"Revolução" ou "Fazenda": as escolhas editoriais por trás da nova tradução do clássico de George Orwell
A @cialetras anunciou que "A Revolução dos Bichos" será publicado em nova edição sob o título "A Fazenda dos Animais". A gente explica o porquê da mudança. Segue o fio! 🧶
A história é conhecida: cansados de serem explorados por humanos, os animais da Fazenda do Solar se rebelam contra o dono. Mas não demora para que alguns bichos voltem a usufruir de privilégios, fazendo com que o velho regime de opressão regresse com ainda mais força.
"A Fazenda dos Animais", assim como "1984", é uma das obras mais emblemáticas do século XX. O livro, adotado em escolas pelo Brasil inteiro, é uma alegoria satírica sobre os mecanismos do poder e tudo aquilo que leva à corrosão de grandes ideias e projetos de revolução.
A nova edição de luxo, que chega em novembro, causou estranhamento pela mudança do título: os leitores já estavam acostumados com "A Revolução dos Bichos".
Mas a mudança tem uma boa razão — tivemos acesso antecipado exclusivo à nova edição e contamos agora esse motivo.
Primeiro, é preciso saber que "A Fazenda dos Animais" começou a ser escrito em novembro de 1943 e foi finalizado em fevereiro de 1944. Durante o período, a Segunda Guerra Mundial, que então se desenrolava, influenciou bastante os elementos incorporados à narrativa.
Segundo, como informa a edição, é importante ter em mente que Orwell se opunha a Stálin e ao totalitarismo soviético da época. Entretanto, era defensor da nacionalização da terra, dos bancos e das grandes indústrias, bem como a redistribuição ou limitação de renda.
Quando o público e a crítica estadunidense teve acesso ao livro, parte desconsiderou (por ignorância ou de propósito) a afiliação socialista de Orwell e tomou o livro como uma defesa da livre-iniciativa e das convicções que pactuavam com o "American way of life".
A um amigo, o próprio Orwell se queixou de que não havia escrito um livro "contra Stálin para fornecer propaganda aos capitalistas". Ele acreditava que, sim, deveria acontecer uma revolução: mas à esquerda, não à direita.
De qualquer forma, as distorções seguiram e ficaram mais intensas com a Guerra Fria e a intervenção da CIA. Quando Orwell faleceu, em 1950, foi adquirido junto à viúva os direitos de adaptação de "A Fazenda dos Animais".
Há um detalhe importante nessa história: o financiamento das filmagens veio de um órgão gestado nas entranhas da CIA. O resultado foi uma animação ambiciosa que deturpava a mensagem da obra, inclusive do seu desfecho.
Apesar de não ter atingido o sucesso esperado, uma adaptação de "1984" foi produzida pela CIA e igualmente manipulada para fins de propaganda. E não acaba por aí: reedições e novas traduções das duas obras continuaram sendo financiadas pela agência.
A CIA chegou a apadrinhar a tradução de "A Fazenda dos Animais" para mais de trinta idiomas, incluindo o alemão, o grego, o indonésio, o italiano, o norueguês, o vietnamita, o espanhol, o polonês e o português.
O contexto histórico envolvendo o livro é longo e complexo, né? Mas aguarda aí que agora chegamos em um outro ponto crucial: a publicação no Brasil.
Ao que parece, a primeira edição brasileira não teve financiamento da CIA. Todavia, o lançamento, que aconteceu em 1964, teve amparo financieiro do IPES: o Instituto de Pesquisa Social, uma das mais bem-sucedidas máquinas de propaganda ideológica da história do Brasil.
O IPES, resumidamente, subsidiava impressos de propaganda ideológica, alguns inclusive que veiculavam "mentiras declaradas ou ficção". O jornal "O Gorila", por exemplo, era distribuído dentro das Forças Armadas e advertia contra o "perigo representado pelo comunismo".
Um documento da época, que listava obras ainda não publicadas no Brasil, sugeria "Animal Farm", de Orwell. O título, posteriormente descrito pelo tradutor como "de grande valor como propaganda democrática anticomunista", foi publicado pela editora Globo.
Mas quem era o tradutor e por que a editora Globo? "A Revolução dos Bichos" foi traduzido pelo então tenente Heitor de Aquino Ferreira, que, durante a ditadura militar, já capitão, serviria como secretário particular de Ernesto Geisel. Ele era amigo do diretor da editora Globo.
Posteriormente, mil exemplares da obra, que não vendeu o esperado, foram adquiridos pelo IPES e distribuídos gratuitamente. Dois anos depois, o mesmo Intituto se encarregou de distribuir "1984", também de Orwell, dois anos depois.
A edição da época, como defende o posfácio da nova edição, em matéria de qualidade, recebeu uma boa tradução. Também por isso, "A Revolução dos Bichos" é hoje tão popular.
"A Fazenda dos Animais", apesar de ser um livro que denuncia o totalitarismo em geral, e, em especial, o engendrado por Stálin, foi usado como munição anticomunista durante a Guerra Fria. No Brasil, a antiga tradução seguiu um caminho parecido, reformulando inclusive frases.
A edição brasileira é a única que leva "revolução" no título. Essa palavra não é usada no original, mas, sim, "rebelião". De todas as edições, a espanhola é chamada de "Rebelión en la granja", enquanto as demais se aproximam do título original.
Outras modificações tradutórias também foram feitas, no intuito de tirar a força de determinados trechos, como um em que um personagem que remete a Karl Marx aparece e outro em que há uma cançoneta sobre a liberdade dos animais.
Assim como cada original, as traduções também são fruto de seu tempo. Apesar do enorme sucesso posterior do livro no Brasil, o debate público sobre as particularidades do texto da primeira edição, salvo pesquisas no âmbito acadêmico, não foi motivado.
Nesse sentido, a nova edição de "A Fazenda dos Bichos" vem com o intuito de levantar esse debate, trazendo textos críticos e uma nova tradução que leva em conta as verdadeiras intenções do autor. Você pode garanti-la em pré-venda aqui: amzn.to/2SVhHCM
A Companhia das Letras, atualmente responsável pela publicação do livro no Brasil, esclarece que a edição anterior, "A Revolução dos Bichos", apesar de todo esse contexto, ainda é uma boa tradução e continuará à venda sob esse título.
Esse fio é um apanhado geral sem a intenção de esgotar o assunto ou explicar detalhamente aspectos específicos sobre as diversas traduções de "A Fazenda dos Animais". Para mais, recomendamos a leitura dos textos complementares da nova edição publicada pela Companhia das Letras.
A edição brasileira mais recente de "A Fazenda dos Animais" conta com tradução de Paulo Henriques Britto, obras da artista Vânia Mignone, e capa de Kiko Farkas e Felipe Sabatini.
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Há 166 anos, nascia Oscar Wilde, autor de "O retrato de Dorian Gray"
Considerado um clássico da literatura moderna, o livro causou um escândalo quando foi lançado e contribuiu para a prisão do seu autor. Explicamos essa história. Segue o fio! 🧶
Ao ver o seu retrato pintado por Basil Hallward, Dorian Gray faz a promessa de que daria tudo, até mesmo sua alma, para permanecer sempre jovem como na pintura. A partir de então Dorian não mais envelhece, todas as marcas do tempo são transferidos para o retrato.
A obra foi lançada originalmente na edição de julho de 1890 da “Lippuncott’s Monthly Magazine” e foi responsável por escandalizar a sociedade vitoriana.
A imprensa britânica usou adjetivos como “vulgar”, “sujo” e “venenoso” para condenar o livro de Oscar Wilde.
Em tempos de crise, cuidar da saúde mental é mais importante do que nunca. Conversar na terapia sobre nossas emoções, frustrações e dilemas nos ajuda a entender quem somos e seguir em frente.
Nossa indicação de leitura de hoje trata disso. Segue o fio! 🧶
Lori Gottlieb é terapeuta. Diariamente, ela lida com os mais diferentes casos: de um homem que acha que todos ao seu redor são "idiotas" a uma mulher que acabou de descobrir um câncer raríssimo. Ela os escuta e procura entender de onde vem suas dores.
Mas quando seu namorado, de repente, decide que não pretende mais casar com ela e vai embora, Lori fica desolada. Então, recebe um conselho de uma amiga, que diz: "talvez você deva conversar alguém". Por isso, ela procura um terapeuta para compreender suas próprias questões.
[EXCLUSIVO] "A Song of Wraiths and Ruin", de @rosiesrambles, chegará ao Brasil no primeiro semestre de 2021 pela @ed_literalize com tradução de @solaine.
Assista ao recado da autora para os leitores brasileiros:
Confira a sinopse de "A Song of Wraiths and Ruin"
Karina é uma princesa tomada pelo luto. Malik é um refugiado desesperado para salvar sua família. A conexão entre eles é inegável, mas a única forma de atingirem seus objetivos é matando um ao outro. bit.ly/ASOWARnoBrasil
Best-seller do New York Times, "A Song of Wraiths and Ruin" foi um sucesso instantâneo. Os direitos de adaptação já foram comprados pela ABC Studios.
No Brasil, o livro ganhou a atenção dos leitores após compartilharmos esse vídeo:
No Mês da Visibilidade Bissexual, instituído por ativistas bissexuais para marcar a luta contra o preconceito dentro e fora da comunidade LGBTQ+, reunimos histórias escritas por autores bissexuais para celebrar. Segue o fio! 🧶
Amanda Valente e Luna Bocaiúva são completos opostos. Mas quando uma tragédia se acomete sobre a família de Luna, ela precisa recorrer a Amanda se quiser trazer justiça para os Bocaiúva. Reserve: amzn.to/32C198x
Ayla e Raíssa se envolveram após se conhecerem em um jogo virtual. Mas Raíssa esconde um segredo e já não sabe mais o que fazer quando elas marcam um encontro pessoalmente. Leia: amzn.to/3hEGVz8
A Rainha do Crime publicou mais de 60 romances durante sua carreira, chegando a vender mais de dois bilhões de exemplares. Suas principais obras são "E não sobrou nenhum", "Assassinato no Expresso Oriente" e "O Assassinato de Roger Ackroyd".
Desde março deste ano, a @HarperCollinsBR se dedica a republicar a obra da autora. A cada dois meses, duas obras são publicadas em capa dura com nova tradução e novo projeto gráfico. Serão cerca de 80 títulos nos próximos anos, entre os maiores sucessos e títulos raros.
Para quem deseja ler as obras da Agatha Christie e interagir com outros leitores, indicamos o #ClubedaRainha. A cada mês, um livro diferente é escolhido por @belrodrigues com direito a cupom de desconto e fórum de debate. Conheça:
LISTA: Dicas de leitura para quem quer evitar Você-Sabe-Quem
Selecionamos seis livros para quem deseja ler mais obras escritas e/ou protagonizadas por pessoas trans, travestis e não-binárias, bem como histórias fantásticas envolvendo magia. Segue o fio 👇
1. "Água Doce", de Akwaeke Emezi (ficção contemporânea; LGBTQ+)
Ada nasceu com diversos seres dentro de si. Quando um evento traumático acontece, seus diversos "eus" acabam se tornando algo muito mais forte – e ela precisará controlá-los. amzn.to/2FjOpL5
2. "Eu, travesti", de Luísa Marilac e Nana Queiroz (memórias; LGBTQ+)
Assumida como travesti ainda adolescente, Luísa conta nesse livro sua história — os traumas vivenciados na família, a prostituição, a busca por uma vida melhor e a luta por respeito. amzn.to/2ZCTo03