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Texto do Hélio Schwartsman torcendo pela morte do presidente lança argumentação consequencialista para se justificar. Oportunidade de sairmos um pouco da ciência para discutir filosofia moral. Vamos analisar pelas três grandes: consequencialismo, deontologia e ética da virtude👇
Versão mais comum do consequencialismo é o utilitarismo. Nele, ação correta é a que promove maior bem para maior número de pessoas. Consequências ditam certo e errado. Hélio argumenta que Bolsonaro morrer de covid satisfaz a condição, pois salvaria vidas no Brasil e no exterior.
Entretanto, para muitos - incluindo críticos do presidente - o texto provoca forte repulsa moral. E essa informação é relevante na filosofia moral. Isso porque muitas vezes o único recurso que temos para julgar a moralidade são nossas intuições.
A ética da virtude explicaria de imediato essa repulsa. Nessa perspectiva, o caráter moral da pessoa é a base para distinguir certo e errado. A boa ação é a ação que promove a virtude e não o vício. Dessa perspectiva, a "torcida" é imoral, pois desejar o mal ao outro é um vício.
Em uma perspectiva utilitarista, esse vício não seria descartado. Mas seria só mais uma das consequências negativas da ação. A depender do caso, poderia ser mais que compensada por consequências positivas, mantendo a ação como correta. Na ética da virtude isso não ocorreria.
Já de uma perspectiva deontológica, o que importa para definir certo e errado são os princípios que guiam a ação - e não suas consequências ou virtudes/vícios que cultivam. O foco é no que deve ser feito por seguir um princípio que é correto e é universalizável. Intenção importa.
Da perspectiva deontológica, o texto seria moral ou imoral? Como intenções importam, há uma margem (ausente no utilitarismo) para que a mesma ação feita com as mesmas consequências feitas por duas pessoas diferentes possa ser uma boa e a outra má.
No caso em questão, qual é o princípio que guia a ação de publicar tal texto? Se "desejar a morte" for o princípio, não parece nem bom nem universalizável. Logo, imoral. Porém, se o princípio for "salvar o máximo de vidas", há margem para a mesma ação ser boa e universalizável.
Pela ótica utilitarista, esse tipo de ambiguidade é uma inconsistência. Em especial porque tais intenções e princípios no limite não são observáveis. O que pode ser visto para embasar nossos valores são as consequências, logo seriam uma base epistêmica mais sólida da moral.
Porém, há críticas. Exemplo clássico são dois Dilemas do Bonde, muito usados pelo Michael Sandel. Maioria topa desviar o bonde atropelando 1 para salvar 5. Mas se tiverem que empurrar alguém nos trilhos para salvar 5, deixam de topar. Mesmas consequências (5/1), moral distinta.
Problemas como esse levaram no século XX a novas versões do utilitarismo. Uma delas é o chamado utilitarismo de regras. Nele, a ação correta não é necessariamente a que maximiza o bem para o maior número de pessoas, mas sim a ação que condiz com uma regra que maximizaria o bem.
O utilitarismo de regras consegue explicar a diferença entre os dois Dilemas do Bonde. O caso em que a pessoa é jogada no trilho está seguindo uma regra em que pessoas podem ser sacrificadas pelo bem maior até em situações que não estão envolvidas. Seria uma regra catastrófica.
O que o utilitarismo de regras diria sobre o texto do Hélio? Provavelmente ficaria preocupado com um ambiente político com regras que aceitam ativamente torcer pela morte dos outros. Mesmo se no caso particular possa fazer sentido, no longo prazo os efeitos podem ser piores.
Mas o utilitarismo de regras também tem críticas. Utilitaristas de ação (a primeira forma que vimos lá no começo do fio) dizem que basta expandir a análise de consequências da ação em prazos mais longo, mais pessoas, e com as regras, que chegaria no mesmo resultado.
Um "utilitarista rigoroso", por assim dizer, poderia criticar o texto por não ser, ele próprio, um texto com benefícios maiores que custos. Pode aumentar a polarização, dar vantagem moral para quem não tinha, instigar conflitos, etc. Consequências passíveis de análise na ação.
Em suma, debates morais são difíceis, raramente conclusivos, mas muito interessantes! Pessoalmente, sou inclinado ao utilitarismo de regras, acho que é o mais consistente com a proposta de políticas públicas baseadas em evidências. E vocês? Fim do 🧵
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