Assisti a defesa de tese de uma amiga paulistana. Em determinado momento, ela citou o livro "Outsiders", de Howard Becker. A vantagem de estar em casa é que olhei para a prateleira e visualizei o livro (todo anotado). Acho que tem algo a explicar sobre os bolsonaristas. (fio)
1) Becker começa o livro afirmando que alguns "desvios" de comportamento (em relação ao padrão) são considerados crimes, mas, outros, não. Todos, contudo, não vivem de acordo com as regras estipuladas como normais ou corretas. Acredito que uma parte dos bolsonaristas se encaixa 
2) Muitas regras não são impostas, sugere o autor. Mas, mesmo assim, alguns que as violam geralmente aprovam as regras que infringiu, como os que cometem infração no trânsito. Outros, desenvolvem ideologias completas para explicar porque estão certos e o mundo errado
3) Porém, um ato é considerado desviante em relação à reação que as outras pessoas apresentam a este ato. Ora, isso significa que em sociedades cujas regras sociais são frequentemente desrespeitadas - como nosso jeitinho -, o comportamento desviante é mais tolerado
4) Portanto, desvio "não é uma qualidade que reside no próprio comportamento, mas na interação entre a pessoa que comete um ato e aquelas que reagem a ele" (p. 27). Cá entre nós, está dando para nos identificar, não? Brasileiro ignora um ato desfuncional à socialização
5) Na medida em que um grupo outsider se cristaliza na sociedade, o sentimento de erro de conduta só ocorrerá se alguém de seu próprio grupo definir sua ação como transgressora. Caso contrário, as críticas de fora se chocam com as convicções de seu próprio grupo
6) Becker sugere que padrões de comportamento se desenvolvem numa sequência ordenada. Em outras palavras, o outsider, muitas vezes, constrói ao longo de um tempo razoável esta sequência até seu acabamento, quando o cristaliza. Se ninguém o coibi, a trajetória se legitima
7) Mais: segundo o autor, muitos atos impróprios são cometidos por quem não tem intenção de transgredir. Apenas, ignora a existência de uma regra. Palavras adequadas num agrupamento podem ser ofensivas para outro grupo, para dar um exemplo ameno
8) Todos temos impulsos desviantes ao longo de nossa vida. A decisão de não seguir por um caminho desviante se dá pelo "compromisso" com instituições e valores sociais (não apenas comunitários ou de grupos pequenos). Mas, esses valores precisam perpassar seus círculos sociais
9) As pessoas que não têm reputação a zelar ou vínculos sociais mais amplos se vêm livres para caminhar por uma conduta desviante, agressiva, violenta, desrespeitosa, egoísta.
10) Se não há nenhum constrangimento social (seja de seu grupo social mais íntimo, seja das instituições), forma-se uma narrativa desviante que define motivos e interesses. No curso da interação, ouve de outros outsiders as vantagens da negação de regras gerais.
11) "O indivíduo aprende, em suma, a participar de uma subcultura organizada em torno da atividade desviante particular" (p. 41). Criados os motivos e a narrativa que justifica o desvio, é muito difícil reverter o ciclo desviante, sustenta Becker.
12) Mesmo quando o desviante/outsider se livre do hábito inadequado, é comum as pessoas continuarem a tratá-lo como desviante.
13) Um passo final da "carreira" de um desviante é o ingresso num grupo desviante organizado. Neste momento, se consolida uma ideologia do grupo desviante e emerge um repúdio severo às regras morais da sociedade e suas convenções.
14) O fio termina por aqui. Vejam que Becker constrói um percurso analítico que indica algo sobre o bolsonarismo. O começo do percurso vai se fortalecendo na medida em que não é coibido ou questionado por nós. E vai crescendo até se conformar como subcultura, como padrão.
