Thread by @mellziland

Polêmica no ar: uso de células fetais provocam protestos de líderes católicos seniores nos Estados Unidos e Canadá, junto com outros grupos antiaborto, levantando objeções contra algumas vacinas candidatas à COVID-19

Vamos de fio instrutivo pra entender isso?

Segue o fio!

A polêmica começou por aqui, ao afirmar que a vacina da AstraZeneca/Oxford é produzida "a partir de células de bebês abortados": noticias.uol.com.br/comprova/ultim…

A reportagem acima já comenta um pouco o que realmente está por trás dessa notícia sensacionalista e enganosa. As células em questão que foram palco de testes inicias se chamam HEK-293, sigla para células de rim embrionário humano. Elas tem essa carinha aqui, num microscópio:

A grande discussão por parte desses grupos gira muito mais em torno de opiniões sobre o assunto (abortos) do que de fato a ciência por trás disso, em que eles dizem que "Outras vacinas [COVID-19] ... utilizam linhagens celulares não conectadas a procedimentos/métodos antiéticos"

Vamos analisar como é o uso das células HEK-293 e ver se realmente o método é antiético, certo?

Em 1º lugar, células derivadas de abortos eletivos têm sido usadas desde 1960 para fabricar vacinas, incluindo vacinas atuais contra rubéola, varicela, hepatite A e herpes zoster.

Além disso, a revista da Science traz mais informações: essas células também têm sido usados ​​para fazer medicamentos aprovados contra doenças, incluindo hemofilia, artrite reumatóide e fibrose cística.

sciencemag.org/news/2020/06/a…

Não só a HEK, mas outras linhagens celulares desenvolvidas a partir de tecidos humanos são comuns em pesquisas científicas. Temos também a PER. C6 (também de origem fetal) e a HeLa (feita com tecido retirado de uma mulher chamada Henrietta Lacks)

Essa última, a HeLa, foi bastante discutida, inclusive as perspectivas históricas relativas à epoca em que a coleta das células foi realizada, e da vida da Henrietta Lacks. É uma leitura pertinentíssima e que tem uma discussão ética pertinente

amazon.com.br/vida-imortal-H…

Voltando para o assunto, comentei "linhagens" e vocês devem estar se perguntando o que é isso, não é?

Linhagens celulares são células que não perderam as características de origem e possuem alta proliferação (linhagem contínua). São muito usadas para pesquisa e produção de vacinas

kasvi.com.br/tecnica-de-cul….

Essas células em geral são ditas como "imortais" porque podemos utilizá-las na pesquisa indefinidamente, se tratarmos e mantermos elas adequadamente. Elas deram um salto imenso na pesquisa e contribuíram pra redução do nº de animais usado no contexto científico.

Uma vez que etapas preliminares podem ser verificadas e investigadas em células, sem requerer o uso de animais, o qual virá posteriormente, onde já se tem muitas informações a partir dessas células.

O que é antiético sobre isso? Quando entendemos o método, entendemos o propósito

Atualmente, grupos de pesquisa em todo o mundo estão trabalhando para desenvolver mais de 130 vacinas candidatas contra COVID-19, de acordo com a @WHO . Na tabela abaixo vemos alguns exemplos que usaram essas linhagens para fins de desenvolvimento

Temos a AstraZeneca/Oxford (Reino Unido), a Cansino (chinesa), a da Johnson&Johnson (americana), entre outras. Pelo menos cinco das vacinas COVID-19 candidatas usam uma de duas linhas de células fetais humanas: a HEK-293.

A notícia engana o leitor porque induz a interpretação de que bebês são abortados para que a vacina possa ser produzida. Células HEK foram geradas pela primeira vez em 1973 (!).

en.wikipedia.org/wiki/HEK_293_c…

As células foram obtidas de um único feto, aparentemente saudável, legalmente abortado de acordo com a lei holandesa. A partir daí, foram "imortalizadas" ou seja, tratadas para entrarem na categoria de linhagem celular (explicada anteriormente) para fins de pesquisa

É importante ressaltar um comentário que a @CrisBonorino fez ao @estadaoverifica dizendo que as células embrionárias NÃO ESTÃO na composiçaõ da vacina. Elas são usadas para produzir a proteína que fica no meio de cultura em que elas estão.

E é importante, em muitos casos, o uso de células humanas para produzir proteínas humanas funcionais que queremos usar numa imunização, por exemplo.

politica.estadao.com.br/blogs/estadao-…

A Cristina ressalta o caso do vírus da hepatite B que, se não fabricado por uma célula humana, gera uma resposta inadequada na pessoa vacinada.

A partir dessas células e da fabricação da proteína de interesse, esta proteína é coletada, purificada para a formulação vacinal

O uso de linhagens como as da células HEK entra muito mais corretamente no uso de células tronco embrionárias na pesquisa, do que na categoria "células de aborto".

Essa pesquisa toma um viés de opinião sobre aborto e outras esferas do que realmente no desenvolvimento científico

Entendo que a biologia desafia nossas opiniões mais profundas, embasadas pelas nossas escolhas religiosas ou filosóficas de entender o mundo. Entendo que o uso de "nossa biologia" como uma tecnologia, provoque um mal-estar nas pessoas.

A grande questão aqui não é sobre opiniões, é sobre ciência. Esse uso nos beneficia há décadas e vai nos beneficiar novamente, com a nossa futura vacina. Nós não estamos induzindo novos abortos usando essas linhagens. Estamos refinando nosso método.

Estamos usando menos animais em pesquisa porque podemos nos valer de alguns dados que esses estudos celulares nos proporcionam. Estamos fazendo um processo de uma forma muito mais otimizada, que no final, nos dará um produto seguro e eficaz, como as vacinas

Então, peço licença pra te perguntar: o que é antiético nesse processo? Essa discussão é realmente sobre a ciência por trás disso, ou sobre um método que, >na tua opinião< não deveria estar sendo usado?

Será que isso não é mais uma manobra ligada a desinformação?

Tenha senso crítico. Nunca abra mão do teu senso crítico. Pesquise, informe-se, use informações respaldadas para formar tua interpretação da realidade.

Essa é a dica do dia

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