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Quando o vírus surgiu, ninguém imaginou que as coisas sairiam de controle daquela forma.

Tivemos a primeira onda de contágio, que alcançou o mundo todo em menos de dois meses. Apesar da quantidade enorme de mortes, ainda sabíamos que somente cerca de 3% da população faleceria.
Quando os governos já comemoravam o arrefecimento da pandemia; quando os cientistas já alardeavam a proximidade de uma vacina, eis que surge a segunda onda de contágio, exatamente um ano após o surgimento da doença.

Foi terrível...
Porque o vírus, em um incrível processo de sobrevivência, conseguiu alterar quase toda a sua estrutura genética e voltava com mais força.

Todo o esforço feito pela ciência por remédios ou vacinas foi praticamente perdido. E, dessa vez, muitos mais morreram.
o vírus atingiu a assustadora margem de 17% de mortes, o que paralisou todos os países diante da completa incapacidade humana de fazer frente ao caos.

E se 2020 já tinha sido um ano perdido, 2021 era um ano a se lamentar e se apagar do calendário.
Segundo os economistas, em 20 anos a humanidade conseguiria se recompor.

As regras de isolamento criaram pessoas que somente entendiam a vida entre quatro paredes. O viver ao ar livre, de correr pelos parques, de ir a uma praia, nada disso mais existia.
Mas havia esperança, pois muito havia se avançado no combate à 1ª onda de infecção.

Os cientistas já tinham uma base de conhecimento promissora, então, novamente, se alardeou que em 2022 teríamos a resposta definitiva para o vírus.

Mas ninguém estava preparado para o que viria.
Um comportamento estranho foi identificado... pessoas em confinamento começaram a sair às ruas como se nada estivesse acontecendo.

Como se em transe, alguns dos isolados chegavam a fugir de suas casas para as ruas, como se houvesse a imperativa necessidade de estar ao ar livre.
Os relatos davam conta de que tais pessoais agiam como se desligadas da realidade.

Capazes de se comunicar, de ter sentimentos primários e de demonstrar vontade própria, esses novos infectados logo se revelaram um perigo, pois eram facilmente confundidos com pessoas saudáveis.
Algumas dessas pessoas foram capturados pela Força Pública e internados, e o que se descobriu foi devastador.

O vírus estava em uma nova mutação, os doentes com graus altíssimos de senilidade, os cérebros completamente destruídos pela doença.

Era a 3ª onda da doença...
Mais e mais casos surgiram, pessoas infectadas que fugiam e vagavam nas ruas como se fossem zumbis, procurando qualquer centro de aglomeração, para contagiar mais pessoas.

Era a nova estratégia da doença... destruir os cérebros para aumentar de forma enorme a infecção.
Em pouco tempo havia hordas de infectados pelas ruas, vagando em completa camuflagem, por vezes famílias inteiras completamente mortas vivas.

O exército foi chamado para tentar controlar a situação.

Foi uma verdadeira carnificina.
Metralhadoras varriam as ruas e matavam milhares de infectados de uma vez. Isso só parou quando os próprios soldados começaram a se infectar rapidamente.

Segundo estatísticas, somente 40% da população pré-2020 ainda estava viva. A proporção de infectados/saudáveis era 2 para 1.
O governo mudou de tática então.

A proteção de prédios governamentais, fábricas, centros de distribuição de alimentos e remédios foi intensificada. Não adiantava matar mais infectados. Era preciso salvar o que restava da civilização.
E nós, além de isolados, passamos a viver escondidos dos novos doentes.

E era difícil saber quem era quem, pois, por vezes, a doença mantinha os infectados aparentemente normais por longos períodos.

Muitas pessoas morreram por confiar demais.
Confiavam em humanos aparentemente normais e acabavam por ficar doentes, exterminando, de forma inocente, pais, filhos e amigos.

A verdade é que, nas ruas, não se podia confiar em ninguém. O mundo jamais foi tão perigoso. Distópico.
Eu, com minha perna estragada, tinha pouca chance de sobreviver. Era Zambo, meu filho de 12 anos, quem saia, pois era quem tinha mais chances.

Ele saia de casa sempre no início da noite e percorria 4 quarteirões até o centro governamental mais próximo.
Zambo recebia remédios e comida para dez dias e voltava de madrugada, pois era necessário despistar qualquer ameaça.

E foi assim naquele dia.

Zambo entrou no prédio pelo buraco que fizemos em uma das paredes laterais já quase de manhã.
Passou pela barricada que fizemos na escada. Botou a roupa para lavar, se desinfetou e desinfetou as comidas.

Acabávamos isso já quase de manhã.

Naquele dia de agosto de 2024, isolados desde 2020, eu abraçava meu filho com ternura, pois mais uma vez ele estava de volta.
Zambo já se preparava para dormir quando ouvimos um dos alarmes tocar.

Era justamente o alarme da barricada. Havia alguém nas escadas.

- Filho, alguém te seguiu?

- Não, eu despistei todos.

- Então alguém te seguiu?

- Sim, um deles era persistente, mas despistei.
Ficamos em silêncio esperando algum barulho que nos desse sinais. Zambo falou novamente.

- Pai, tenho certeza de que despistei ele. Até fiz o caminho mais longo pelo clube.

Enquanto sussurrávamos, fomos surpreendidos por uma batida forte que quase derrubou a porta da frente.
Desespero.

Não havia vizinhos, não havia ninguém que soubesse que estávamos ali. Mas a batida se repetiu outra vez, e mais outra, até que ouvimos uma voz visivelmente confusa.

- Me deixem entrar.

- Não, vá embora! – gritei.

- Por favor, me deixem entrar, não estou infectado.
Era uma voz horrenda, meio que pastosa, que revelava justamente a confusão da doença, da 3ª onda do vírus que facilmente colocaria fim no mundo.

- Procure outro lugar, não temos nem comida e nem espaço - falei, tentando persuadir um ser inumano.
- Me deixem entrar – a pessoa gritava, surrando e chutando a porta.

Eu e Zambo nos abraçamos em completo desespero. Nunca tínhamos matado um daqueles. Eu nem conseguiria, muito menos Zambo, tão pequeno.

O pior era imaginar que aquele infectado não sairia dali por nada.
- Senhor, por favor vá embora.

- Me deixe entrar – e cada vez batia mais forte, e a porta balançava em toda sua fragilidade, prestes a ceder.

Sem pensar, corri e peguei uma faca de cozinha e me preparei para qualquer coisa.

Se aquele homem entrasse, teria que defender Zambo.
Ficamos ali, no chão, abraçados, tremendo. Zambo estava quente como se estivesse com febre, balbuciando coisas desconexas, provavelmente por causa do medo.

Mal ouvíamos nossos pensamentos por causa das batidas que nos ensurdeciam.

Foi quando, do nada, se fez silêncio...
Só havia Zambo, quase inconsciente, murmurando coisas desconexas.

Olhando pela fresta da porta, vi que não havia mais a sombra de pés. Talvez, somente talvez, estivéssemos a salvo daquela vez.

Investigando cada pedaço da madeira rachada, falei para meu filho:
- Pronto, filho... ele foi embora... ele não vai entrar aqui.

Foi quando Zambo me respondeu com a voz confusa.

- Ele não precisa mais entrar... eu já entrei...
Na mesma hora, larguei meu filho e vi, no seu olhar, o sinal dos infectados.

Na mesma hora percebi que a febre consumia seu corpo. Na mesma hora, percebi que começava a delirar, febril...

Não demorou muito, precisei ir para a rua...

Fim
Amigos, isso foi um pesadelo que tive nesse domingo. Acordei angustiado, nervoso e com medo.

Não pretendo com esse texto aterrorizar ninguém acerca da atual pandemia. É somente uma peça de ficção derivada de um sonho ruim.

Espero que gostem e entendam.
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