Fiz esse fio para ajudar nos esclarecimentos desse artigo muito interessante da Science Advances sobre os fluxos de ar no interior dos automóveis e a transmissibilidade de doenças respiratórias. advances.sciencemag.org/content/7/1/ea…
Já sabemos que a transmissão de doenças respiratórias altamente infecciosas, incluindo a COVID-19, é facilitada pelo transporte de gotículas exaladas e aerossóis que podem permanecer suspensos no ar por longos períodos de tempo.
Nós utilizamos automóveis para nos locomovermos, e muitas vezes compartilhamos com pessoas que não convivem conosco. É o caso dos táxis, carros por aplicativo e caronas. O interior de um carro cria um microclima que pode potencialmente aumentar a transmissão de patógenos.
Então, no estudo, foi feita uma série de projeções considerando os fluxos de ar em diferentes configurações de janelas abertas/fechadas, o tempo de permanência do ar, a velocidade e a transmissibilidade de aerossóis do motorista ao passageiro e vice-versa.
A primeira observação: o fluxo de ar externo gera uma distribuição de pressão sobre o carro, formando uma região de estagnação de alta pressão sobre a grade do radiador e na frente do para-brisa. Porém, quanto mais alta a velocidade do ar, mais baixa é a pressão.
E isso irá influenciar no ar que entra pelas janelas.
O estudo partiu da projeção mais comum (nos EUA) para observação do fluxo de ar, janela traseira/esquerda (RL) e a da frente/direita (FR, carona) abertas: a corrente de ar circula pelo banco de trás antes de passar pelos passageiros (Figura).
Os resultados indicam que a direção predominante da zona de recirculação no interior do veículo é no sentido anti-horário. Em um carro com motorista e passageiro (como um taxi ou carro de aplicativo), maior parte do ar sairia pela janela da frente/direita.
O direcionamento do fluxo de ar foi confirmado através de simulação com um gerador de fumaça.
Também avaliaram a taxa da mudança de ar/hora (índice ACH), que analisou o tempo de residência do ar no interior do veículo. O ACH mostrou a maior variação de ar na configuração de todas as janelas abertas, alta com 2 ou 3 janelas e mais baixa sem janelas fechadas (esperado, né?)
Porém, a configuração da figura acima - janela traseira/esquerda e a da frente/direita abertas – mostrou ACH maior do que se fossem as janelas do motorista e do passageiro abertas, que acho que é a configuração mais seguida aqui no Brasil.
Então, as projeções seguiram a partir da premissa de um motorista infectado e como seria a transmissão ao passageiro. A configuração de todas as janelas fechadas, contando apenas com ar-condicionado, é a pior, onde 10% do ar permanece (residual), permitindo alcançar o passageiro.
Do contrário, a configuração onde todas as janelas estavam abertas parece ser o melhor caso, com quase nenhum ar injetado atingindo o passageiro (por isso a avaliação da pressão do ar também foi importante).
Com algumas janelas abertas, o alcance ao passageiro diminui, mas ar residual ainda permanece no interior do veículo.
Quando a projeção observou a liberação de aerossóis a partir do passageiro, o resultado das configurações de janelas abertas/fechadas e ar residual foi basicamente o mesmo (pouca cosia menor do que se a contaminação viesse do motorista para o passageiro).
O estudo concluiu que a maneira + eficaz de minimizar a contaminação cruzada entre os ocupantes é ter todas as janelas abertas. Isso estabelece dois caminhos de fluxo de ar no interior do carro, que ajudam a isolar os lados esquerdo e direito, além de maximizar a variação de ar.
No entanto, dirigir com todas as janelas abertas pode nem sempre ser uma opção viável ou desejável, e, nessas situações, há alguns resultados não intuitivos que foram revelados pelos cálculos.
Todas as janelas fechadas com apenas ar condicionado, mesmo com troca de ar, parece ser a opção menos eficaz. A opção talvez mais intuitiva — de abrir as janelas adjacentes a cada ocupante — pode ser eficaz, mas nem sempre a melhor entre as opções parciais de ventilação.
A configuração na qual as duas janelas mais distantes dos ocupantes estão abertas, parece dar melhor proteção ao passageiro.
Bom, o estudo faz simulações e projeções, que são importantes e auxiliam em tomadas de decisão, e mostra que um espaço bem ventilado requer a disponibilidade de uma entrada e uma saída de ar para que se forme um gradiente de pressão favorável entre os dois.
Talvez isso possa ser escalonado para veículos coletivos: ônibus e trens com todas as janelas abertas poderiam permitir maior circulação de ar (dificultando sua permanência) do que com poucas e alternadas janelas abertas.
Um padrão de fluxo de ar que percorra o interior do veículo, mais distante dos ocupantes, como no modelo, poderia potencialmente reduzir o risco de transmissão de doenças respiratórias. Mas lembre-se: em locais onde respiramos próximos a outras pessoas, use a máscara!
As perguntas que não querem calar quanto a COVID-19 e a tão sonhada imunidade: “quanto tempo estaremos protegidos do vírus através da imunização?” e “quem pegou a doença já está imune?” Siga o fio feito em parceria com a @mellziland! :)
Na biologia, a imunização corresponde à aquisição de proteção a um determinado agente infeccioso, criando uma resistência à doença causada por esse agente, através da estimulação de uma resposta imune!
Essa resposta pode ser dividida em 1) inata (não específica, também conhecida como nossa primeira linha de defesa) ou 2) adquirida (adaptativa, mais específica, acionada para se somar à inata) se houver necessidade de resposta mais específica.
Ainda sobre a nitazoxanida, reportagem na Science de hoje. E, apesar de toda essa palhaçada e a vergonha mundial que estamos passando, eu quero agradecer aos colegas cientistas brasileiros sérios e a meus colegas da @analise_covid19, que analisaram o referido estudo (1)
e colocaram os "pingos nos is" sobre como se faz ciência de qualidade aqui no Brasil. Ciência exige método e modéstia, pois o conhecimento é transitório e relativo. Desconfie de alguém que diz ter certeza sobre A ou B. O nome disso é charlatanismo. (2)
Pontos importantes da reportagem sobre a avaliação clínica do fármaco:
"Uma carga viral mais baixa tem pouco significado se não faz o paciente se sentir melhor e é improvável que reduza a transmissão da doença 10 dias após o início dos sintomas. (3)
Reportagem da Science feita a partir de artigos da Nature e do New England a respeito da expressão de genes identificados em relação à COVID-19 grave (siga o fio...)
1. IFNAR2, que codifica um receptor para interferon, uma molécula que ativa as defesas imunológicas quando um vírus invade uma célula. "Uma variante do IFNAR2 encontrada em um em cada quatro europeus aumentou o risco de COVID-19 grave em 30%."
2. OAS, codificam proteínas que ativam uma enzima que quebra o RNA viral. Uma mudança de expressão nesses genes pode prejudicar essa ativação, permitindo que o vírus "faça a festa".