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Foi publicado na PLOS One um novo artigo com novos dados de morfologia crania de grupos paleoíndios da América do Norte. Esse artigo, além dos dados, traz uma discussão muito interessante pro povoamento inicial das Américas. Segue o fio:
Primeiro o link, com acesso livre, ao artigo original:
journals.plos.org/plosone/articl…
Os novos dados são referentes a crânios encontrados na Península de Yucatán, no México durante pesquisas na última década. Mas não tem nada a ver com os Mayas! São de grupos MUITO mais antigo, datados entre 13 mil e 9 mil anos atrás. Paleoíndios!
Como já era esperado, os crânios paleoíndios não se parecem com os crânios dos grupos ameríndios, mais recentes. Walter Neves, bioantropólogo que fundou o nosso Laboratório de Estudos Evolutivo Humanos, já havia provado que os crânios paleoíndios eram diferentes dos ameríndios.
Neste novo artigo, Mark Hubbe (que foi aluno do Walter) chegou à mesma conclusão sobre esses novos crânios paleoíndios. Mas também demonstrou que a diversidade biológica desses grupos norte americanos mais antigos era bem maior do que se costuma pensar!
Em contrapartida, os paleoíndios sul-americanos eram menos diversos biologicamente, seguindo o padrão morfológico da nossa querida Luzia, um dos esqueletos mais antigos das América encontrado na região de Lagoa Santa (MG).
Os crânios de Yucatán são tão diversos que, de acordo com a análise multivariada de Mahalanobis (um métodos estatísitico bem bacana), alguns crânios se parecem com os polinésios, outros com asiáticos e outros com europeus (daquela época, não os modernos/atuais). Vejam só:
Lembrando que os povos da América do Sul não tem toda essa diversidade, sendo mais similares aos polinésios, ou como a gente chama na arqueologia, "grupos austrolo-melanésios". Mas por que essa diversidade biológica não existe aqui no sul?
De acordo com dados de DNA antigo, publicados em diversos artigos nos últimos anos, os grupos paleoíndios da América do Sul teriam a mesma ancestralidade de certos grupos da América do Norte. Ou seja, apenas uma parte dos grupos norte americanos também foi pro sul.
Tendo em mente que lá no Norte a diversidade biológica era muito maior do que se costuma pensar, e que todas as hipóteses de povoamento das Américas sugerem que tudo começou lá no Norte, isso nos leva a pensar que, de fato, mais de uma onda de migração aconteceu pela Beríngia!
Além disso, também corrobora, junto com os dados da cultura material, a possibilidade de outros grupos também terem chegado navegando pelo gelo que conectava a América do Norte com a Europa.
Ah, então é isso né? A galera chegou na América do Norte mais ou menos na mesma época vindo de vários lugares, mas só uma parte deles veio pra América do Sul e aqui era todo mundo igual. Bem, em termos biológicos, podemos concordar que sim.
Mas em termos CULTURAIS a história é bem diferente!!!! Inclusive, as evidências de artefatos arqueológicos apontam um processo de ancestralidade e diversidade cultural bem diferente.
"Mas como assim, JuCa?? Se as pessoas vieram de diferentes lugares, elas não trouxeram diferentes culturas pra América do Norte? E aqui no Sul não eram todas parecidas? Quer dizer que não era tudo "Povo de Luzia" aqui no sul? Mas eu vi no jornal pipipi popopo..."
Pois então, as pessoas que chegaram no NORTE realmente trouxeram coisas diferentes. Os povos que vieram da Europa trouxera facas e pontas de lança muito finas e complexas, conhecidas como Folhas de Louro, e tecnologia de lâminas com provável ancestralidade na cultura Solutreense.
Já o pessoal que veio um pouco depois, em número muito maior, pela Beríngia, trouxe coisas bem diferentes. Com pontas menores e mais espessas, dando origem ao que chamamos de "pontas pedunculadas" no oeste da América do Norte.
No entanto, a cultura que veio da Europa deu origem ao que conhecemos muito bem hoje como "Cultura Clovis" (que se pensava ser a mais antiga do continente, mas hoje sabemos que não é). Essa cultura acabou dominando geral na América do Norte entre 13,2 mil e 12,5 mil anos atrás.
Independente de que lugar do mundo as pessoas vieram, quase todos esses grupos adotaram a Cultura Clovis. E mesmo ela tendo durado pouco (só 700 anos), ela deu origem a cultura Folsom. E aí todo mundo virou Folsom lá no norte também (sempre com alguma exceções).
A Folsom deu origem a outra cultura e assim sucessivamente, demorando alguns milênios para que os grupos paleoíndios da América do Norte se tornassem bastante diversos culturalmente. As tradições duravam pouco, mas dominavam geral (pelo menos no começo).
Já o pessoal que chegou no Sul, parece ter chegado aqui antes da Cultura Clovis ter se estabelecido no Norte, já que ninguém nunca ouviu falar de Clovis por aqui... Clovis quem???
Pra ser justo, até apareceu um sítio Clovis na Venezuela (Taima Taima), MILHARES de anos depois dessa cultura ter desaparecido na América do Norte. Mas ninguém entende como é que esse pessoal chegou lá depois de tanto tempo. Mas também não foram mais longe que isso...
No entanto, aquela cultura de pontas finas e complexas parece ter vindo pro Sul também, e dado origem à Cultura Fell, muito conhecida na Terra do Fogo e na Patagônia pelas "Pontas Rabo de Peixe". Muitas delas inclusive se aprecem muito com as pontas Clovis, só que pedunculadas.
Mas a cultura Fell também aparece aqui no extremo sul SIMULTANEAMENTE com a cultura Clovis! No entanto, ainda que pontas Rabo de Peixe tenham sido encontradas em diversos locais da América do Sul, ela não conseguiu dominar o subcontinente (como fez Clovis).
Na verdade, a partir de 13 mil anos, a América do Sul tinha uma diversidade cultural gigantesca!!!! Em cada região a gente registra coisas bastante diferentes umas das outras. E parece impossível apontar qualquer tipo de ancestralidade em comum para elas.
Algumas dessas culturas nem sequer apresenta um traço cultural sequer de semelhança com qualquer outra na América do Sul ou na América do Norte. A cultura Lagoassantense por exemplo (aquela de Luzia) é um belo exemplo disso. É o grupo mais diferentão que a gente conhece.
Então, aquilo que a mídia adora retratar como "O povo de Luzia", é um grupo cultural paleoíndio MUITO específico da região de Lagoa Santa, que não se parece em nada (culturalmente) com outros grupos. Não herdaram nenhum traço cultural de ninguém. Foram inovadores.
E se você quiser saber mais sobre o quanto a gente já sabe sobre diversidade paleoíndia, pelo menos em relação ao Brasil e ao Uruguai, eu publiquei esse capítulo de livro algumas semanas atrás falando tudo que já sabemos do assunto. Veja aí. É de graça!
intechopen.com/online-first/t…
Outra coisa que acontece num padrão cultural aqui no Sul, diferente da América do Norte, está com relação à longevidade das tradições. Se por um lado lá era quase tudo igual mas tudo mudava rápido, aqui todo mundo era diferente e as tradições demoravam MILÊNIOS pra mudar.
Pra ter uma ideia, a cultura Tunas, no PR, durou 3 mil anos. A Rioclarense, em SP, durou 5 mil. A Garivaldinense, no RS, durou pelo menos 8 mil. A Lagoassantense (povo de Luzia) durou quase 12 mil!!!!
A ocupação inicial das Américas é complexa, né? A gente costuma falar muito dessas ocupações que começaram só depois de 14 mil anos com as migrações pra América do Norte. Mas eu ainda nem mencionei que já tinha gente aqui no continente muito antes disso!!
Só aqui na América do Sul tem quatro regiões com sítios mais antigos que 20 mil anos. Serra da Capivara (Piauí), El Jobo (Venezuela), Monte Verde (Chile) e Santa Elina (Mato Grosso). Era pouca gente, sabemos pouca coisa deles, mas com certeza estiveram aqui.
Alguns pesquisadores, principalmente norte-americanos, se recusam a aceitar as evidências que temos de sítios mais antigos que 14 mil anos. Seja porque eles não tenham sítios tão antigos, ou porque não existam esqueletos, ou ainda porque os artefatos eram pouco complexos.
O sítio do Mato Grosso tem até pingente feito em OSSO DE PREGUIÇA GIGANTE!!!
Alguns pesquisadores defendem ferreamente o modelo "Clovis First", que defende que nunca houve nada mais antigo que a Cultura Clovis e tudo que tem nas Américas é descendente de Clovis, independente do que apontam as evidências arqueológicas.
Felizmente esse já não é mais o caso da maioria dos pesquisadores! Mas ainda restam muitas questões. De onde vieram esse pequenos grupos mais antigos que 14 mil anos? Como a América do Sul se tornou tão culturalmente diversa? E por que esses grupos paleoíndios desapareceram?
É importante notar que todos esses grupos que chamamos de "Paleoíndios" eram cultural que viviam à base da caça e coleta. Diferente dos grupos Ameríndios, bem mais recentes, que viviam a base da agricultura e alguns deles estão aí até hoje.
Ainda não sabemos exatamente que fim os grupos paleoíndios levaram. Só sabemos que sua morfologia craniana era diferente da dos Ameríndios e que eles desapareceram quando os Ameríndios se expandiram pelo continente. Mas pra onde eles foram??
O mais provável é que alguns grupos do Brasil tenham sido extintos e outros tenham migrado para a costa atlântica entre 6 e 5 mil anos atrás, integrando-se a uma outra cultura que já existia desde 9 mil anos atrás: A cultura dos Sambaquis!
super.abril.com.br/mundo-estranho…
Enquanto os grupos que mais resistiram em pequenas populações, provavelmente foram absorvidos pelos grupos Ameríndios, que chegaram dominando geral (algo que se repetiu com os próprios Ameríndios, quando chegaram os Europeus 500 anos atrás).
Acho que nesse ponto muita gente já deve ter entendido a importância dessa área da ciência conhecida como ARQUEOLOGIA, responsável pelo estudo da história biocultural da humanidade. E não é só pelo fato de aprendermos com erros e acertos do passado!
Uma vez que a gente passa a entender a diversidade biológica e cultural dos nossos ancestrais, e todos os processos evolutivos bioculturais da humanidade, a gente consegue entender as nossas diferenças no mundo atual, gerando mais tolerância e respeito pelo próximo.
Além uma diversidade de fatores, como aprender sobre evolução de doenças em humanos, de mudanças de dietas, e aprender muito mais sobre povos injustiçados cujo documentos históricos não faziam questão de contar muito de sua histórica, como escravos.
Mas retomando o começo do fio (já que eu fui um pouco longe do assunto inicial), é importante perceber que a América do Norte e a América do Sul tem histórias bem distintas de ocupação paleoíndia. Não podemos assumir que a história de grupos humanos tão antigos era tudo parecida.
Por hoje é só pessoal. Vou tentar fazer um vídeo por canal com essa temática toda aqui, quando houver tempo e verba suficiente. Beijo nos seus corações.
@alinemghilardi @darkgabi @rmtakata @carloshotta @gryposouza Ajudem a compartilhar essa thread que eu fiz com muito carinho, por favor.
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