"Quem veio de Portugal para o Brasil foram degredados, criminosos. Quem foi para os Estados Unidos foram pessoas religiosas, cristãs, que buscavam realizar seus sonhos. Era um outro perfil de colono."

1/25
Essas palavras foram proferidas por Deltan Dallagnol, Procurador da República e coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato, durante uma palestra realizada em uma Igreja Batista, em fevereiro de 2016.

2/25
A afirmação é um excelente exemplo da mentalidade colonizada que impera em amplos segmentos da sociedade brasileira, forjada a partir da mistura do complexo de vira-lata com a americanofilia inflamada e doses cavalares de puritanismo e crença no excepcionalismo americano.

3/25
E a julgar por suas ações desde o ingresso no Ministério Público Federal (MPF), Deltan talvez estivesse convencido de que a sua missão era servir a pátria dos "puritanos excepcionais". Deltan esteve à frente da força-tarefa da Operação Lava Jato desde 2014 a 2021.

4/25
Criada meses após o escândalo da espionagem praticada pelos serviços de segurança dos EUA contra o Brasil, a operação deixou um rastro de devastação nas contas públicas, aniquilando as indústrias naval e de construção civil e desempregando 4,4 milhões de pessoas.

5/25
Um estudo do DIEESE estima que a Lava Jato fez o Brasil perder R$ 172 bilhões em investimentos — 40 vezes o valor recuperado pela operação. Beneficiou, entretanto, as corporações estadunidenses, que tomaram mercados que as companhias brasileiras vinham conquistando.

6/25
A operação teve consequências devastadoras. Insuflou a queda de Dilma, ensejou a prisão política de Lula, consolidou a ascensão do bolsonarismo e a adoção de uma política econômica de subordinação inconteste ao capital internacional e renúncia à soberania brasileira.

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Não causa espanto, portanto, que os Estados Unidos tenham buscado estabelecer o que o procurador estadunidense Kenneth Blanco definiu como "um relacionamento íntimo que desprezava procedimentos formais" com os membros da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.

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Admirador da "pureza cristã" estadunidense, Deltan serviu de ponte a esse intercâmbio, contribuindo secretamente com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ) e facilitando a investigação conduzida pelos estadunidenses contra as empresas brasileiras.

9/25
Após uma visita a Washington em 2015, Deltan recepcionou na sede do MPF uma delegação de 17 estadunidenses composta por procuradores do DOJ e agentes do FBI. As reuniões duraram 4 dias e incluíram repasse de informações sensíveis sobre a Petrobras e empresas brasileiras.

10/25
A colaboração é irregular. O repasse de informações a autoridades estrangeiras precisa do aval do Ministério da Justiça, que sequer foi informado sobre a visita. O procurador Vladimir Aras advertiu Deltan acerca dos empecilhos legais, mas a colaboração ocorreu mesmo assim.

11/25
Em uma conversa com Aras, Deltan explicou seu plano: repassar informações úteis aos investigadores estadunidenses antes que firmassem acordos de delação, de modo a assegurar o controle de parte dos recursos da multa que seria paga pela Petrobras aos EUA.

12/25
Fiel à concepção weberiana da ética protestante, Deltan mostrou seu tirocínio para os negócios. Após fornecer ilegalmente subsídios para que os EUA aplicassem uma multa bilionária à Petrobras, o procurador articulou um esquema para obter o controle sobre parte da multa.

13/25
Dos 3,5 bilhões de reais que a Petrobras pagou ao governo dos EUA, 2,5 bilhões deveriam ser repatriados para o Brasil. Deltan tentou retardar a devolução dos valores, pois planejava usar a verba para financiar uma fundação voltada ao "combate à corrupção".

14/25
Tal fundação ficaria sob tutela da força-tarefa da Lava Jato, que utilizaria o dinheiro para, por exemplo, pagar por palestras e cursos proferidos por autoridades envolvidas no "combate à corrupção", tais como... os procuradores da própria força-tarefa da Lava Jato!

15/25
"Vamos organizar congressos e eventos e lucrar, ok? É um bom jeito de aproveitar nosso networking e visibilidade”, escreveu Deltan para sua esposa, apresentando em seguida a expectativa de lucro em 2018: "Total líquido das palestras e livros daria uns 400 mil".

16/25
Criticado pela Procuradoria Geral e pelo STF, o plano foi abortado. Deltan, entretanto, seguiu colaborando com o DOJ. Chegou até mesmo a incentivar os agentes de Washington a conduzirem depoimentos diretamente nos EUA, de modo a contornar as salvaguardas da lei brasileira.

17/25
Deltan também se ofereceu a pressionar delatores a viajarem para os EUA para prestarem esclarecimentos sem salvo-conduto. Mensagens vazadas da Lava Jato mostraram que o ex-juiz Sergio Moro também recebia orientações e trocava informações com procuradores estadunidenses.

18/25
Arquivos da Operação Spoofing mostram, por exemplo, Moro instruindo Deltan a entrar em contato com procuradores dos EUA para obter instruções sobre uma quebra de sigilo de um executivo ligado a um estaleiro que tinha contratos com a Petrobras.

19/25
Posteriormente, quando ocupou o cargo de Ministro da Justiça no governo Bolsonaro, Moro assinou uma série de acordos com o FBI, dando aos EUA acesso irrestrito aos dados biométricos brasileiros e o direito de inserir agentes estrangeiros nos nossos centros de inteligência.

20/25
A colaboração com os EUA foi fundamental para a construção das acusações contra Lula. A Lava Jato recebeu ilegalmente dos agentes estadunidenses evidências do "caso Odebrecht" utilizadas para sugerir a participação de Lula em esquemas de corrupção.

21/25
A Lava Jato pretendia justificar a quebra do sigilo fiscal dos familiares do ex-presidente sem a observância do devido processo legal. Esses procedimentos não apenas foram ocultados da defesa de Lula, como também sonegados dos autos originais do processo.

22/25
O nome de Lula, portanto, não surgiu como evidência durante as investigações. Lula já era um alvo pré-definido e a Lava Jato passou a promover operações com o objetivo de implicá-lo em atos de corrupção através do uso de delações forçadas por ameaças de punição legal.

23/25
Não por acaso, os procuradores da Lava Jato comemoraram efusivamente a ordem de prisão expedida contra Lula em abril de 2018. Conforme registrado nas mensagens, Deltan era um dos mais animados: "Meooo caneco. Não dá nem pra acreditar. Melhor esperar acontecer".

24/25
Respondendo à mensagem da procuradora Laura Tessler sobre comemorar a prisão de Lula, Deltan afirma que não estaria no país. E finaliza a conversa pontuando, debochadamente, que a prisão de Lula seria um "presente da CIA".

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Mar 24
Faleceu ontem, 23/03, Madeleine Albright, primeira mulher a ocupar o cargo de Secretária de Estado dos Estados Unidos. Madeleine também foi uma das primeiras mulheres a se destacar entre os "falcões de guerra" Democratas, ganhando o epíteto de "Açougueira de Georgetown".

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Nascida na antiga Tchecoslováquia, Madeleine Albright imigrou para os Estados Unidos com sua família nos anos 40. Destacou-se como acadêmica e colunista de jornais nos anos 60, escrevendo uma série de textos recheados de anticomunismo virulento.

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Filiada ao Partido Democrata, iniciou sua carreira política angariando fundos para a campanha de Edmund Muskie ao senado. Em 1976, ingressou na equipe de Zbigniew Brzezinski, Conselheiro de Segurança Nacional do presidente Jimmy Carter.

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Read 20 tweets
Mar 23
Há 107 anos, em 23 de março de 1915, nascia o sniper soviético Vassili Zaitsev, um dos maiores franco-atiradores da história e figura chave da Batalha de Stalingrado. A ele são creditadas as mortes de 468 soldados e oficiais nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

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Zaitsev nasceu em Eliniski, na Rússia, em uma família de camponeses. Foi criado nos Montes Urais, onde aprendeu o ofício da caça e se dedicou ao pastoreio de ovelhas. Após concluir o ensino básico, frequentou a escola técnica de Magnitogorsk, passando a atuar como montador.

2/12
Graduado em contabilidade, ingressou nas Forças Armadas, onde serviu como chefe das finanças da Frota do Pacífico. Com a invasão da URSS pela Alemanha nazista durante a Operação Barbarossa, Zaitsev pediu para ser transferido para a linha de frente.

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Mar 22
Um ucraniano agride mulheres de etnia romani ("ciganas") nas ruas de Kiev. A presença dos romani na Ucrânia é documentada desde o início do século XIV, mas a etnia segue até hoje como um dos grupos mais reprimidos, discriminados e perseguidos do país.
+
Estima-se que existam cerca de 400 mil romanis vivendo na Ucrânia, a maioria concentrada em acampamentos na região de Kiev. O grupo é alvo frequente de neonazistas, que os acusam de cometer crimes e "sujar" as cidades. Os ataques têm se intensificado desde o Euromaidan.
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Os romani são estigmatizados há séculos na Europa e foram brutalmente perseguidos pelos nazistas. Em termos proporcionais, é o grupo que mais sofreu com o Holocausto. Estima-se que 75% dos romani europeus tenham sido exterminados pela Alemanha nazista.
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Read 9 tweets
Mar 21
O navio-patrulha russo "Vasily Bykov" reapareceu intacto nesse domingo navegando nas águas do Mar Negro, a caminho do Porto de Sebastopol na Crimeia. As Forças Armadas da Ucrânia alegaram ter destruído a embarcação no dia 7 de março.

1/7
Em um comunicado oficial, a Ucrânia disse ter realizado "uma operação brilhante e única na história militar mundial", ressaltando o "pioneirismo" do uso de lançadores de foguetes para "afundar" a embarcação. A imprensa estadunidense repercutiu a informação com euforia.

2/7
Replicando acriticamente e sem qualquer checagem as informações oriundas das agências ocidentais, a mídia brasileira também contribuiu para espalhar a "fake news". Em portais militares, especialistas formados no Youtube ressaltavam a genialidade da emboscada e da artilharia.

3/7
Read 7 tweets
Mar 21
A jornalista e correspondente de guerra Anne-Laure Bonnel (@al_bonnel) surpreende os âncoras do canal de televisão francês CNews ao revelar que os ataques aos civis no leste da Ucrânia estão sendo perpetrados pelo exército ucraniano.

1/3
@al_bonnel Anne-Laure Bonnel produziu o documentário "Donbass", de 2016, registrando o massacre perpetrado pelo regime ucraniano contra as minorias russófonas do leste do país. O documentário pode ser visto no Youtube com legendas em espanhol e inglês.

2/3
@al_bonnel A jornalista francesa viralizou recentemente com um desabafo sobre a campanha de desqualificação que sofreu na mídia francesa, a invisibilização dos ataques ucranianos aos civis de Donbass e à parcialidade da cobertura midiática.

3/3
Read 5 tweets
Mar 20
Militares ucranianos continuam impedindo a saída de civis de Mariupol, visando usá-los como escudos humanos. Nesse vídeo, gravado em uma estrada vicinal nos arredores da cidade, soldados ucranianos bloqueiam a saída de veículos e alvejam um civil que tenta resistir à agressão.
+
O Centro Nacional de Gerenciamento de Defesa da Rússia estima que 130 mil civis ucranianos e ao menos 184 estrangeiros estejam sendo mantidos reféns por militares ucranianos. Diariamente, c. 235 civis são executados por tentarem deixar a cidade.
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As Forças Armadas da Rússia estabeleceram corredores humanitários e ajudaram a evacuar mais de 300 mil civis na região. Somente nos últimos três dias, quase 60 mil civis foram removidos de Mariupol por militares russos.
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