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Há um mistério envolvendo o ex-jogador etíope Behailu Fekadu que já dura 70 anos. Presente na primeira convocação da Seleção, o zagueiro desapareceu em 1950 e sua história, embora desconhecida por muitos, é motivo de curiosidade para quem ouve falar.
Tive acesso ao caso do Behailu Fekadu enquanto fazia pesquisas sobre o futebol no continente africano. Em português não existe absolutamente nada e tive que traduzir muitas coisas do amárico, língua falada no país. Cada vez que lia, ficava mais interessada.
Pois bem, o zagueiro nasceu onde hoje é Harar, cidade que está a 500km da capital, no ano de 1926. Ele era filho de família pobre e de religião muçulmana, a minoria no país que sempre teve grande parte da população de cristãos ortodoxos.
As religiões serão importantes, então guardem essa informação. Quando o primeiro campeonato de futebol começou na Etiópia, em 1944, Behailu já morava na capital Adis Abeba e trabalhava plantando e colhendo café, produto muito forte da economia do país.
Descoberto pelo técnico do Mechal - por algum meio que não se tem informação - Behailu passou a ter dupla jornada: plantava e colhia café e treinava com o time em horários específicos. Os relatos é de que ele era muito forte e mesmo depois do trabalho, se destacava nos treinos.
Tinha 19 anos quando passou a integrar o time e disputar a liga pelo Mechal, que hoje se chama Defense Force SC. Naquele tempo apenas 5 times jogavam a liga e um deles era um grupo militar (Missão Militar Britânica na Etiópia) que, inclusive, foi o campeão.
As boas atuações no clube o levaram ser convocado para a Seleção da Etiópia. O primeiro jogo aconteceu em 1947 e eles venceram a Somália Francesa por 5x0. Behailu Fekadu fez, de cabeça, o 4° gol. Era o xerife da zaga e respeitado por companheiros e torcedores.
Tudo parecia caminhar para que ele se tornasse cada vez mais ídolo do país. Aparecia constantemente nas convocações da Seleção e ganhou 1 título nacionais com o Mechal, em 1949, coincidentemente seu último ano como jogador de futebol. Depois disso, nunca mais entrou em campo.
A partir daí, a história fica cada vez mais bizarra. Nesse jornal etíope do final de 1949 há uma parte falando sobre o sumiço do jogador e da crença de que ele tenha sido sequestrado por um grupo extremamente religioso, mas não faziam ideia do motivo.
O desaparecimento de Behailu mobilizou a capital Adis Abeba, que passou a fazer mutirões para procurá-lo na cidade. Seu clube, o Mechal, ofereceu até recompensa em dinheiro para quem tivesse pistas. A imagem raríssima é uma carta do presidente do clube falando sobre a recompensa.
Meses depois, essa foto apareceu e levantou a poeira do caso que, com o passar do tempo, tinha abaixado. Nela, Behailu aparece com um senhor. A imagem rodou o país e inúmeras pessoas entraram em contato com a polícia pra dizer que reconheceram o homem mais velho.
Ele se tratava de Bomani Nkosi, um ancião que morava em Lalibela, a cidade que tem as seculares igrejas subterrâneas construídas a mando do Rei Lalibela, no século XII. A intenção das igrejas era criar uma nova Jerusalém, visto que a original estava tomada por árabes.
Termino de contar amanhã, porque a história é longa e eu tenho umas coisas pra fazer ainda.
Continuando.

Após a quantidade de chamadas, a polícia de Lalibela resolveu procurar por esse senhor e esclarecer a relação dele com o sumiço de Behailu. Ouviram muitas pessoas no vilarejo, seguiram as pistas dadas, mas nada de encontrarem.
Quando já achavam que a foto era antiga e que Bomani Nkosi nem estava mais por lá, uma senhora afirmou que sabia onde ele estava e que um rapaz novo esteve mesmo com ele nos últimos dias. Por desencargo de consciência, dois polícias foram até o lugar indicado por ela.
Em uma zona bem afastada do centro da cidade, mas perto da Bet Gabriel-Rufael, a Igreja de Gabriel e Rafael, dois anjos segundo a bíblia cristã, eles viram uma movimentação diferente de pessoas que entravam e, alguns minutos depois, saíam atordoadas.
Diferente das outras igrejas, essa tinha sempre um homem na porta que andava de um lado para o outro vigiando a porta. Um dos policiais tiraram uma foto para mostrar ao seu superior a estranheza daquele lugar. Os dois observaram mais um pouco e decidiram não entrar.
Conversaram com algumas pessoas do local e todas disseram que conheciam Bomani e que também tinham visto o outro homem (Behailu) por ali, mas já fazia alguns dias que ele não aparecia. Intrigados e certos de que estavam perto de desvendar o mistério, voltaram à cidade.
Em conversa com o chefe da polícia, combinaram que entrariam na igreja a paisana para ver o que se passava lá e tentariam falar com o senhor Bomani. No dia seguinte, chegaram às 9h e outro homem vigiava a entrada. Os policias se aproximaram dizendo que desejavam visitar.
O homem da porta disse que eles precisavam esperar a próxima leva de visitantes que sairia logo mais. Os policiais (não tinha o nome deles nos textos) aguardaram e de novo algumas pessoas saíram chorando, tremendo e uma até vomitou. A curiosidade deles só aumentava.
O medo também, segundo relataram. Lá dentro, tudo parecia normal, os visitantes faziam orações, tocavam as paredes, se ajoelhavam e iam até um senhor que ficava na parte da frente para que ele lhes desse a bênção. O senhor não era Bomani.
Depois da bênção, todos, em fila, se dirigiam para outra parte da igreja. Os policiais também seguiram e ficaram completamente surpresos com o que viram. Bomani estava sentado em uma grande cadeira que parecia um trono, e em uma mesinha em frente a ele tinha um coração no vidro.
Todos os visitantes, ainda em fila, caminhavam até o coração, se ajoelhavam, tocavam o vidro e ouvia as seguintes palavras de Bomani: "o demônio jamais reinará nas terras o Senhor". Ele tocava suas cabeças e a maioria delas começava a chorar e tremer.
Os policiais, mesmo com medo, também passaram pelo ritual para não levantarem suspeita. No final de tudo, disseram que gostariam de conversar com o ancião. Ele aceitou e disse que no pôr do sol os homens podiam voltar. E assim foi feito.
Já com o céu escuro, aguardaram Bomani em uma das cadeiras da igreja. O senhor saiu do lugar onde estava o coração e foi ao encontro deles, se sentando perto. Os policiais perguntaram seu nome, o que fazia, onde morava, quando começou aquele rito com o coração e de quem era.
Isso tudo com calma. Bomani Nkosi respondeu tudo com calma e sem demostrar incômodo. As últimas resposta, porém, deixaram os policiais com um frio na espinha. O rito havia começado há mais ou menos um mês e o coração era de um homem possuído por um espírito maligno.
Bomani explicou que o homem era jovem, mas que começara a ouvir vozes que o mandavam fazer coisas ruins como matar os outros e se matar, que via bichos mesmo onde não tinha nada e que não conseguia voltar mais à realidade depois de um tempo. Sabiam que era coisa ruim.
Os policias perguntaram quem era o homem, de onde ele era e onde ele havia sido enterrado. As respostas novamente foram um baque: o velho disse que o homem era de outra cidade, que não era cristão como eles e que por isso o demônio o escolheu, e que ele não estava enterrado.
Seu corpo estava exposto na mais conhecida das igrejas subterrâneas: a Bet Giyorgis, Igreja de São Jorge. A exposição era a prova de que o espírito maligno havia sido derrotado e que não mais destruiria a Etiópia.
Os dois policiais não conseguiam dizer nada, apenas se olharam e se despediram de Bomani com um embrulho no estômago e uma imensa vontade de vomitar. Tinham quase certeza de que o homem de quem eles falavam lá dentro era Behailu Fekadu, um dos melhores jogadores do país.
Já o posto policial para comentarem com o chefe, que também ficou horrorizado com o que ouviu, eles planejaram de visitar a Igreja de São Jorge para ver se realmente havia um corpo exposto lá. Eles ainda não queriam prender Bomani e os demais envolvidos até descobirem tudo.
Mas colocaram dois homens também a paisana para vigiar discretamente Bomani. No dia seguinte, rumaram para a famosa igreja, também em Lalibela. Lá também tinha um homem vigiando a entrada. Esse já era bem desconfiado e fez algumas perguntas antes de liberar a entrada do grupo.
Os turistas tiravam muitas fotos, rezavam, tocavam nas paredes feitas de rochas... enquanto isso, os policiais olhavam em busca do tal corpo. Em um determinado momento, um outro senhor bem velho chamou a atenção de todos e disse a mesma frase de Bomani:
"o demônio jamais reinará nas terras do Senhor"

Depois de um tempo, nada do corpo, mas perceberam que dois homens faziam a segurança de uma porta que estava trancada. Perguntaram a eles o que tinha lá dentro e a resposta foi que era a prova da vitória do bem.
As matérias não ficam muito claras depois disso, dizem que muito dos depoimentos dos policiais se perderam, mas que a policia invadiu o lugar e constatou realmente que havia um corpo lá que ficava em cima de uma mesa, sem nenhuma proteção, e que já estava em decomposição.
Falam também que os policiais prenderam todo mundo que estava envolvido e nos depoimentos eles disseram que Behailu foi sequestrado após um dos religiosos mais fanáticos do lugar saber que ele estava ouvindo vozes e tendo alucinações e delírios.
Em Lalibela passou por rituais de exorcismo que o torturaram até que o corpo não aguentasse mais. Médicos dizem que, pelos sintomas, provavelmente o jogador sofria de esquizofrenia. A partir desse caso, a polícia entendeu mais alguns desaparecimento no país.
O grupo fanático religioso era organizado e acreditava que os demônios estavam espalhados pelo país possuindo corpos de muçulmanos para que destruíssem a Etiópia, uma nação muito católica e que resistia contra as maldades do mundo. Acreditavam que a fome e a seca eram avisos.
Mesmo com os fanáticos afirmando que era Behailu o homem sequestrado e torturado, os exames não foram compatíveis com o DNA do ex-jogador, o que não encerra o mistério e continua deixando uma pulga atrás da orelha do povo etíope.
Alguns acreditam que realmente era ele e que ele foi mesmo possuído pelo demônio e que isso modificou sem DNA, por isso os resultados não bateram. Outros que os fanáticos estavam mentindo e que Behailu morreu de outra coisa e seu corpo e perdeu para sempre.
Mesmo assim, algumas homenagens foram prestadas a ele quando essa história foi divulgada.
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