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Nunca a bola foi tão amiga de seus donos. Nunca uma final foi jogada tão perto de casa. Nunca um árbitro foi tão precavido.

A Copa do Mundo de 1930 foi realmente mágica e mudou o mundo da bola para sempre. Image
Treze nações — sete da América do Sul, quatro da Europa e duas da América do Norte — se encontraram no Uruguai para a disputa da primeira Copa.

Todos os países filiados à FIFA foram convidados, mas dois meses antes do torneio, nenhum europeu havia aceitado.
Depois de uma série de intervenções políticas com a participação de muita gente importante, França, Bélgica, Iugoslávia e Romênia aceitaram. O time romeno, inclusive, foi escolhido por ninguém menos que o próprio Rei Carlos II, recém-coroado.
Um torneio muito diferente em um mundo muito diferente. Argentina 6x3 México, por exemplo, foi apitado pelo boliviano Ulises Saucedo, que também era o treinador da seleção boliviana. O árbitro acabou apitando três pênaltis para os argentinos no jogo.
O Uruguai foi escolhido por ter sido campeão dos últimos dois torneios Olímpicos e estar celebrando 100 anos da sua primeira constituição.

Sim, o Uruguai era um país centenário à época, mas a tradição no futebol já era grande.
Eduardo Galeano escreve no seu magistral "Futebol ao Sol e à sombra": "Em plena expansão imperial, o futebol era um produto de exportação tão tipicamente britânico quanto os tecidos de Manchester, as estradas de ferro, os empréstimos ou a doutrina do livre comércio." Image
Nas reuniões da Argentine Football Association era proibido falar espanhol. A Uruguay Association Football League não permitia partidas aos domingos porque o costume inglês era jogar aos sábados.
Mas o futebol, criado e desenvolvido nas universidades inglesas, veio para para América do Sul fazer a alegria de quem nunca havia pisado em uma escola. Rapidamente se misturou nas ruelas de Buenos Aires e Montevidéu nasceu um futebol tocado, cadenciado, jogado em ritmo de música
Em nenhum lugar do mundo se jogava um futebol comparável ao da foz do Rio da Prata. Uruguai e Argentina surpreendiam o mundo eurocêntrico com seu toque de bola envolvente. O futebol mágico, da sutileza e do detalhe.
Os jogadores da seleção uruguaia saíram rumo às Olimpíadas de 1924 com passagens de segunda classe. Chegando à Europa, fizeram uma excursão antes de chegar a Paris para conseguir teto e comida. Jogaram nove partida e venceram as nove. Voltaram para casa como campeões olímpicos. Image
Quatro anos depois, a final olímpica colocava Uruguai e Argentina frente a frente. Na Copa do Mundo de 1930, a mesma final entre os países vizinhos. Agora, porém, a partida não seria disputada na distante Amsterdã. Agora, o confronto era na própria foz do Rio da Prata.
Com a proximidade entre Buenos Aires e Montevidéu, era como se os dois times jogassem em casa. Milhares de argentinos invadiram a capital do país vizinho em barcos de todos os tipos. Estima-se que entre 10 e 15 mil fizeram a travessia naquele dia. Image
O clima não era exatamente amigável. Os argentinos desembarcavam aos gritos de “victoria o muerte” e o árbitro belga John Langenus ligou o alerta. Ele só aceitou apitar a final depois de uma série de garantias, inclusive um barco esperando por ele no porto, preparado para fuga.
Duas horas antes o jogo, o novíssimo Estádio Centenario estava abarrotado. Oficialmente, 93 mil pessoas se espremiam para assistir in loco o maior jogo da história até então. Não cabia um alfinete.

Só restava uma questão: a bola.
Uruguaios e argentinos entraram em um impasse. Cada seleção queria jogar com a sua bola, o que forçou uma intervenção da FIFA com um meio-termo: o primeiro tempo seria jogado com a bola argentina e o segundo tempo com a bola uruguaia. Image
A pelota argentina deu uma escapada e ameaçou trair seus compatriotas quando Dorado abriu o placar aos 12 minutos para o time uruguaio. No fim, porém, ela cumpriu seu papel e garantiu a virada argentina. Fim do primeiro tempo: Uruguai 1x2 Argentina.
No segundo tempo, com a sua amada bola nos pés, os uruguaios não deram chances. Venceram por 3x0, decretando a vitória. Placar final: Uruguai 4x2 Argentina.

A pequena nação uruguaia era campeã mais uma vez. Image
Os uruguaios decidiram não participar da Copa na Itália em 1934 em retaliação aos europeus que não vieram à primeira edição. Em 1938, tanto eles quanto os argentinos não foram à França, revoltados com a decisão da FIFA de realizar duas Copas seguidas na Europa.
Depois do hiato causado pela Segunda Guerra, a Copa disputada no Brasil viu o inexplicável e inesquecível Maracanaço. Isso significa que os uruguaios só perderam sua invencibilidade em 1954, trinta anos depois do primeiro ouro olímpico. Image
“A final da Copa de 30 não mereceu mais que uma coluna de vinte linhas no jornal italiano La Gazzetta dello Sport. Afinal de contas, os dois países do rio da Prata ofendiam a Europa mostrando onde estava o melhor futebol do mundo.” - Eduardo Galeano
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