Através de Bill Gates, a geoengenharia (ou intervenção climática) saiu de tema acadêmico obscuro para debate público e, vejam só, assunto do momento no Brasil!
Sigam o [LONGO] fio para saber porque é uma péssima ideia... 😰👇
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Para quem não é familiar com o termo, "geoengenharia" é o nome dado a propostas de alterações planejadas, intencionais, em escala planetária, no sistema-Terra.
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Essa intervenção viria a modificar o balanço de energia do planeta, de modo a supostamente compensar os efeitos deletérios das alterações antrópicas inadvertidas (não intencionais), em especial o aquecimento causado pelas emissões de CO2 e demais gases de efeito estufa.
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Primeiro problema: o sistema climático é fortemente não-linear e sua resposta frequentemente está longe de ser diretamente proporcional ao "cutucão". A geoengenharia pode, em função disso, produzir efeitos bem diferentes do desejado.
4/n
Para que façam sentido na tentativa de deter o aquecimento global, os projetos de geoengenharia precisam mexer no balanço energético planetário, isto é, na "forçante radiativa". É preciso fazer com que saia mais energia ou que entre menos energia para que o planeta esfrie.
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As propostas como a defendida por Gates estão no segundo caso, isto é, implicam em reduzir a quantidade de radiação solar que chega à superfície!
6/n
Para diminuir a quantidade de radiação solar absorvida pela superfície, as propostas vão desde aumentar o albedo (isto é, a percentagem da radiação solar que é refletida) e até impedir que parte da radiação solar chegue à atmosfera terrestre (ou a suas camadas inferiores).
7/n
Para aumentar o albedo, alguns propõem aumentar a refletividade das nuvens, mas via de regra isso só é obtido
aumentando a quantidade de aerossóis em sua formação e, portanto, de gotículas nelas contidas.
8/n
Acontece que isso não apenas muda a refletividade das nuvens (com mais gotículas, elas refletem mais luz e se tornam mais "brilhantes"), mas também o seu tempo de vida e a sua eficiência na produção de precipitação, isto é, chuva ou neve.
9/n
Estes efeitos dos aerossóis, já ocorrem de forma inadvertida, por conta das partículas produzidas pela indústria, em queimadas, pela mineração etc. São ainda a principal fonte de incerteza na estimativa da forçante radiativa, conforme documentado nos relatórios do IPCC!
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Outros advogam a ideia de nanopartículas refletoras ou espelhos em órbita, ou até mesmo poeira espacial, produzida de um bombardeio nuclear à lua! #MélièsFeelings
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Mas embora não seja tão, digamos... lunática, a proposta bancada por Gates, do Experimento de Perturbação Controlada Estratosférica (vide matéria da Forbes), se for levado a cabo de fato, não é menos perigosa! forbes.com/sites/arielcoh…
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Estudos de modelagem climática, como discutido em vários artigos e pesquisas no âmbito do projeto GeoMIP, mostram que a redução da radiação solar nunca poderá ser encarada como um antídoto ao aumento do efeito estufa, por uma série de motivos!
climate.envsci.rutgers.edu/GeoMIP/
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Ainda que as mudanças de temperatura média global sejam compensadas, haverá mudanças climáticas regionais e modificações nos padrões das chuvas. A velocidade do ciclo hidrológico será afetada pela redução da radiação solar, levando a uma *redução da precipitação global*!
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A sensibilidade do ciclo hidrológico à radiação solar e ao CO2 é diferente. Ao se reduzir a radiação, a fim de contrabalançar o aquecimento de um CO2 duplicado, a precipitação global se reduziria em 2%, com queda maior em regiões de monção.
pnas.org/content/105/22…
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Outra questão! O excesso de CO2 na atmosfera não apenas aquece o planeta. Ele também acidifica os oceanos! O bloqueio de radiação solar não apenas não resolveria esse problema como o agravaria! Vamos explicar!
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A acidificação é pouco falada, mas é fácil de entender. Com mais CO2 na atmosfera, ele se dissolve no oceano, onde há uma reação química que produz ácido carbônico (H₂O+CO₂ ⟶ H₂CO₃). Íons H+ são liberados e o pH diminui.
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Isto já é observado há anos! Os oceanos estão quase 30% mais ácidos hoje em dia do que no período pré-industrial (a escala de pH é logarítmica, então pode enganar).
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Como a solubilidade dos gases nos líquidos decresce com a temperatura, esse processo só não é mais acelerado porque os oceanos - como todo o planeta - estão aquecendo.
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O que a geoengenharia do Bill Gates iria fazer? Piorar a situação! Como a concentração de CO2 iria permanecer elevada (ou mesmo aumentar) e a temperatura iria parar de subir (ou cair), mais CO2 iria se dissolver nos oceanos e a acidificação iria se acelerar!
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Mas tem a parte mais macabra da história ainda por vir... As pretensas alternativas de geoengenharia escondem uma realidade perversa: se essas medidas forem iniciadas, a sua interrupção poderia levar a mudanças climáticas ainda mais velozes!
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Alterações abruptas poderiam simplesmente atropelar qualquer política de adaptação que tenha sido implementada, com impactos bem mais fortes onde a vulnerabilidade é maior, isto é, sobre as populações pobres dos países pobres.
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Artigo na Environmental Research Letters mostra que o aquecimento associado a emissões elevadas até poderia ser compensado por um "gerenciamento da radiação solar" (SRM, da sigla em inglês "solar radiation management"), mas...
iopscience.iop.org/article/10.108…
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... a partir do momento em que este fosse suspenso ("Shutoff"), o sistema climático tenderia a ajustar bruscamente sua temperatura ao enorme desequilíbrio energético!
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Ou seja, a geoengenharia, com todos os seus efeitos colaterais e custos, teria de ser mantida indefinidamente, para evitar efeitos absolutamente catastróficos. O clima seria tratado como um paciente ligado a aparelhos
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Os próprios relatórios do IPCC são crítico quanto à adoção da geoengenharia, particularmente a SRM: "A modelagem indica que métodos de SRM, se realizáveis, tem o potencial de compensar um aumento de temperatura global, mas eles também modificariam o ciclo hidrológico...
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...e não reduziriam a acidificação oceânica. Se o SRM for interrompido por alguma razão, há alta confiança que as temperaturas globais na superfície subiriam muito rapidamente até valores consistentes com o da forçante dos gases de efeito estufa."
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Até mesmo Ken Caldeira, um dos pais da ideia de alterar deliberadamente aspectos do clima terrestre para “consertá-lo”, admite evidências de que os efeitos colaterais podem ser bastante sérios (Caldeira e Cao, EGU-2015):
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“As simulações de geoengenharia solar tipicamente mostram redução na precipitação. (...)A geoengenharia solar reduz a evaporação e a evaporação precede a precipitação”. No balanço hidrológico, a precipitação está em equilíbrio com a evaporação. Menos evaporação, menos chuva.
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Resumindo, a geoengenharia é incapaz de regular ao mesmo tempo os botões da temperatura e da precipitação (isso para ficarmos em apenas duas variáveis atmosféricas). Ajusta-se um e o outro é desregulado!
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A Terra não é uma máquina!
A Terra não é uma máquina!
A Terra não é uma máquina!
A Terra não é uma máquina!
A Terra não é uma máquina!
A Terra não é uma máquina!
A Terra não é uma máquina!
A Terra não é uma máquina!
A Terra não é uma máquina!
A Terra não é uma máquina!
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Ao invés de resolver a crise climática com o que está em nossas mãos: fim do desmatamento, reflorestamento, energias renováveis, redução da demanda energética, revolução nos transportes, etc., por que alguém apostaria em algo tão perigoso?
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Somente quem tem interesse em lucrar DUAS VEZES com o caos climático: desmantelando o clima e "consertando-o", adoecendo-o e "curando-o". Já discutimos isso em nosso blog, inclusive.
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oquevocefariasesoubesse.blogspot.com/2018/06/o-capi…
"Para os muito ricos, a linha de alto risco, de seguir a guerra aberta com o Sistema Terra, faz sentido na medida em que recuar significaria abdicar dos privilégios, dos extremos opulência, luxo e riqueza; (...)"
34/n
"(...) significaria abrir mão de uma ordem econômica baseada em incessante crescimento e acumulação. Mas para a maioria, nada há a ganhar nessa lógica expansionista, produtivista, pois ainda que houvesse distribuição equitativa da riqueza gerada a curto prazo, (...)"
35/n
"(...) o empobrecimento dos sistemas naturais rapidamente privaria as gerações futuras dessa mesma possibilidade. Daí, nossa perspectiva tem necessariamente de ser outra, baseada na lógica de que nossa sociedade precisa caber na biosfera terrestre e se harmonizar (...)"
"(...) com seus fluxos, ciclos e limites."

Geoengenharia não!

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Para mais informações, leia sobre geoengenharia em nosso blog:
oquevocefariasesoubesse.blogspot.com/search/label/g…
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More from @OQVc_Faria

28 Oct 20
Mesmo diante de tantos fatos graves, a notícia estampada no Guardian hoje é particularmente assustadora. Ela coloca no radar o despertar de um "gigante adormecido": o metano no piso oceânico. Sigam o fio para saber detalhes! 1/n
theguardian.com/science/2020/o…
Primeiro, é preciso entender porque o impacto de emissões de metano é tão importante. De fórmula química CH4, ele é um gás de efeito estufa, ou seja, é capaz de absorver radiação dentro da faixa do infravermelho térmico. 2/n
Essa absorção varia de maneira logarítmica com a concentração do gás. Ou seja, a emissão (em toneladas) de um gás de efeito estufa cuja concentração é baixa termina tendo um efeito maior do que a emissão de uma quantidade igual de um gás de efeito estufa mais abundante. 3/n
Read 18 tweets
18 May 20
Enquanto os olhares de todo mundo estão sobre a pandemia, o Sul da Ásia está sob ameaça direta de um ciclone tropical, com intensidade equivalente à de um furacão de categoria 5 (01/11)
edition.cnn.com/videos/weather…
A previsão é de que os ventos cheguem a arrasadores 265 km/h. O ciclone está se deslocando para o norte, a partir do Oceano Índico e a previsão é que na quarta-feira atinja em cheio uma das regiões mais densamente povoadas do planeta. (02/11)
Estima-se que nada menos que 5 milhões de pessoas terão de evacuar suas casas na Índia e em Bangladesh. (03/11) bloomberg.com/news/articles/…
Read 11 tweets
15 Apr 20
Temporada de furacões e Covid-19. Pequeno fio.
Temperatura das águas do Golfo do México estão quentes como nunca antes no registro histórico: 2°C acima do normal. No restante do Caribe, anomalias de 1°C ou mais.
1/8 ImageImageImageImage
O que isso significa? Que vão se confirmando as condições para uma temporada de furacões acima da média, como previsto pela Colorado State University.
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"Detalhe": climatologicamente essa temporada começa em 6 semanas. É possível que tenhamos países ainda dentro da janela de tempo do surto de Covid-19. Especialmente em países pobres, é muita vulnerabilidade e exposição a riscos ao mesmo tempo.
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Read 8 tweets
24 Feb 20
Esta é uma ferramenta que produz cenários de mudanças climáticas de forma interativa, apenas mexendo alguns parâmetros na interface online. Vamos experimentar?
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en-roads.climateinteractive.org/scenario.html?…
A rota atual, que corresponde ao cenário-padrão ao entrarmos na página, é dominada por fontes fósseis e demanda energética crescente. Isso nos leva a um aquecimento de 4,1°C e elevação do nível do mar chega a 1,24m até o fim do século. Um verdadeiro desastre, obviamente!
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Simplesmente reduzir o crescimento populacional é um caminho eficaz para resolver a crise climática? Troquemos o crescimento gradual até 10,87 bilhões de pessoas (cenário-padrão), por outro em que a população mundial chega ao pico em 2061 e depois recua para 8,388 bi em 2100.
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Read 42 tweets
21 Jan 20
A lógica de Paulo Guedes é totalmente distante da realidade. Estamos diante de uma situação de emergência climática e é justamente o modo de vida dos mais ricos, que demanda muita energia e muita matéria-prima, que é intensivo em carbono e está relacionado às maiores emissões. + ImageImage
Os 10% mais ricos do planeta respondem por quase metade das emissões de CO2, enquanto os 10% mais pobres emitem apenas 1% dos gases de efeito estufa. +
Precisaríamos, para termos alguma chance de manter o aquecimento global limitado a 1,5°C, cortar rapidamente pela metade as emissões globais, o que nos deixaria uma "cota" de carbono por pessoa de 2,5 toneladas por ano. +
Read 5 tweets

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