No dia em que o Ajax vai procurar alcançar a sétima final da Liga dos Campeões/Taça dos Campeões Europeus, recordo um pequeno episódio da primeira grande caminhada europeia da equipa de Amesterdão, que também nos diz alguma coisa sobre as relações entre o Estado Novo e o futebol.
Nos quartos de final da TCE de 1968/69, o Ajax enfrentou o Benfica nos quartos de final. Na primeira mão, em Amesterdão, a equipa portuguesa venceu por 3-1, e o impacto deste triunfo fez-se sentir até na Assembleia Nacional fascista do país que ainda era governado por Salazar.
No dia seguinte ao jogo, o deputado André Navarro, que até se identificou como sportinguista, disse no plenário: “Nada pode diminuir o calor das saudações que daqui quero dirigir a essa turma portuguesa de classe única no ambiente desportivo internacional”.
E continuou: “A gloriosa equipa do Sport Lisboa e Benfica bem exprime, na sua constituição e no prestígio de que goza além-fronteiras, o profundo significado de hoje do défi portugais, neste período tão conturbado do mundo das ideias e das ações”.
Este episódio é bem revelador da natureza da relação entre o Benfica e o Estado Novo, pelo menos a partir da década de 60. Há vários aspetos a destacar: a) a nacionalização do feito do Benfica; b) o aproveitamento político de uma vitória sem especial relevância;
c) o enaltecimento do Benfica enquanto fator de agregação do país, até reconhecido por um sportinguista; d) a referência implícita ao caráter nacional e multirracial do plantel do Benfica, símbolo da nação colonial que vai do Minho a Timor;
e) no fundo, o Benfica como símbolo de um Portugal que pode ter sucesso externo apesar do clima de isolamento internacional a que o país estava votado.
Isto acontece no Parlamento português, precisamente no período em que Salazar impedia Eusébio de sair para jogar no estrangeiro, e em que jogadores do FC Porto eram enviados para combater em Angola e na Guiné enquanto os do Benfica cumpriam serviço militar em Mafra.
Há muito por estudar sobre a relação entre os grandes clubes de futebol e o Estado Novo, mas parece claro, ao contrário do que alguma historiografia gosta de propagar (ou de propagandear…), que o regime fez do Benfica um símbolo nacional a partir dos anos 60.
Ou seja, ter-se-á desenvolvido uma relação de benefício mútuo, em que o regime se aproveitou do Benfica e o Benfica aproveitou as vantagens que daí poderiam advir, nomeadamente no que toca à possibilidade de manter os seus melhores jogadores e de não os ver partir para a guerra.
Quanto ao resto da eliminatória de há 50 anos: o Benfica perdeu na Luz por 3-1 e ficou tudo empatado; houve jogo de desempate em Paris e o Ajax venceu por 3-0.
No fundo, o deputado André Navarro esteve bem ao lançar os foguetes antes da festa. Se esperasse mais uns dias, lá se ia a oportunidade de exaltar o Benfica-símbolo do Portugal imperial.
Errata: em 1969, já era Marcello Caetano o Presidente do Conselho.
O nível de algumas das figuras que nos últimos anos insultaram Sérgio Conceição (thread):
- Ascenso Simões - deputado a contas com a justiça por insultar polícias, acusado dos crimes de resistência à autoridade, coação e injúria agravada (notícia de hj);
- Francisco Seixas da Costa - antigo diplomata que, enquanto embaixador de Portugal na UNESCO, intercedeu pelo licenciamento da construção da barragem da EDP no Tua, executada pela Mota Engil, e depois foi contratado pela EDP e pela Mota Engil;
- Manuel dos Santos - político que foi expulso do próprio partido, acusado de racismo, e que enquanto eurodeputado contratou como assistentes os dois genros;
Thread - Os telhados de vidro muito fininho do Benfica sobre a nomeação de árbitros
Na edição de ontem do Lampiões Diário - imitação fraca e anónima do Dragões Diário -, o Benfica acusa o FC Porto de nomear árbitros. Acusação irónica, tendo em conta o histórico do clube.
Não é preciso recuar muitos anos para encontrar o atual presidente do Benfica a sugerir a nomeação de um árbitro para um jogo do clube. Nomeação essa que veio mesmo a concretizar-se.
E até se sabe que era mesmo um antigo presidente da Federação Portuguesa de Futebol, João Rodrigues, que muitas vezes funcionava como intermediário entre o Benfica e o Conselho de Arbitragem, nesse processo de escolha de árbitros para os jogos da equipa de Lisboa.
O Porto Canal e a FC Porto TV divulgaram hoje um verdadeiro documento histórico. Uma adepta do FC Porto com quase 106 anos canta uma música do tempo da juventude relacionada com o clube. A letra diz:
"Quem vai no rol
a jogar o futebol,
os portuenses
deram coça aos belenenses,
mandaram-nos tomar sol,
ainda não era previsto qual seria o vencedor,
foi o Acácio Mesquita, foi o Acácio Mesquita,
meteu golo de valor."
Provavelmente, esta canção refere-se à final do Campeonato de Portugal de 1932, que se decidiu em dois jogos disputados em Coimbra. No primeiro, o FC Porto e o Belenenses empataram 4-4. No segundo, o FC Porto venceu por 2-1. O golo da vitória foi marcado por Acácio Mesquita.
Thread sobre eleições, fascismo, o FC Porto e o Benfica
A 1/05/17, @padaoesilva escreveu: "Durante a noite negra do fascismo, enquanto os sócios benfiquistas elegiam o Presidente, no Porto e no Sporting as direções eram escolhidas por conselhos de ex-dirigentes e notáveis".
Essa ideia publicada no Record é há vários anos propagada pela comunicação oficial e oficiosa do Benfica, e ainda esta semana foi repetida pela BTV. É falsa. As eleições do FC Porto durante o Estado Novo eram mais democráticas do que as eleições do Benfica na atualidade.
Desde que o FC Porto se consolidou enquanto instituição, no princípio do século XX, até hoje, as eleições dos corpos sociais decorreram sempre em assembleias gerais em que podiam participar a generalidade dos sócios, cada um com direito a um voto.
Estou com o @IvaNFCPortO a visitar o Estádio do Dragão e o Museu FC Porto e não resisto a partilhar algumas das muitas e impressionantes manifestações de portismo e de conhecimento do FC Porto pelo Ivan a que tenho assistido.
Perante foto de golo de Falcao nos 5-0 ao Benfica: “Grande jogo. Entrou galinha no campo”.
Ana Gomes é uma figura singular na política portuguesa. Ainda que o arranque da sua atividade política remonte à juventude, quando lutou contra a ditadura, a verdade é que só se candidatou a cargos públicos após uma carreira profissional longa e prestigiada enquanto diplomata.
Isso marca uma diferença muito importante face à maior parte dos políticos portugueses: Ana Gomes não se tornou relevante por causa do exercício de cargos políticos; Ana Gomes exerceu cargos políticos porque já era relevante.
Militante do PS desde 2002 e deputada no Parlamento Europeu entre 2004 e 2019, Ana Gomes destacou-se por várias características que mesmo quem não concorda muitas vezes com ela certamente reconhecerá: 1) pensa pela própria cabeça; 2) é informada e documentada; 3) é corajosa;