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Não tenho opinião formada a respeito da decisão, pelo ministro Alexandre, sobre a suspensão das contas de Twitter e Fb dos capos bolsonaristas.

Mas me parece que a conversa está pela metade. Ela tem a ver com o debate sobre cancelamentos. E a sobre a Lei das Fake News.

Um fio.
Quem vê o debate jurídico vê um pedaço, não o todo.

O debate sobre direitos individuais, idem.

A questão política é uma parte, também.

Todas são importantes. E é fundamental compreendermos que estamos perante um dilema raro.

Aliás... Estão faltando filósofos nessa conversa.
Um dos motes no Twitter a respeito dos cancelamentos, esta semana, foi ‘crítica não é cancelamento’.

O ponto é justo

É manifestado por pessoas que provavelmente jamais foram canceladas.

Já fui algumas vezes. Tenho amigos... Aliás, principalmente amigas, que foram de forma pior
Abrir o Twitter e ver milhares de mensagens num scroll que não para de pura agressão dói.

Não é uma experiência que dê para compreender sem ter vivido.

Entre nós jornalistas conheço alguns que entraram no tarja preta regularmente nos últimos anos por conta da vida em rede.
Quem faz a crítica com inteligência, muitas vezes, considera que fez uma crítica e pronto.

O que o cancelado vê não é isso. É a torrente. Os espertos saem do Twitter por uns dias.

Vc tem de ter frieza para não responder. Para não ler. Funciona como um bloqueio temporário.
Porque a diferença é esta: volume.

Isto é novo no debate a respeito de liberdade de expressão.

A mistura de algoritmos que selecionam temas e os inflamam, o que gera mais volume, e determina sobre o que passaremos o dia discutindo.

Não é uma pessoa. É um software. Manipulável.
Muito da base filosófica que temos para debater temas como direitos individuais vêm da segunda metade do século 19, de gente como John Stuart Mill.

Mill e os seus leram Locke, leram os iluministas do século 18, olharam para a Europa da Revolução Industrial e repensaram.
Viviam num mundo em que para um ponto de vista atingir milhares era preciso imprimir, distribuir, coisa de anos.

Vivemos num mundo em que para um ponto de vista atingir milhões é questão de segundos.

Num, provocava reações reflexivas. Noutro, reações guturais.
Mais recentemente, perante a ascensão do nazismo na Áustria, Karl Popper observou que havia um Paradoxo de Tolerância.

No limite, a liberdade de expressão é um caminho para que totalitários ascendam ao poder e ponham fim à democracia.
Popper falava após a experiência nazista, num mundo em que a TV ainda era novidade. Cujo impacto não era possível sentir.

Nós vivemos no mundo em que algoritmos de inteligência artificial definem sobre o que leremos.

As decisões destes softs nem seus autores sabem explicar.
O Movimento 5 Estrelas e a Lega, na Itália. O Brexit, no Reino Unido. Andrzej Duda, na Polônia. Viktor Orbán, na Hungria. Donald Trump, nos EUA. Jair Bolsonaro, no Brasil.

Todos nascem de uma manipulação simples, porém pouco compreendida, dos algoritmos e dos apps de mensagem.
Metáfora de carioca: é ir para trás da quebração, esperar a onda vir, dar umas braçadas e de peito aberto pegar um jacaré. A onda te leva até a praia.

Com poucas contas chaves de alto volume, pessoas gerenciando dezenas de contas falsas e bots, determinam o debate público.
Para todo mundo?

Não.

Para determinadas bolhas.

Em essência, fazem algo que jamais foi possível na história: falsificam o debate público.

Promovem artificialmente debates.

Chegam ao ponto de criar uma realidade paralela na qual a ciência sequer existe.
O resultado é que desmontam a base sobre a qual uma democracia liberal se sustenta.

Aquele mundo do Mill, do mercado de ideias onde o amplo debate fará com que bons argumentos sobrevivam aos maus com o tempo?

Não existe mais.

E as plataformas se recusam a ter este debate.
O problema é muito grave.

Os algoritmos de Fb, Twitter e YouTube são manipulados, a praça pública é fraudada, e democracias as mais sólidas estão sendo tomadas de assalto.

É o paradoxo do Popper de um outro jeito. O problema não é o discurso. O problema são as regras da praça.
Compreendo perfeitamente o que dizem os juristas sobre a decisão do ministro Alexandre. Ele forçou a barra.

Compreendo o que dizem os ativistas de direitos nas redes quando se queixam da Lei das Fake News.

Aliás, concordo com quase todas as críticas sobre o texto da lei.
Neste exato momento, Jair Bolsonaro entregou seu governo à dobradinha generais/Centrão.

Na Ditadura, a dobradinha generais/Arena gerou uma estabilidade de quinze anos.

Os ditadores não sabiam promover vitórias eleitorais fraudando o debate público.
Este problema é real.

Não é inventado.

Não é um delírio.

O regime democrático está sendo violado.

Quem diz que as leis não prevêem o problema está inteiramente certo.

Não prevêem aqui, nos EUA, no Reino Unido, na Itália... E o problema existe.
O que os capos bolsonaristas fazem, nas redes sociais, não é democracia.

Só parece democracia.

Parece democracia o suficiente para se utilizarem de argumentos que pertencem à liberal-democracia para permitir que, lentamente, possam extinguir o processo democrático.
O que a decisão do ministro Alexandre diz é isso: não pode.

Um número imenso de juristas diz que a decisão não é legal.

Não sou jurista. Conheço apenas o básico do Direito. Muito menos sou filósofo — mal conheço o básico de filosofia.
De política, democracia e a história de ambas eu conheço. De como internet funciona, também.

Não quero fingir que o problema é simples.

Não sei qual é a resposta.

Mas o problema é grande, é novo, e tem de ser discutido por inteiro.
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