, 18 tweets, 3 min read
My Authors
Read all threads
Vamos lá: transplante é um assunto complexo e apaixonante, mas deve ser discutido com as paixões de lado. Primeiro vou contextualizar um pouco. A doação de pessoas falecidas ocorre principalmente com pessoas em morte encefálica 1/n
Esse tipo de morte corresponde a aproximadamente 1% do total de óbitos.
Quando se suspeita de morte encefálica (ME) DEVE-SE seguir um protocolo para confirmação desse diagnóstico. O Brasil tem um dos protocolos mais rígidos do mundo para isso 2/n
Em 2018 tivemos 10.779 notificações de potenciais doadores no Brasil, e apenas 3.531 se tornaram doadores efetivos. Esses números estão estáveis há 3 anos.
A necessidade anual estimada de transplantes no Brasil é de aproximadamente 21.000. A conta não fecha 3/n
Os transplantes inter-vivos ajudam a melhorar a oferta de enxertos, mas existe uma série de questões técnicas envolvidas. No Brasil só se faz transplante inter-vivos de rim e fígado. No caso do fígado, poucas equipes fazem, pois é tecnicamente muito mais difícil 4/n
A legislação brasileira permite doação inter-vivos apenas de parentes até 3 grau. Doadores não-relacionados existem, mas passam por rigorosa avaliação psicológica e social, além de ser necessária autorização judicial 5/n
Então temos um cenário de alta demanda e baixa oferta. Alguém pode ter a ideia de liberar a comercialização de órgãos, de modo que a oferta aumentasse frente a um incentivo (financeiro). Mais pessoas seriam transplantadas e muitas pessoas poderiam dispor desses valores 6/n
Deixando de lado toda a questão técnica (compatibilidade, cirurgias, etc), vamos avaliar o que já existe no mundo nesse sentido. Um exemplo citado foi o Irã, onde o governo paga um valor tabelado para quem vende um rim. Por que o Irã instituiu essa política? 7/n
Fazer um transplante renal custa muito menos para o Estado do que manter essa mesma pessoa em hemodiálise o resto da vida. Então, grosso modo, o Irã faz isso porque é mais barato. Onde mais existe venda de órgãos em grande escala? Na Índia, mas é mercado negro 8/n
Então temos dois modelos: um mercado regulado e um não regulado de compra e venda de órgãos (basicamente rins). O que a literatura científica nos mostra? Primeiro, existe um debate grande sobre o tema, especialmente em periódicos sobre ética. 9/n
Neste momento prefiro deixar a questão ético-filosófica de lado e discutir os fatos concretos. A literatura mostra que quem vende um órgão é homem, adulto jovem, miserável ou muito pobre, endividado. Quem compra um órgão é rico. O que acontece com essas pessoas? 10/n
O vendedor geralmente paga uma dívida pontual e rapidamente está endividado novamente, logo a venda de órgão não tira o cara da pobreza.
ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25229573
11/n
O vendedor toma essa decisão geralmente em momento de desespero, e essa decisão afeta toda sua vida, com perda da qualidade de vida, redução da expectativa de vida, além de impacto psicológico e emocional
onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.11…
12/n
A experiência iraniana mostra que mesmo um mercado regulado não diminui esses problemas, e as mesmas populações vulneráveis são afetadas.
13/n
E do lado do receptor/comprador, será que existe vantagem?
Encontrei esse estudo muito interessante, mostrando os resultados a longo prazo desses transplantes "comerciais".
O estudo conclui que quem recebe esses órgão tem sobrevida reduzida 14/n
Alem de perda de função renal bem mais precoce do que quem recebeu órgão doado. Portanto, transplante comercial é um fator de risco independente para maus resultados em longo prazo
ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27083285
15/n
Por fim, doação não é igual gratuidade. A cadeia de processos e profissionais envolvidos em um transplante é cara e altamente especializada. Por isso que uma bolsa de sangue custa caro, a despeito do sangue ser doado voluntariamente 16/n
Então, o que fazer? Primeiro, políticas para redução dos fatores de risco das doenças que levam a transplante. Se não tiver gente doente, não precisa transplantar.
Segundo, aproveitar melhor os potenciais doadores. Usamos 10% dos órgão que poderíamos usar 17/n
Terceiro, melhorar a eficiência dos centros transplantadores que já existem e criar outros centros.
Lembrem, problemas complexos não admitem soluções simples 18/18
Missing some Tweet in this thread? You can try to force a refresh.

Enjoying this thread?

Keep Current with Rafael

Profile picture

Stay in touch and get notified when new unrolls are available from this author!

Read all threads

This Thread may be Removed Anytime!

Twitter may remove this content at anytime, convert it as a PDF, save and print for later use!

Try unrolling a thread yourself!

how to unroll video

1) Follow Thread Reader App on Twitter so you can easily mention us!

2) Go to a Twitter thread (series of Tweets by the same owner) and mention us with a keyword "unroll" @threadreaderapp unroll

You can practice here first or read more on our help page!

Follow Us on Twitter!

Did Thread Reader help you today?

Support us! We are indie developers!


This site is made by just three indie developers on a laptop doing marketing, support and development! Read more about the story.

Become a Premium Member ($3.00/month or $30.00/year) and get exclusive features!

Become Premium

Too expensive? Make a small donation by buying us coffee ($5) or help with server cost ($10)

Donate via Paypal Become our Patreon

Thank you for your support!