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Ana Gomes é uma figura singular na política portuguesa. Ainda que o arranque da sua atividade política remonte à juventude, quando lutou contra a ditadura, a verdade é que só se candidatou a cargos públicos após uma carreira profissional longa e prestigiada enquanto diplomata.
Isso marca uma diferença muito importante face à maior parte dos políticos portugueses: Ana Gomes não se tornou relevante por causa do exercício de cargos políticos; Ana Gomes exerceu cargos políticos porque já era relevante.
Militante do PS desde 2002 e deputada no Parlamento Europeu entre 2004 e 2019, Ana Gomes destacou-se por várias características que mesmo quem não concorda muitas vezes com ela certamente reconhecerá: 1) pensa pela própria cabeça; 2) é informada e documentada; 3) é corajosa;
4) assume as posições que considera corretas independentemente de constrangimentos partidários; 5) abraça causas que considera justas, procura dar-lhes visibilidade e promove ações políticas concretas relacionadas com elas. Ou seja, pensa, luta e age.
Em condições normais, estas características chegariam e sobrariam para fazer de Ana Gomes um ‘quadro’ (acho que é assim que agora se diz) relevante em qualquer partido que tivesse o privilégio de a ter como militante, como é o caso do PS.
Falamos de um partido que há não muitos anos teve um secretário-geral que foi primeiro-ministro e que está acusado de vários crimes graves no exercício desse cargo (e Ana Gomes foi das poucas pessoas que levantaram a voz contra ele dentro do próprio partido).
Um partido que recentemente viu alguns dos seus autarcas serem detidos por suspeitas de corrupção. Um partido moralmente afetado por notícias que indiciam situações de nepotismo. Um partido com uma organização de juventude liderada por uma secretária-geral que mentiu no cv.
Ana Gomes, que ainda este ano, apesar de ter essa possibilidade, rejeitou candidatar-se a novo mandato no Parlamento Europeu por defender a limitação de mandatos, reúne condições quase únicas para poder ser encarada como um bastião de civismo e moralidade do seu partido.
Tendo isto em conta, e tendo em conta que o comentário de Ana Gomes que agora a coloca nas bocas do mundo está longe de ser estapafúrdio (quem leu o livro sobre os Football Leaks sabe do que falo), é incompreensível que o PS tenha sequer respondido à carta que recebeu de Vieira.
Até porque, ao fazê-lo, como já notou o @pfbraganca, abriu uma exceção, visto que o PS nunca reagiu aos insultos de Manuel dos Santos e de Ascenso Simões ao FC Porto e ao seu treinador. É uma dúvida legítima de uma figura com o calibre de Ana Gomes que justifica uma coisa destas?
Perante este cenário, e numa altura em que se aproximam eleições legislativas, a carta do presidente do PS e do seu grupo parlamentar ao presidente do Benfica assume um significado político muito relevante. A sua interpretação cabe aos eleitores.
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