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Sobre o estudo de 22/05 da Lancet, trago breves explicações sobre como interpretá-lo e também refuto mitos e narrativas sobre ele.

Em primeiro lugar, afirmo que esse é um estudo FORTE GERADOR DE HIPÓTESES, não confirmador. Mas também não é fraco, como cloroquinions têm afirmado.
Foi um estudo observacional (o 2° mais forte na linha hierárquica da pesquisa médica, perdendo apenas para os trials). Um trial randomizado com 800 pacientes pode ser melhor que um estudo observacional com 96 mil. É questão de metodologia. É o poder de evitar coincidências.
Como o nome diz, um estudo como esse OBSERVA o que ocorre em determinados hospitais. Ele não estabelece ao médico que paciente X vai receber o remédio e que Y não recebe.
Por isso, estudos observacionais são, via de regra, heterogêneos.
Pacientes graves podem ficar em um grupo ou no outro (no caso, ficaram no grupo que usou HCQ). Há inúmeros fatores confundidores impossíveis de controlar em um estudo como esses. Mas pra reduzir esse viés e dar mais poder estatístico à pesquisa, usa-se de análises multivariadas
Todo estudo sério tem a famosa “Tabela 1”, as características de base. Observe que, em geral, há uma pequena, porém significante, heterogeneidade: os médicos do estudo decidiram dar HCQ para os mais graves. E os mais graves já possuem maior risco de morrer.
E, feita a análise, identificaram um risco 33 a 44% maior de morte desses pacientes hospitalizados quando usaram HCQ. Já o risco de ter arritmias foi 20 a 30 vezes maior(!)
A análise crua dos dados, contudo, requer que observemos friamente se esses achados são coincidência ou causalidade. A probabilidade de a HCQ aumentar mortalidade em 30 a 40% é baixa. É uma droga segura em outros contextos. É mais lógico pensar que isso se deu por viés de seleção
“Viés de seleção” acontece exatamente quando pacientes mais graves caem no grupo de determinado tratamento. E como os mais graves têm piores chances, acabam por poluir as estatisticas daquele tratamento, dando a falsa impressão de que a droga mata (coincidência).
Por ser gerador de hipóteses, gera-se a hipótese MUITO forte de que a HCQ NÃO reduz mortalidade. E gera hipótese FRACA-moderada que ela aumenta mortalidade. Isso vai ao desencontro de outros estudos prévios com a HCQ, a citar no próximo Tweet, o estudo francês.
O estudo francês que deu origem a toda essa celeuma também foi observacional e avaliou 36 pacientes. É um FRACO GERADOR de hipóteses. Quem defende o uso da HCQ por conta do estudo francês, mas grita que o estudo da Lancet é lixo, está agindo com desonestidade ou ignorância.
O estudo de hoje traz importantes lições: 1. HCQ não reduz eventos em hospitalizados. 2. Até que ponto vai ser ético estudar essa droga?
3. Não há justificativa alguma, diante da CIÊNCIA, de prescrever esse medicamento para COVID. 4. Primum non noncere*
Refutando 5 mitos que estão contando sobre o estudo da Lancet (96k pessoas):

1. Não podemos ser extremistas e condenar a droga.

Fato: Talvez ela ainda possa ser estudada em alguns cenários. Mas os cheerleaders foram extremistas ao defender seu uso diante de evidências fracas.
Mito 2. “Você leu o estudo? Ele tem limitações”

Fato: Sim, e qualquer pesquisa é obrigada a citar suas limitações. Você só percebeu isso agora porque você nunca leu um artigo antes. Na figura, limitações citadas pelo estudo francês. Não seja desonesto.
Mito 3. “Houve viés de seleção, por isso esse estudo é lixo”

Fato: Houve viés de seleção como qualquer outro estudo observacional, inclusive os que os cheerleaders usam pra defender a prescrição. Se você critica esse estudo, seja coerente e critique os outros também.
Mito 4. “A HCQ serve mesmo é no começo da doença”

Fato: Pra provar redução de 20% de mortalidade em uma doença que mata 1%, teriam que randomizar 31 mil pessoas. Seria o maior estudo da história. Os desonestos sabem dessa dificuldade e usam isso pra manter o mito vivo.
Mito 5. “Toma quem quer”

Fato: Não é assim que se faz Medicina. Devemos ouvir os pacientes, sim, mas também usar do nosso conhecimento e experiência pra guiá-los pelo melhor caminho. A celeuma criada contaminou o debate e fez pessoas exigirem um tratamento que não traz benefício
Mito 6. “Só podemos deixar de prescrever quando algum trial grande for lançado”

Fato: Só podiamos COMEÇAR a prescrever quando algum estudo moderado tivesse sido lançado. Mas vocês, sedentos por heroísmo, queimaram a largada. Agora os moderados existem e são negativos.
Mito 7. “Se você está caindo de um avião, e tem um pára-quedas não comprovado, você pegaria ele?”

Fato: Isso parte do pressuposto falso que a HCQ é benéfica. A pergunta correta seria: “você tá caindo de um avião e tem um PACOTE DE SAL, você pegaria ele?”
Finalizando: *“Primum non noncere” significa “acima de tudo, não cause dano”. É um fundamento básico da nossa ética profissional e nos alerta a não tomar condutas que não sabemos se podem trazer prejuízo a alguma pessoa. Alguns médicos esqueceram disso.
Acabou que foram 7 mitos 😂😅
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