Tivemos a primeira onda de contágio, que alcançou o mundo todo em menos de dois meses. Apesar da quantidade enorme de mortes, ainda sabíamos que somente cerca de 3% da população faleceria.
Foi terrível...
Todo o esforço feito pela ciência por remédios ou vacinas foi praticamente perdido. E, dessa vez, muitos mais morreram.
E se 2020 já tinha sido um ano perdido, 2021 era um ano a se lamentar e se apagar do calendário.
As regras de isolamento criaram pessoas que somente entendiam a vida entre quatro paredes. O viver ao ar livre, de correr pelos parques, de ir a uma praia, nada disso mais existia.
Os cientistas já tinham uma base de conhecimento promissora, então, novamente, se alardeou que em 2022 teríamos a resposta definitiva para o vírus.
Mas ninguém estava preparado para o que viria.
Como se em transe, alguns dos isolados chegavam a fugir de suas casas para as ruas, como se houvesse a imperativa necessidade de estar ao ar livre.
Capazes de se comunicar, de ter sentimentos primários e de demonstrar vontade própria, esses novos infectados logo se revelaram um perigo, pois eram facilmente confundidos com pessoas saudáveis.
O vírus estava em uma nova mutação, os doentes com graus altíssimos de senilidade, os cérebros completamente destruídos pela doença.
Era a 3ª onda da doença...
Era a nova estratégia da doença... destruir os cérebros para aumentar de forma enorme a infecção.
O exército foi chamado para tentar controlar a situação.
Foi uma verdadeira carnificina.
Segundo estatísticas, somente 40% da população pré-2020 ainda estava viva. A proporção de infectados/saudáveis era 2 para 1.
A proteção de prédios governamentais, fábricas, centros de distribuição de alimentos e remédios foi intensificada. Não adiantava matar mais infectados. Era preciso salvar o que restava da civilização.
E era difícil saber quem era quem, pois, por vezes, a doença mantinha os infectados aparentemente normais por longos períodos.
Muitas pessoas morreram por confiar demais.
A verdade é que, nas ruas, não se podia confiar em ninguém. O mundo jamais foi tão perigoso. Distópico.
Ele saia de casa sempre no início da noite e percorria 4 quarteirões até o centro governamental mais próximo.
E foi assim naquele dia.
Zambo entrou no prédio pelo buraco que fizemos em uma das paredes laterais já quase de manhã.
Acabávamos isso já quase de manhã.
Naquele dia de agosto de 2024, isolados desde 2020, eu abraçava meu filho com ternura, pois mais uma vez ele estava de volta.
Era justamente o alarme da barricada. Havia alguém nas escadas.
- Filho, alguém te seguiu?
- Não, eu despistei todos.
- Então alguém te seguiu?
- Sim, um deles era persistente, mas despistei.
- Pai, tenho certeza de que despistei ele. Até fiz o caminho mais longo pelo clube.
Enquanto sussurrávamos, fomos surpreendidos por uma batida forte que quase derrubou a porta da frente.
Não havia vizinhos, não havia ninguém que soubesse que estávamos ali. Mas a batida se repetiu outra vez, e mais outra, até que ouvimos uma voz visivelmente confusa.
- Me deixem entrar.
- Não, vá embora! – gritei.
- Por favor, me deixem entrar, não estou infectado.
- Procure outro lugar, não temos nem comida e nem espaço - falei, tentando persuadir um ser inumano.
Eu e Zambo nos abraçamos em completo desespero. Nunca tínhamos matado um daqueles. Eu nem conseguiria, muito menos Zambo, tão pequeno.
O pior era imaginar que aquele infectado não sairia dali por nada.
- Me deixe entrar – e cada vez batia mais forte, e a porta balançava em toda sua fragilidade, prestes a ceder.
Sem pensar, corri e peguei uma faca de cozinha e me preparei para qualquer coisa.
Se aquele homem entrasse, teria que defender Zambo.
Mal ouvíamos nossos pensamentos por causa das batidas que nos ensurdeciam.
Foi quando, do nada, se fez silêncio...
Olhando pela fresta da porta, vi que não havia mais a sombra de pés. Talvez, somente talvez, estivéssemos a salvo daquela vez.
Investigando cada pedaço da madeira rachada, falei para meu filho:
Foi quando Zambo me respondeu com a voz confusa.
- Ele não precisa mais entrar... eu já entrei...
Na mesma hora percebi que a febre consumia seu corpo. Na mesma hora, percebi que começava a delirar, febril...
Não demorou muito, precisei ir para a rua...
Fim
Não pretendo com esse texto aterrorizar ninguém acerca da atual pandemia. É somente uma peça de ficção derivada de um sonho ruim.
Espero que gostem e entendam.
No Telegram, um canal: t.me/tantotupiassu
No Facebook, uma página: facebook.com/tantotupiassu/
No Instagram, fotos fofas de pimpolhos: instagram.com/tantotupiassu/