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Durante toda minha juventude aproveitei as férias na praia dos Castelhanos, distrito de Anchieta, ES.

Era um lugar pequeno, bem familiar e de pouco movimento. O mar era manso na maioria das vezes e a areia era tomada por famílias e crianças correndo livres.
Um feriado em especial me marcou. Nós já éramos adolescentes e não nos contentávamos somente com a praia.

Queríamos estar com outros jovens, curtir a adolescência, namorar.

Nesse período, eu e meu irmão saímos todas as noite para procurar agitação, sem hora para voltar.
Em uma noite meu irmão levou o violão, sentamos na praia e começamos a tocar e cantar. Não demorou muito, já éramos umas 12 pessoas ao redor da fogueira e tínhamos um luau.

E tudo ia bem, até por volta de 2 da manhã, quando começou a chover forte.
Para não nos molharmos, procuramos abrigo em uma das várias barracas que estavam sempre fincadas no meio da praia, de madeira e teto de palha.

A ideia era ficar ali até a chuva passar para podermos ir embora, mas isso não aconteceu.

A chuva piorou e acabou virando tempestade.
E era assustador, porque o vento dava a impressão de que tudo ia voar e a gente só fazia se molhar cada vez mais.

Para ficar pior, além do vento forte e da aguaceira, começou uma tempestade de raios com os piores trovões que já vi.

E quando achei que não pudesse ficar pior...
...depois de um raio fortíssimo, a luz da cidade inteira apagou e ficamos na mais completa escuridão, fora a luz fraca da lua que ainda persistia de vez em quando.

Ficamos todos assustados e tentamos nos distrair cantando ou fazendo piadas, mas ninguém estava tranquilo.
Foi nessa hora que comecei a sentir um frio absurdo... os pelos do meu corpo ficaram totalmente arrepiados... tive a nítida impressão de que algo ia acontecer...

Foi quando comecei a perceber um ponto branco que se destacava lá longe na praia.
Era como se tivesse alguém correndo no meio da tempestade, mas uma corrida meio desesperada. E devia ser isso mesmo, alguém com medo por conta de tanto trovão, talvez procurando abrigo, igual a gente...
E o vulto foi se aproximando, se aproximando, mas ainda não conseguia dizer se era homem ou mulher.

Me preparei para gritar, avisar a ele que estávamos ali, que havia abrigo, mas na exata hora que abri a boca, o rapaz que estava ao meu lado a tapou e fez shiii com a mão.
Fiquei brabo.

Por que diabos aquele cara que nem me conhecia tinha feito aquilo.

Mas, antes de brigar, percebi o olhar de medo e desespero dele.

O vulto ainda vinha correndo pela praia, bem perto da água, quase na nossa frente, e foi aí que novamente um raio enorme estourou.
Caramba... eu estava ali, de boca tapada, com aquele cara me olhando desesperado, olhando fixamente o vulto misterioso, aí o raio estourou e, quando achei que finalmente conseguiria ver aquela pessoa... a pessoa simplesmente sumiu.

Não havia ninguém na praia.
O cara tirou a mão da minha boca e ficou olha do para o mesmo ponto, agora vazio.

- Cara, você também vii aquilo, né? - perguntei.

- Vi sim, mas fica quieto.

Quando reparei, estavam todos olhando para o mesmo local sem entender nada, com olhos arregalados de medo.
De volta à escuridão, o vulto sumiu...

De repente, o silêncio que se fazia foi quebrado pelo grito de uma das meninas, que apontava freneticamente para o mar.

- TEM ALGUÉM NA ÁGUA! TEM ALGUÉM SE AFOGANDO, FAÇAM ALGUMA COISA.
Enquanto ela gritava, pegava vários dos rapazes pelo braço e puxava eles para que fizessem o salvamento - ao mesmo tempo que o rapaz que antes tapara minha boca gritava pedindo silêncio, dizia para ela se calar.

Diante da inércia de todos, a menina começou a correr para o mar.
Imediatamente, o rapaz do tapa boca saiu atrás dela, e todos nós, sem entender nada.

Conseguimos alcançá-la quase no meio da faixa de areia, enquanto ela ainda gritava pela pessoa que se afogava.

- A GENTE TEM QUE IR LÁ, ELE VAI MORRER.

- Pára! Ela já está morta...
No meio do breu, da chuva e dos trovões, voltamos para nosso abrigo e o rapaz do tapa boca nos explicou.

“Na terça-feira teve um afogamento aqui na praia. É raro acontecer, mas nesse dia teve uma ressaca anormal, com correnteza forte, a moça foi levada e não encontraram o corpo”
- Mas eu vi a pessoa correndo - vi ela no mar - vários de nós dizíamos.

- Ela ainda deve estar perdida, sem aceitar que morreu. O que vocês viram foi o espírito dela vagando sem rumo aqui na praia, última terra firme que teve. Por isso não podia chamar. Ela podia vir.
Foi quando a menina que correu para o mar, para salvar a afogada, falou com um fio de voz, agora aterrorizada.

- Mas ela me ouviu gritar. Ela ouviu meu grito e me olhou, e tenho certeza que ela estava vindo na minha direção quando vocês me alcançaram.
Ficamos sem reação...

A menina entrou em surto.

- O que vai acontecer se ela me ouviu? Que vai acontecer se ela veio na minha direção!!??

Mas ninguém falou mais nada diante do choro amedrontado dela, que só quis ajudar a morte.

Fomos para casa, mesmo com a chuva.
E tive a noite mais inquieta da minha vida, sem entender direito o que tinha acontecido.

Dormi já de manhã, quase quando a luz voltou. Ao acordar, no meio da tarde, a primeira coisa que fizemos foi procurar o grupo da noite anterior.

Estávamos todos lá, menos a tal menina.
Corremos para a casa dela.

Chegando lá, descobrimos que desde quando chegou ardia em febre. Os avós dela já tinham dado remédio mas nada fazia melhorar.

E não havia sinal de nada, nem garganta inflamada, nem dor, só uma febre terrível que aterrorizava a todos.
No meio da febre a menina tinha altos delírios.

Os avós dela não entendiam, mas a gente compreendia quando ela gritava ELA TÁ AQUI, EU TO COM MEDO, VAI EMBORA, TENTEI AJUDAR, VAI EMBORA...

Resolvemos contar tudo para a avó da menina, que imediatamente se pôs a rezar.
E rezamos muito, o resto do dia, e acendemos velas, mas nada funcionava.

Um médico veio e sugeriu internar para fazer exames, e assim foi feito.

Mas quando a menina já estava entrando no carro, subitamente ela começou a melhorar.

Pediu água, pediu comida e a febre cessou.
Voltamos para a casa sem entender nada. O médico olhava o termômetro, perdido. A avó dava graças a Deus e a gente só olhava sem entender nada.

Foi quando passou alguém gritando na rua, chamando o povo todo.

- GALERA ACHARAM O CORPO DA AFOGADA, TÁ LÁ NO TRAPICHE, VEM VER...

Fim
História baseada no relato da @glorinha_leao

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