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Para quem gosta de passar raiva, o artigo do Robert Brenner na última @NewLeftReview é imperdível. Através de uma análise do pacote de resgate aprovado nos EUA, ele confirma algo que Philip Mirowski já tinha sugerido: se é verdade que a dimensão e natureza (sanitária) desta crise
provocou uma resposta fiscal muito maior que qualquer coisa vista em 2008, por outro lado estamos vendo basicamente um replay de 2008, no qual a única diferença importante é a escala. Para dar uma ideia dessa diferença: em março deste ano o Banco Central norte-americano estava
adquirindo ativos financeiros a um ritmo de $90bi por dia –– mais do que se gastou na maioria dos meses que se seguiram ao colapso da Lehman Brothers em 2008. A cada segundo, o Fed trocava quase $1mi em títulos do Tesouro e títulos lastreados em hipoteca por dinheiro.
Cerca de 75% do total de $6,2tri direta ou indiretamente destinados ao resgate foram dirigidos às empresas e instituições financeiras mais poderosas dos EUA, a grande maioria sem quaisquer condições ou contrapartidas estipuladas. Por outro lado,
apenas $603 bi foram alocados para a transferência direta de renda ($300 bi), seguro desemprego ($260 bi) e crédito estudantil ($43 bi). Mesmo em meio a uma das piores crises econômicas da história, “executivos e acionistas estavam
livres para encher os bolsos através da recompra de ações, pagamento de dividendos e aumento de salários, ao mesmo tempo em que cortavam empregos e investimentos –– tal como haviam feito rotineiramente com suas empresas ao longo da última década”.
Como observou o CEO de uma administradora de fundos, “neste ciclo, parece que não é esta ou aquela instituição, mas todo o mercado de títulos com grau de investimento que se tornou ‘too big to fail’” e está virando um mercado garantido de facto pelo Tesouro dos EUA.
Não à toa, ao mesmo tempo em que $6,5 tri de patrimônio familiar desapareceram e 45,5 mi de americanos pediram seguro-desemprego, o patrimônio total dos bilionários dos EUA cresceu 20% em três meses, saltando de $2,9 para $3,5 tri e criando 29 novos bilionários no processo.
Num mundo em que a maioria foi forçada a ficar em casa, os maiores vencedores foram o dono da Amazon, Jeff Bezos, cuja fortuna cresceu em $43,7 bi (38.6%); e Mark Zuckerberg (Facebook, Whatsapp e Instagram), que faturou $32 bi (58.6%).
ips-dc.org/us-billionaire….
No total, o crescimento da riqueza dos bilionários foi o dobro daquilo que o governo dos Estados Unidos pagou a 150 milhões de cidadãos como transferência pontual de renda. No Brasil não foi muito diferente:
até aqui 1,2 mi de desempregados e 600 mil firmas fechadas, principalmente pequenas e microempresas, mas o patrimônio dos 42 bilionários do país cresceu em R$ 176 bi (de R$ 638 bi em março para R$ 814,3 bi em julho). Informações @oxfambrasil: oxfam.org.br/quem-paga-a-co…
Ou seja: estamos destinados a repetir o que aconteceu após 2008. Para quem não sabe,
o bailout global não foi um evento pontual, mas se estendeu por quase toda a década passada:
de 2010 até o início deste ano, os quatro maiores bancos centrais do mundo injetaram mais de $10 tri
no sistema financeiro internacional através da compra de títulos, efetivamente “imprimindo” dinheiro eletrônico para emprestá-lo a bancos e instituições financeiras. Este tipo de intervenção já vinha crescendo novamente desde antes da pandemia, levando alguns a se perguntar se
o QE (quantitative easing) tinha se tornado um dado permanente da economia mundial. E como essa bonança veio acompanhada de pouquíssimas condicionantes que obrigassem seus beneficiários a investir na economia real, a maior parte desse dinheiro acabou circulando apenas
no mercado financeiro. Em outras palavras, o crédito barato via QE e juros baixos serviu para manter os mercados financeiros em alta ao mesmo tempo em que a economia real estagnava, mascarando a fragilidade dos fundamentos da “retomada” e sem fazer nada para modifica-los.
Assim como o expansionismo fiscal carrega consigo o risco da pressão inflacionária sobre bens e serviços, uma década de política monetária dadivosa alimentou uma inflação de ações e títulos.
Mas ao contrário do outro tipo de inflação, que vai deixando os consumidores cada vez mais pobres, esta última torna aqueles que tem condições de especular cada vez mais ricos. Do ponto de vista do combate à desigualdade, qualquer efeito positivo da expansão monetária
ao promover indiretamente a redução do desemprego foi vastamente cancelado pela apreciação de ativos financeiros no período, que beneficia desproporcionalmente os mais ricos. A década do QE foi também uma década de aumento da desigualdade.
E bom, ao que tudo indica, vem mais do mesmo por aí: não só a crise servirá de cobertura para a "acumulação por predação", como chamou Brenner –– a transferência de recursos públicos para agentes privados quase que como suborno para que eles invistam uma parte desse valor ––,
mas nova inflação de ativos, vôos de galinha na economia real, redução do desemprego pela proliferação do subemprego, consolidação e aprofundamento dos mecanismos de produção da desigualdade já consolidados e aprofundados na crise anterior.
Enfim:
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