2020 marcam os 80 anos da defesa da tese de licenciatura de Álvaro Cunhal na Faculdade de Direito de Lisboa, em Julho de 1940, com o tema: "O Aborto: Causas e Soluções"
Alexandre Babo (Recordações de um Caminheiro) descreve esse dia: "Não me esqueço por ser dia grande (...)
na Faculdade de Direito. Toda a esquerda portuguesa da oposição a Salazar, a chamada “inteligenzia”, lá estava. O Álvaro Cunhal, preso e incomunicável há mais de três meses, fora autorizado a prestar as suas provas de licenciatura e toda aquela gente ali estava para o saudar"
(…) Sentado frente à cátedra, respondendo de igual para igual perante o juiz do Supremo Tribunal que presidia ao exame, ladeado pelo melhor que havia na Faculdade – o Marcelo Caetano, o Pinto Coelho, o Caeiro da Mata e Cavaleiro Ferreira, figura sinistra do fascismo.
A tese tem dois capítulos. O 1.º foca-se no desenvolvimento do capitalismo, na evolução demográfica e na política de natalidade, destacando a revolução industrial, a exploração capitalista e a situação social, o movimento demográfico, a repressão do aborto na Alemanha de Hitler e
na Itália de Mussolini. O 2.º capítulo trata propriamente da questão do aborto e da sua relação com a sociedade e a lei. O mal que representa o aborto clandestino e as suas causas económicas, sociais e morais; a sua criminalização ou a experiência de legalização na URSS.
Álvaro Cunhal analisava o flagelo do aborto clandestino em Portugal e a repressão, juridicamente ineficaz e socialmente condenável.
Se todo o aborto é um mal, afirmava, o aborto clandestino é uma "catástrofe", explanando de forma documentada a realidade do aborto (...)
clandestino em Portugal quanto ao tipo de práticas e suas consequências para a saúde das mulheres: a utilização de "métodos primitivos e brutais, principalmente entre as camadas da população economicamente mais desfavorecidas";
a sujeição a consequências gravíssimas que, "com uma alarmante frequência, vão até à morte"; as hemorragias, inflamações do útero ou doenças permanentes, a incapacidade de trabalho durante meses ou anos e mesmo a esterilidade.
Como resposta adiantava a miséria e a angustiosa situação económica das classes trabalhadoras, marcada pelos baixos salários, o desemprego massivo, a impossibilidade de ter amas para tomar conta dos seus filhos, as condições brutais de exploração do trabalho e a parca alimentação
que não permitia uma maternidade saudável. Sendo assim, como podem elas "ansiar a vinda ao mundo do produto do seu ventre, como podem desejar que a carne da sua carne venha para o sofrimento e para a dor?"
A eficácia da criminalização do aborto é questionada porque em nada alteravam as verdadeiras causas que levava tantas mulheres a interromperem a gravidez: «Persistindo as causas, a repressão não consegue atenuar o mal e o número de abortos não cessa de aumentar.»
Na tese destacava-se ainda uma "experiência brilhante: a legalização do aborto na URSS", aprovada em 1920. Dizia que a repressão fazia alastrar o aborto clandestino e tornava a mulher "vítima de abortadores ambiciosos e inábeis".
A tese de Álvaro Cunhal deve ser inserida no quadro mais geral dos direitos das mulheres. Naquela época, a Constituição de 1933, muito embora proclamasse no seu artigo 5.º, a igualdade dos cidadãos perante a lei, ressalvava, quanto às mulheres,
as «diferenças da sua natureza e do bem da família». O Código Civil em vigor estabelecia, no artigo 49.º, que a mulher devia residir no domicílio do marido e, no 1185.º, que esta devia «prestar obediência ao esposo».
À mulher era vedada a possibilidade de, sem autorização do marido, adquirir e alienar bens ou contrair obrigações, publicar escritos ou apresentar-se em juízo. As viagens para fora do país careciam igualmente de autorização, assim como o comércio. O aborto era crime desde 1886.
67 anos haviam de passar entre a defesa da sua tese e a legalização da interrupção voluntária da gravidez, em 2007.
Que lenda.
Obrigada Álvaro Cunhal e obrigada PCP, pela luta longa - mas frutífera.
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Discussões difíceis à parte, há uma coisa que não admito enquanto feminista: que pessoas se arroguem iluminadas, dizendo que as mulheres que expõem a sua nudez ou sensualidade na verdade o fazem porque são vítimas e não são livres, mesmo que digam que o são.
Mas o que é isto?
Uma coisa é falar de condicionamento. Essa é uma discussão filosófica sobre o livre árbitro e sobre a questão de saber se existem escolhas livres ou não.
Outra, bem diferente, é silenciar a priori as vozes das mulheres e rejeitar reconhecer a sua autonomia e independência. Juízo.
A nudez empodera umas, a modéstia empodera outras.
Liberdade individual tbm é isto: conferir a cada uma a sua própria interpretação de independência, expressão pessoal e conforto.
Não é por essa interpretação coincidir com o que é esperado numa sociedade machista que é inválida.
A Família Coxi não pediu qualquer indemnização, nem sequer quis criminalizar a conduta de André Ventura e do Partido Chega.
Ao invés, apenas pediu ao Tribunal cível que os ajudasse a dizer ao País não são o oposto dos "Portugueses de Bem" e que não são bandidos.
Segue o fio.
Os meus Constituintes são boas pessoas, gente trabalhadora, leal, bem-disposta e com sentido raro de comunidade e entreajuda.
Em Janeiro, foram instrumentalizados na campanha política da extrema-direita, perante milhões de pessoas, nem possibilidade de contraditório.
Pediram ao Tribunal que decretasse um conjunto de providências que permitisse atenuar os efeitos da ofensas cometidas: 1) O reconhecimento da ilicitude da conduta de AV e CH; 2) Uma declaração pública de retratação; 3) A abstenção de ofensas futuras; 4) A publicação da sentença.