1/ Vamos ao que os dados dos desfechos *clínicos* dos randomizados de HCQ *ambulatorial* (i.e., pré-hospitalar) mostram
Na figura, efeitos relativos no eixo X e p-valores no eixo Y. Efeitos acima da linha horizontal cinza são benéficos. Dá pra perceber um padrão, né?
2/ O resumo em português claro: Conjuntamente, estes estudos abarcam alguns milhares de pessoas. Não houve efeitos colaterais sérios. Consistentemente, os grupos de HCQ se saíram clinicamente melhor (em torno de 20% melhor) do que os seus respectivos grupos de controle
Cada desfecho e sua fonte (qual trecho de qual artigo etc) está documentado na planilha. Atentem tb para as observações colunas "notes" da aba "summary_table".
*Verifiquem os dados vocês mesmos*
4/ Estes 6 estudos randomizados abarcam 7 grupos de tratamento distintos pois há 2 grupos de tratamento disjuntos no Rajasingham. Apenas randomizados que registraram desfechos *clínicos* foram incluídos.
5/ Distinções fundamentais nestes dados:
> "ambulatorial" significa "com o tratamento começando antes do quadro se agravar o suficiente para exigir hospitalização
> "desfechos clínicos" são os relacionados a sintomas, como severidade dos sintomas e risco de hospitalização
6/ Nos randomizados de HCQ *ambulatorial* os grupos se saíram *clinicamente* melhor do que os grupos de controle. Por outro lado, não se vê efeito *antiviral*: os efeitos relativos são ruído branco em torno de 0 quando se olham desfechos como conversão de PCR e carga viral.
7/ O efeito clínico não chega a ser um mistério. Além de malária, HCQ é usada contra reumatismo e lúpus, ambas condições autoimunes, por ter ação imunomoduladora. A HCQ inibe reações inflamatórias descontroladas -- como as que causam boa parte do estrago em covid.
8/ Já nos randomizados com pacientes *hospitalizados*, mesmo em termos de efeitos relativos de desfechos clínicos o que se vê é ruído branco em torno de 0. Ou seja, parece não funcionar em pacientes cujos quadros agravaram o suficiente para serem hospitalizados.
9/ Abaixo a metanálise dos RCTs de HCQ ambulatorial do Risch de Yale, que usou desfechos clínicos:
10/ Abaixo a metanálise dos RCTs de HCQ pra profilaxia do Garcia-Albeniz de Harvard, que infelizmente misturou desfechos clínicos com desfechos relacionados a carga viral:
11/ Para enfatizar o que deveria ser óbvio: as metanálises que misturam randomizados de HCQ ambulatorial com randomizados em hospitalizados (alguns muito severos, como no Recovery e no da Fiocruz Amazonia) estão deixando de fazer uma distinção básica.
12/ As duas metanálises de HCQ ambulatorial chegaram à conclusão óbvia: junte os dados dos randomizados, nos quais os grupos de HCQ consistentemente se saíram melhor do que os grupos de controle, e o p-valor vai caindo. Junte dados suficientes e ele se aproxima de 0.05.
13/ Um erro crasso e conhecido na estatística é o "bright-line fallacy": resumidamente, a crença tola de que "se p<0.05 funcionou e se p>0.05 então não funcionou":
14/ O bright-line fallacy leva à seguinte situação surreal: se nos desfechos de 100 randomizados os grupos do tratamento X se saíram melhor do que os grupos de controle, mas sempre com p=0,1, então daí se conclui que "X foi testado 100 vezes e não funcionou, caso encerrado".
15/ Na situação do item 14 acima, o que significa cada p-valor ser igual a 0,1? Grosso modo, que em cada um daqueles 100 desfechos, a melhoria que foi constatada teria tido apenas 10% de probabilidade de ocorrer por acaso, supondo que X não tem eficácia.
16/ Voltando aos randomizados de HCQ ambulatorial, não houve viés de publicação, em que apenas estudos positivos foram publicados. Pelo contrário, esses randomizados são comemorados [sic] como prova de que HCQ precoce não funciona, cortesia do bright-line fallacy.
17/ Dois randomizados de profilaxia de HCQ ambulatorial não mediram desfechos clínicos: o Abella e o Barnabas. Seus desfechos medidos não são clínicos e sim de conversão PCR.
18/ O Abella mediu tb o efeito sobre a onda Q_t -- um marcador de arritmia cardíaca; o efeito da HCQ sobre este marcador foi irrisório. HCQ ambulatorial continua tão seguro quanto sempre foi antes da politização do assunto -- usado diariamente por milhões de velhinhos reumáticos
19/ Não basta olhar as estatísticas, é preciso tb entender as particularidades de cada estudo. Omrani por exemplo tem números de pacientes muito pequenos, o que aumenta o peso da aleatoriedade. Mesmo assim vale incluir em metanálises (sopesados pelos tamanhos de suas amostras).
20/ Argumento de autoridade é lixo
"Você sabe com quem você está falando?"; "Por que você não publica um artigo peer-reviewed?"; "O prestigioso journal X disse Y" -- retórica vazia pra impressionar platéia; o que vale é o que indicam a lógica e os dados, devidamente analisados.
* correção de typo: efeitos relativos no eixo Y e p-valores no eixo X
21/ Se autoridade fosse prova, não deveríamos ter fechado escritórios (nota da Sociedade Brasileira de Infectologia em março/2020), não usaríamos máscaras (recomendação da OMS até maio/2020) e a taxa de letalidade de covid seria < 0,1% no Brasil (Ionnides de Stanford abril/2020)
22/ HCQ virou tabu, graças à interseção de uma tempestade perfeita: politização devido ao endosso de políticos como cura milagrosa, bright-line fallacy combinada com RCTs ambulatoriais exigirem M muito grande, viés jornalístico e de parte da academia, groupthink e peer pressure.
23/ Então quem vê e entende os dados dos randomizados ambulatoriais tem forte incentivo pra ficar quieto: tende a ser ostracizado ou punido por abrir a boca. Já militar contra (apesar dos dados) tende aplausos, visibilidade e prestígio. A natureza humana faz o resto.
24/ Se já virou tabu, qual é a importância? Primeiro, 20% a menos de hospitalização e mortes seria um montão de sofrimento e dor a menos. Segundo, ceder ao tabu e à narrativa estabelece um precedente terrível para muitos outros temas, não só restritos a tratamento de covid.
25/ Com os padrões usados na análise dos randomizados de HCQ, fica fácil derrubar um tratamento X: basta financiar ou estimular um número grande de randomizados com amostras pequenas de pacientes. Haverá então muitos randomizados em que X "falhou, logo não funciona."
26/ Pra quem acha que executivos de grandes empresas farmacêuticas não têm a motivação nem o poder pra distorcer dados de estudos clínicos, tenho uma ponte Rio-Niteroi baratinha pra vender:
27/ O que nos leva é claro ao caso da ivermectina. Ao contrário de HCQ, parece funcionar tb com hospitalizados leves e moderados. Os randomizados com amostras de tamanho minimamente razoável são praticamente unânimes em apontar benefício.
28/ Há uma onda narrativa para transformar ivermectina em tabu. Com todos os ingredientes mencionados neste thread: bright-line fallacy, exagero de riscos etc.
29/ Só que no caso de ivermectina vai ser difícil colar: os efeitos medidos geralmente são fortes, muitas vezes atingindo p-valor baixo mesmo em randomizados de tamanho médio etc etc.
30/ O fato dos efeitos surgirem em hospitalizados ajuda muito porque isso aumenta os efeitos *absolutos*, reduzindo os tamanhos necessários para obter p-valor baixo. E mais e mais autoridades de saúde estão adotando ou retirando recomendações contra ivermectina.
31/ Enfim, vou olhar com mais detalhe os dados dos randomizados de ivermectina, e escrever sobre eles aqui. Se tiver tempo crio visualizações etc. Vale *muito* a pena seguir o @DrAndrewHill da University of Liverpool sobre os randomizados de ivermectina aliás.
Toda essa história é muito cansativa. Bloqueei um rapaz que decorou um monte de fórmulas e veio encher. 3 msgs trocadas deixaram claro que não domina o básico, mas tem opiniões muito definitivas (e muito demonstravelmente erradas) sobre estatística. É aluno de medicina. Que deprê
Enfim, sou muito aberto a dúvidas sinceras e questionamentos bem-informados, mas a vida é curta demais pra lidar com "não entendi mas tenho certeza de que entendi e discordo de você".
Tá aqui no meu perfil: "pains-in-the-ass will be blocked"
* rende aplausos
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1/ Here are the clinical outcomes of the outpatient RCTs avaliable so far. Relative reductions (of HCQ vs control groups) in Y axis, p-values in X axis. Includes both prophylaxis and early treatment RCTs. At this point there's enough data for metanalyses.
2/ Here's a spreadsheet with notes and the plot itself. Pay special attention to the "Notes" column in the "summary_table" sheet:
3/ As more outcome data comes in, one can aggregate and analyze the data jointly. This is what a "metanalysis" is. In the case of outpatient HCQ RCTs, since the effects on symptoms are consistently positive, lo and behold!, the p-value shrinks and eventually crosses p<0.05
1/ Here are the relative effects (Y axis) and the p-values (X axis) found for all the 6 clinical outcomes measured by the 3 outpatient RCTs of HCQ for covid (Boulware, Skipper, Mitjà).
Positive Y is benefit, negative Y is harm
See a pattern?
2/ To spell it out: the treatment groups did better than the control groups, with p-values > 0,05, in all 6 clinical outcomes -- hospitalization, duration and severity of symptoms -- in the 3 published RCTs of HCQ for outpatients (Boulware NEJM, Skipper AIM, Mitjà CID)
3/ This suggests that these RCTs are measuring real effects but are underpowered. Very unlikely to be a due to coincidence, especially after one digs into the details of the data.
2/ O grupo citado contém especialistas de primeira em diversas áreas. Esmiuçamos a literatura e os dados sobre o assunto há meses. As especialidades abrangem medicina, imunologia, trials clínicos, bioestatística e matemática. A minha é matemática e ciência de dados em especial.
3/ O que os dados desses estudos randomizados indicam?
i - que HCQ precoce, respeitadas as contra indicações específicas, é extremamente segura. Não houve nenhum caso de arritmia grave, a "Torsades de Pointes", em nenhum desses estudos. Zero.