A PGR de Aras posiciona-se junto ao Supremo a favor de foro privilegiado para Flávio Bolsonaro no caso das rachadinhas - a investigação mais relevante do país neste momento. Concorda com a cúpula do TJ do Rio, que criou esse foro mágico. E discorda do MP do Rio, que recorreu. 🧵
1. O relator do recurso é o ministro Gilmar Mendes. Ele levará a Reclamação para julgamento na segunda turma do tribunal. É a turma que, enquanto durar a licença médica do decano, está dividida. Fachin e Cármen de um lado; Gilmar e Lewandowski do outro.
2. Como vocês viram, a ausência de Celso de Mello permitiu a anulação de uma sentença que condenava um doleiro no caso Banestado. Talvez por coincidência, a sentença era do juiz Sergio Moro. A ausência também permitiu a anulação de uma delação premiada - a pedido dos réus (?!).
3. O “?!” deve-se ao fato de que essa anulação contraria entendimento do STF. A sentença do doleiro do Banestado fora confirmada por duas instâncias. Moro foi acusado de ser parcial porque tomou o depoimento de um delator e permitiu a juntada de documentos após a alegação final.
4. Se Gilmar levar a Reclamação do MP do Rio à segunda turma antes da volta do decano, espera-se que ele e Lewandowski acompanhem o parecer da PGR e rejeitem o recurso dos promotores. Assim, Flávio Bolsonaro manteria um precioso foro no TJ do Rio.
5. Diante do histórico e do comportamento dos desembargadores do Rio responsáveis por esse foro mágico, a investigação sobre as rachadinhas de Flávio Bolsonaro e de sua família, operadas por Queiroz, teriam chance escassa de sucesso. Sucesso aqui é chegar à verdade possível.
6. Ignorando por um momento questiúnculas processuais, o entendimento do Supremo acerca do foro privilegiado é claro. Ou era claro. Passou a valer somente para crimes cometidos durante e em razão do atual mandato. (Simplifico um pouco, mas não muito.)
7. O caso recente de Serra, porém, demonstrou que mesmo esse entendimento claro do Supremo acerca das condições do foro está sob, digamos, revisão. O tucano é acusado de receber propina da Odebrecht quando era governador. Fale baixo, mas é um caso da Lava Jato de São Paulo.
8. Toffoli suspendeu no recesso as investigações contra Serra. Acolheu o argumento da defesa de que medidas cautelares não poderiam ter sido aplicadas, pois ele é senador. A síntese é que, por ser senador, Serra deveria ter proteção especial, apesar do entendimento do STF.
9. In dubio pro foro. Mesmo sem dubio nenhum, na real.
10. Gilmar, o relator, rejeitou um recurso do MPF para reabrir a ação penal - a denúncia contra Serra havia sido acolhida pelo juiz pouco antes da liminar de Toffoli. Aguarda-se agora o julgamento desse liminar pelos ministros.
11. Esse movimento para voltar a estender o foro privilegiado e, na prática, blindar autoridades e ex-autoridades está ganhando força na cúpula do Judiciário, com apoio de líderes do Congresso e aval do Planalto.
12. É nesse contexto, portanto, que Flávio Bolsonaro pode assegurar, no Supremo, seu privilégio a um foro desenhado para evitar o avanço do caso. Essa decisão beneficiaria, pela lógica das investigações, toda a família Bolsonaro. E, por óbvio, o presidente da República.
13. Como eu escrevi ontem e já disse algumas vezes, estamos diante de uma reacomodação de poder em termos antirrepublicanos. A destruição da Lava Jato é uma etapa necessária para o sucesso dessa reacomodação.
14. Não se trata apenas de estancar a sangria. Trata-se de desfazer a sangria que já aconteceu e assegurar que não haverá mais sangrias.
