O que mais perturbou liberais ontem no Roda Viva de Felipe Neto é ele ter dito que a deposição de Dilma foi golpe. Não por ele ser um esquerdista ou um pensador, mas justamente por não sê-lo e ter dito isso. O negacionismo do que houve em 2016 é a base do que se passa hoje (1/7)
"Ora, mas os mesmos liberais são contra Bolsonaro!" -- sim, são, mas isso só os torna piores, pois eles conseguem ser colaboradores involuntários do Bolsonarismo, uma vez que ainda acham que o PT e a esquerda são um problema e, no fundo, Bolsonaro é um mal menor (2/7)
Cada vez que um Pedro Doria ou uma Vera Magalhães, cada um ao seu modo, afirmam essa equivalência falsa entre Bolsonaro e o PT, no fundo, eles estão defendendo o Bolsonarismo, ainda que taticamente, por concordarem com um processo socioeconômico que ele desencadeia (3/7).
A nova narrativa que essa direita "moderna" deflagra, que o impeachment de Dilma foi legítimo e justamente por isso o de Bolsonaro seria ainda que por outras razões, esbarra no mérito histórico de que a permanência de Bolsonaro no poder se sustenta no golpe de 2016 (4/7).
Por isso, Bolsonaro ainda reina. Porque ele sabe, tal como a maior parte da oligarquia nacional, que esse projeto socioeconômico de exclusão e concentração não se sustenta nem ao menos com um verniz modernoso, que isso exige um choque de se assumir como o que ele é (5/7).
Não é que a direita "moderna" não queira o arrocho total dos pobres, trabalhadores e minorias. Mas ela precisa que isso se dê sob o viés do politicamente correto, do globalismo e liberalismos vários, tudo bem dos arranjos que ela faz parte fora do Brasil (6/7).
Há, portanto, uma dissociação de meios com fins na direita "moderna", enquanto no Bolsonarismo não. Mesmo quem pode reconhecer isso não consegue dizer "foi golpe sim", por temer uma desmoralização pessoal. Felipe Neto, no entanto, conseguiu fazer a autocrítica (7/7).
P.S.: Felipe Neto conseguiu fazer sua autocrítica. Grande parte da direita "moderna" vive às turras com Bolsonaro e não consegue fazer o mesmo, porque talvez se desmoralizem mesmo se admitirem que erraram. Guerreiam porque cruzaram linhas parecidas.
P.S.B: Se na prática o impeachment fraudulento de 2016 é o que sustenta este estado de coisas, isso comprova o aspecto material e performático de discursos e narrativas em larga escala. Dizer "foi golpe" não apenas descreve a verdade, mas implica em um agir que cria um futuro.
P.S. do B: Dizer que "foi golpe" não implica em dizer que Dilma fez um bom governo ou supor genial o PT, mas simplesmente admitir que nada disso foi a causa da deposição dela, mas simplesmente gerar uma coisa como o Bolsonarismo e seus efeitos.
