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Muita gente ainda com dúvidas sobre a nossa resposta de anticorpos ao Cov2. Vamos ver o que já sabemos, mas lembrando sempre que estamos engatinhando nessas questões, e que a ciencia se caracteriza justamente por mudar de ideia frente a novas evidencias.
Por isso nao batemos o martelo em nada, ainda mais em uma doenca nova. Normalmente, esperamos encontrar dois tipos de resposta imune para um virus: a resposta imune inata e a adaptativa.
A resposta inata é inespecífica, e já nascemos com ela. Vai reagir a qualquer coisa reconhecida como estranha. Nao gera memória, e reage rapidamente, com ativação de algumas células que vao eliminar o virus.
Depois, vem a resposta adaptativa. Essa é dividida em dois "braços": o braço humoral - de anticorpos, eo braço celular, de células T, ou linfócitos T. Esses braços sao conectados e geram memória, se o virus atacar pela segunda vez, esses braços vao montar uma resposta rápida.
Os anticorpos sao produzidos pelas células B. O primeiro anticorpo que aparece é o IgM, que indica uma infecção recente. Depois vai sendo subsituido pelo IgG, que indica que já faz mais tempo que a pessoa teve a doenca. O IgG pode durar bastante tempo no sangue.
Aí é que começa a bagunça. Por normalmente durar bastante tempo, o IgG é muito usado como um bom marcador de imunidade. Em geral, essa correlação funciona bem, se a pessoa teve a doença, se recuperou, e produziu IgG, deve estar protegida. Atencao ao DEVE.
Deve, porque nao basta ter IgG, eles precisam ser do tipo neutralizantes, que realmente impedem que o vírus entre na celula. Mas costumam ser um bom indicador, e mesmo sem saber se os anticorpos sao neutralizantes ou nao, sempre foram usados como um bom marcador epidemiológico.
Ou seja, para medir a prevalência da doenca na populacao. Rastrear a populacao com testes de sorologia para ver quem já foi exposto ao virus, parecia ser uma boa ideia. Enfase no parecia.
Isso porque saíram dois trabalhos que colocam em duvida se o IgG é um bom marcador. O primeiro trabalho foi esse, que avaliou 37 pacientes assintomáticos para sorologia de IgG, comparando com 37 sintomáticos: nature.com/articles/s4159…
esse trabalho mostrou que os níveis de IgG caíram abaixo do detectável após 60 dias para 40% dos assintomáticos e 13% dos sintomáticos.
Isso nao quer dizer que nao desenvolvemos imunidade, nem que estamos suscetíveis a uma reinfecção. Anticorpos nao sao nossa unica resposta imune, como ja comentei aqui: revistaquestaodeciencia.com.br/questao-de-fat…
O fato de "perdermos" rapidamente o IgG, nao quer dizer que nao temos resposta celular - de células T, ou que nao tenhamos desenvolvido células de memória, capazes de montar uma reposta rapidamente caso o virus infecte novamente.
Um outro trabalho recente, ainda em preprint, mostra exatamente isso: medrxiv.org/content/10.110…
é um estudo pequeno, mas com uma abordagem bem interessante, acompanharam famílias com um paciente contaminado, e mediram respostas de anticorpos e de células T nos pacientes e nos contatos.
Esse estudo demonstrou realmente a presença de infecção sem producao de anticorpos, mas com resposta de células T, nos contatos dos pacientes. Cinco, dos seis contatos que desenvolveram resposta de células T eram sintomáticos.
Ou seja, tiveram sintomas, nao produziram anticorpos - pelo menos nao foi possivel detectá-los, mas produziram resposta celular de células T. Isso medido depois de 69 dias.
Ainda nao se sabe se essas células T produzem memoria, e quanto tempo dura. Tb nao sabemos se mesmo sem anticorpos detectáveis, essas pessoas tem células B de memória, que poderiam produzir anticorpos se provocadas. Enfim, ainda há muito o que pesquisar.
Sobre reinfecção, nao estamos vendo casos de reinfecção de forma consistente, entao por enquanto, parece que quem teve a doenca e se recuperou está protegido. Mas o fato é que ainda nao sabemos, por isso NAO PODE relaxar as medidas de prevenção.
Até porque mesmo que estejamos protegidos de ficar doentes, ainda nao sabemos se ficamos realmente livres de transmitir o virus.
Os motivos pelos quais algumas pessoas parecem se livrar do virus mesmo sem anticorpos? Temos varias hipóteses, nenhuma resposta ainda. Pode ser uma questão de carga viral baixa, pode ser que a gente produza bons anticorpos neutralizantes mesmo em baixa quantidade.
Como sugere esse outro trabalho aqui, que mostra que mesmo quantidades baixas de anticorpos neutralizantes dao conta do recado: nature.com/articles/s4158…
Pode até ser que respostas cruzadas de células T com outros coronavirus estejam dando uma vantagem pra algumas pessoas, de uma memória pra esses outros coronavirus de resfriado comum, que esteja montando uma reposta de células T rapidamente.
Como demonstrado nesse trabalho: cell.com/cell/fulltext/…
Entao, resumindo: parece que IgG nao é um bom marcador, porque muitos pacientes se recuperam de Covid19 sem produzir quantidade significativa de anticorpos, ou eles decaem rapidamente após a recuperação.
Isso nao quer dizer que as pessoas nao estao imunes porque existem células de memoria, e também resposta celular que nao depende de anticorpos.
Mas isso quer dizer que medir prevalência da doenca na populacao só com IgG nao é uma boa ideia, podemos estar subestimando a prevalência. Também tem implicações para recrutar pacientes para doação de soro de convalescente, se existe um pico de producao de IgG, é bom aproveitá-lo
Para saber se ficamos imunes e quanto tempo essa imunidade dura, vamos ter que medir também resposta celular, e acompanhar com o tempo. Nao temos como dizer quanto tempo dura a imunidade antes de ter pessoas recuperadas por um longo período. e ainda nao temos.
Modelos animais vao dizer se após queda do IgG, ainda temos células T, e vao poder desafiar os animais para ver se estao protegidos, e se os níveis de IgG sobem com o desafio. ansiosa por estes estudos, porque em animais trabalhamos com ambiente controlado e dá pra medir tudo.
Ninguém precisa ficar desesperado achando que ferrou tudo e que vamos todos pegar Covid19 varias vezes. Nao parecer ser o caso, e estamos aprendendo ainda.
Em relação a vacinas, elas podem - e devem - ser desenhadas para dar uma resposta imune melhor do que a natural, provocando tanto anticorpos neutralizantes e resposta celular.
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