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Vamos fingir que eu sou uma espécie rara de adepto da Cloroquina: o que realmente se importa com evidências. E eu quero provar, de uma vez, por todas, que a Cloroquina funciona.

Como seria o estudo ideal? E o que seus resultados significariam? Se liga na sequência.
1. Pra evitar confundidores, precisa ser um estudo randomizado. Colocar pessoas no grupo tratamento x sem tratamento através de sorteio é a melhor forma, porque tende a equalizar os fatores confundidores entre os dois grupos.

Mesma quantidade de obesos, hipertensos, etc.
2. Como eu, hipoteticamente, acredito muito na droga, eu vou perseguir o desfecho ambicioso "redução de mortalidade”. Esse desfecho é livre de viés (não há discordâncias entre médicos sobre se alguém morreu ou não), então nem precisa ser um estudo duplo-cego. Mais barato assim.
3. Para calcular quantas pessoas têm que ser pesquisadas, eu preciso: a) mortalidade da doença, b) de quanto benefício eu imagino que a droga terá.
Mortalidade global: 1%.
Como sou consciente, sei que não existe droga com 100% de cura. Uso a hipótese ambiciosa de 50% de cura.
4. Mas quem seriam os pesquisados? A população geral? Aí não é bom. Entrariam muitos saudáveis na pesquisa. Nenhum editor sério aceitaria isso em sua revista (alô Prevent!). Quem tem PCR + com sintomas? Parece uma boa ideia: selecionaria pessoas com alta chance de ter a doença.
5. Eu preciso de 5000 pessoas para a pesquisa. Nada utópico, dá pra fazer. 2500 usando cloroquina, 2500 usando placebo ou nada. Se eu usar a hipótese mais realista de 20% de cura, a amostra já seria de 31 mil pessoas. Esquece um estudo desses. Image
6. Agora vamos imaginar que funcionou! A HCQ salva vidas! Festa! Ela reduziu a mortalidade em 60% (melhor que minha previsão inicial): de 1% para 0,4%. Qual a magnitude disso? Calculando NNT (1/0.01-.0.004): 167.

O que significa isso?
7. NNT de 167 encontrado em meu estudo significa que 1 em cada 167 pessoas que afirmam “tomei a HCQ e me curei” terão sua vida salva pela ação dela. As outras 166 iriam: a) sobreviver porque esse já era seu destino (lembre que a mortalidade é de 1%), b) morrer mesmo assim.
8. Se eu encontrasse 20% de redução de mortalidade com 5000 pessoas no teste, esquece: minha amostra teria que ser maior, lembra? Agora 20% de redução com 31 mil pessoas, aí sim, encontrei uma verdade.
Qual o NNT nesse caso? 1/0.01-0.008 = 500.
1 em cada 500 seriam salvos.
Agora você entende porque essa história de “cura milagrosa” com Cloroquina e Ivermectina é narrativa política ou ingenuidade médica.

No fundo, quem entende de evidências mas defende cloroquina por vieses, odiaria que um estudo assim fosse feito. Enterraria a ilusão dos ingênuos.
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