 1957.
Um ano antes, em 1956, a FIFA vetou a iniciativa africana, considerando o continente “despreparado”.
O mundo ainda estava se recuperando dos eventos da 2ª Guerra Mundial. Já falamos, por exemplo, sobre como a criação da UEFA foi importante para a reintegração da Europa.
Na África, porém, grandes impérios coloniais ainda resistiam.
E uma competição como a CAN era perigosa.
Com a formação da ONU após a guerra, em 1945, os países-membros se comprometeram a respeitar a autodeterminação dos povos.
A África já tinha algumas nações independentes, como Libéria, África do Sul e Egito.
Mas as demais precisariam botar à prova esse compromisso da ONU.
As relações entre Argélia e Marrocos nunca foram boas, e uma apertada vitória argelina nos pênaltis na semifinal da Copa Árabe não ajudou em nada a situação.
Os saarauís, grupo étnico do Saara Ocidental, celebraram a vitória da Argélia.
Lá vem thread.
Como várias tretas africanas, essa tem origem no processo de colonização europeu.
A região do Saara Ocidental era uma possessão colonial espanhola, desocupada nos anos 70 e “doada” a Marrocos e Mauritânia.
Mas isso não foi aceito pelos saarauís, maioria étnica por lá.
Formou-se então a Frente Polisário, um grupo militar que resiste à ocupação marroquina no Saara Ocidental (a Mauritânia desistiu de reivindicá-lo).
Atualmente, cerca de 80% das terras estão sob controle marroquino e 20% pelos saarauís.