Thread by @lftofoli

Está na hora de prestarmos atenção no que está acontecendo na Bélgica. Até agora, não tem havido muita discussão no Brasil sobre a situação da epidemia de covid-19 por lá.

Siga o #cordel e vamos entender porque os belgas estão em uma situação gravíssima.

Se nós olharmos o número total de mortes, os primeiros colocados não mudam muito: EUA disparado na frente, seguido por Itália e Espanha. Embora com um número grave (acabou de ultrapassar o número de óbitos da China), a Bélgica aparece bem depois da França e do Reino Unido.

Os epidemiologistas, porém, estão acostumados sempre a olhar os dados em relação ao número de habitantes de cada região que está sendo analisada.

Esse não é um hábito do público em geral, a não ser ao se falar de renda per capita (PIB por habitante), mas a lógica é a mesma.

Convencionou-se apresentar o número de mortes de covid-19 por cada milhão de habitantes. Quando fazemos esse cálculo (o @OurWorldInData já tem um gráfico pronto para isso), a demografia muda muito e os números se transformam de forma radical, vejam:

No cálculo por milhão de habitantes a Bélgica (que tem 11,5 milhões de moradores) assume um assustador primeiro lugar no número de óbitos. Notem que o pico recente na trajetória dos óbitos diários/milhão é impressionante.

Mas enfim, o que explica o que está acontecendo por lá?

A primeira questão que salta à mente de qualquer um que esteja acompanhando os acontecimentos é 'será que atrasaram na quarentena?'.

A resposta é sim, mas isso tampouco explica toda a situação.

politico.eu/article/why-is…

Embora tenha demorado a iniciar as medidas, diante do que se via na Itália, e tenha havido alguma disputa interna antes de se tomar a decisão, o país efetivamente entrou em quarentena na 2ª metade de março (comparativamente mais tarde do que o Brasil).

theguardian.com/world/gallery/…

Porém, a Holanda, país vizinho e semelhante, adotou um tipo de quarentena mais branda, sem lockdown completo.

Embora os números holandeses sejam preocupantes, estão longe dos belgas. Nesse caso a quarentena não parece ser capaz de explicar as diferenças.

bbc.com/news/world-eur…

O governo belga tem uma explicação: 'transparência'.

A Bélgica testa covid-19 em grandes quantidades, e a transparência em um governo é excelente, mas é improvável que somente isso determine toda a diferença. Há outros países transparentes também.

euractiv.com/section/corona…

O ponto que muito provavelmente não deve ser a causa da alta mortalidade é o número de leitos de UTI no país. Embora longe dos impressionantes quase 50 leitos/100 mil habitantes da Alemanha, a Bélgica ainda está entre os países com o melhores números desses leitos.

Um dado que tem chamado a atenção é que grande parte das mortes estão acontecendo em instituições de longa permanência para idosos (ILPI).

Por alguma razão desconhecida, os belgas que deveriam estar mais protegidos foram justamente os mais atingidos.

aa.com.tr/en/europe/belg…

Mais um elemento cuja efetividade deveremos saber nos meses a seguir, é o fato de que a Bélgica ser um dos países onde a vacinação com BCG não faz parte do calendário.

Só isso, porém, mais uma vez, tampouco seria capaz de explicar toda a variação.

scielo.br/scielo.php?scr…

Caso vocês não saibam, há um estudo não publicado e PRELIMINAR supondo que uma explicação para a grande variação de mortalidade nos países seja a vacina BCG. Apesar de direcionada à tuberculose, ela poderia afetar positivamente a imunidade contra o vírus.

medrxiv.org/content/10.110…

Voltando à situação da Bélgica, porém, o que podemos
dizer, neste momento, que não há ainda uma explicação clara do que está acontecendo, infelizmente.

Resta torcer para três coisas. A primeira é que os números caiam logo.

A segunda é que a Bélgica receba a melhor assistência possível.

A terceira é esperar que os especialistas possam encontrar outras variáveis modificáveis que expliquem a curva de lá, para que a Bélgica e outros países tenham desfechos mais favoráveis.

msf.org.br/noticias/covid…

Enquanto isso, há sinais de que a curva de mortes brasileira poderia estar muito mais íngreme se não fossem as medidas de isolamento social. Por isso, então, por ora, vamos nos manter firmes e cuidar de nós mesmos de daqueles que amamos. Fique em casa.

www1.folha.uol.com.br/colunas/monica…

Vou tomar a liberdade de marcar as @s de alguns jornalistas e divulgadores de ciência aqui: @MarceloNLeite @besteves @marivarella @reinaldojlopes @claudioangelo @collucciclaudia @CrisSegatto @hertonescobar @stevensrehen @dadourado @jonathanvicent @ThomasVConti @cenevivaricardo.

Adoraria ouvir as opiniões de vocês e de quem puder ajudar a esclarecer o mistério da Bélgica.

ADENDO

Uma hipótese que eu não examinei é o de haver maiores proporções de indivíduos mais velhos na Bélgica. Não procede.

A idade mediana (que separa a população em duas metades iguais) na Bélgica é menor que da Itália, Espanha e Holanda e quase equivalente à da França.

ADENDO

A @lucianeck1 mora na Bélgica e traz uma informação importante. Ela diz que o governo de Bruxelas está contabilizando qualquer caso suspeito (morte por insuficiência respiratória aguda) como covid-19 positivo.

https://twitter.com/lucianeck1/status/1251226748357881858

Mais de uma pessoa - com graus variados de gentileza - criticaram o uso da palavra 'gravíssima' na capa do cordel. Peço desculpas a quem cuja sensibilidade eu possa ter ferido com o uso do termo, mas não consigo pensar a situação da Bélgica como menos do que, no mínimo, grave...

ADENDO

Como lembra o professor @PauloLotufo, o número de mortos por habitantes é mais fácil de interpretar em países de pequeno território (é o caso da Bélgica).

E como comentou o @dadourado, em países maiores é mais interessante avaliar por foco.

https://twitter.com/PauloLotufo/status/1251253890122735616