1. Por que considero um problema político, técnico e teórico misturar a necessidade e urgência de renovação do auxílio emergencial com o debate, também fundamental, da taxação progressiva dos mais ricos?

Segue o fio que explico. Vou apanhar de todos os
lados, mas vamos lá...
2. Primeiro de tudo: renovar o auxílio emergencial é tarefa para ontem. Portanto, subordinar essa emergência à obtenção de recursos advindos de uma reforma tributária é um equívoco temporal/técnico; teórico e, creio eu, de grandeza de valor.

Explico...
3. Equívoco temporal e técnico pq mesmo que a gente faça o milagre de aprovar uma reforma tributária progressiva na semana que vem, os efeitos só se darão no próximo ano por conta do princípio da anterioridade anual para o IGF; IR (lucros e dividendos entra aqui); heranças...
4. Equívoco político e teórico pq não há a nenhuma necessidade de elevação da carga tributária neste momento para o governo fazer frente às despesas com renovação do auxílio emergencial ou para a criação de um outro programa de transferência direta de renda.
5. Para renovar o auxílio emergencial, basta vontade política, como foi no ano passado, quando realizamos gastos extraordinários em meio a maior queda de tributação da história. É importante eliminarmos o mito de que o dinheiro do ente monetariamente soberano acabou.
6. Obviamente, poder gastar ampliando o déficit e, ex-post, a dívida pública não quer dizer que isso não gere problemas distributivos via transferência de renda para os rentistas. Problema diretamente proporcional ao tamanho da taxa de juros e do estoque da dívida pública.
7. Sim, sei que é melhor taxar os ricos do que gerar dívida que vai remunerá-los c/ juros. Oq não podemos fazer é condicionar determinado gasto social à tributação ex-ante incidente s/ os mais ricos. Para reduzir os efeitos regressivos da dívida, podemos tributá-los, tb, ex-post
8. Percebam que tributar os ricos não é, primordialmente, um debate sobre financiamento. É, antes de tudo, um debate sobre distribuição de renda e riqueza. Misturar as duas coisas gera problemas e complica coisas simples como a necessidade imediata de renovação do auxílio
9. Agora sobre a grande de valores: vejo muito otimismo nas estimativas de arrecadação de alguns colegas, por exemplo, na taxação -- extremamente necessária -- dos lucros e dividendos distribuídos.
10. O problema de superestimar, por ex, os ganhos com a taxação de lucros e dividendos ao mesmo tempo que atrelamos essa "receita" a um gasto social é que, frustrada a estimativa, assinamos um atestado de que o gasto amarrado a essa elevação de carga é insustentável.
11. No Brasil taxamos o lucro em 34% na perna da empresa (IRPJ + CSLL) e, dps, em 0% na distribuição dos dividendos. Na OCDE, em média, há uma combinação de 20% em cada perna, com uma alíquota agregada de 36%.
12. O caminho ideal talvez seja voltar a taxar os lucros e dividendos distribuídos pela empresa de um lado (IR) e desonerar um pouco a carga que incide sobre a produção de outro (IRPJ e CSLL). Isso frustra um pouco as estimativas de arrecadação. E oq ganhamos ?
13. Este tipo de redistribuição, com maior taxação para o acionista e menor tributação para a empresa, apesar de não gerar tanto impacto em termos de aumento da carga, é funcional do ponto de vista do estímulo ao reinvestimento de lucros e, também, da progressividade tributária.
14. Mais um detalhe: a partir do momento que a gente voltar a taxar lucros e dividendos, haverá um estímulo positivo para uma menor distribuição de resultados para os acionistas, logo esse fato gerador tende a cair, fazendo as estimativas estáticas serem superestimadas.
15. O auxílio emergencial de R$ 600 custa (ou melhor, injeta na economia) 60 bilhões por mês. Esta é, tb, a estimativa otimista de arrecadação de lucros e dividendos para doze meses (um ano). Daria para pagar, na lógica convencional "um mês de auxílio".

Outra ordem de grandeza.
16. Conclusão: vamos lutar pela renovação do auxílio desde já, pois possuímos capacidade fiscal plena para tal. Aliás, no ano passado (em que a arrecadação despencou) pagamos o auxílio sem nenhum problema. Pq teríamos problemas neste ano em que a arrecadação voltará a subir?
17. E vamos continuar, em paralelo, na luta pela taxação dos mais ricos, mas sem colocar essa luta como condição necessária para o Estado ter dinheiro para pagar o auxílio. Temos que reduzir as desigualdades por dois lados: gastando com pobre e tributando rico.

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18 Feb
1. Torço pelo Gil, mas quando ele fala de macroeconomia tá todo errado rs. E olha só, é a Juliete que tá certa nessa: existem várias teorias! E não Gil, "emitir moeda" não gera, necessariamente, inflação. E sim, a moeda pode ter impactos reais. Segue o fio, galera...
2. Sobre emissão de moeda, saca só como os EUA imitiu moeda loucamente desde 2008. O gráfico abaixo é o M0 (base monetária) e se refere ao volume de dinheiro criado pelo FED - isto é, papel moeda e reservas bancárias... Mas e a inflação, como anda? Rastejante, Gil! Image
3. Como vcs viram aí no gráfico de cima, os EUA mandaram ver na impressora (M0) e tacaram moeda na Economia. Agora, no gráfico aí de baixo, olha o que acontece com a inflação: nadinha, Gil! Baixa até demais. O Gil criança, estava mais certo que o Gil economista. Image
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8 Feb
Sobre independência do BC e aumento da desigualdade: c/ a palavra o Banco Mundial.

Segundo artigo do mês passado publicado pelo Banco Mundial (insuspeito de comunismo), a independência do BC amplia fortemente a desigualdade social por três mecanismos que resumo no fio. 1/4
1º A independência do banco central, ao restringir indiretamente o espaço de política fiscal do governo, enfraquece a capacidade do Estado de realizar políticas fiscais redistributivas. 2/4
2º A independência do BC incentiva os governos a desregulamentarem os mercados financeiros, o que gera um boom nos valores dos ativos. E esses ativos estão predominantemente nas mãos dos mais ricos da população. (no caso do Br, o PL do câmbio aprofunda essa tendência). 3/4
Read 5 tweets
24 Jan
Olhem oq o @AlexSchwartsman escreveu, corretamente, em 2002:

“Isso significa que o governo, que detém o controle do Banco Central, dificilmente poderia ser forçado a uma moratória da dívida interna mesmo no caso extremo (e improvável) de os bancos se recusarem a rolar o débito“
... "Com relação à dívida, devo chamar a atenção dos leitores para o fato de que a maior parte (uns 75%) da dívida do governo é liquidada em reais, muito embora uma parcela substancial da dívida interna esteja indexada ao dólar."
"Acredito que esses analistas têm em mente algo parecido com a crise argentina. Isto é, o mercado recusa a rolagem da dívida do governo (sem nem sequer cogitar de novas emissões para financiar o déficit fiscal) e força o governo a declarar moratória...
Read 8 tweets
8 Jan
Coluna interessante do N. Barbosa. Mas fiquei com algumas dúvidas:

(i) Qual arcabouço teórico considera BC e Tesouro são a mesma coisa? A MMT que não é. E não precisa disso para chegar em suas conclusões.

(ii)...
... (ii) Quais são os casos de hiperinflação causados, em sua essência, por emissão de moeda? Não me lembro de nenhum. Nos que conheço, a causalidade é invertida. Ninguém nega a possibilidade de hiperinflação, o não consenso é sobre suas causas, histórica e teoricamente.
(iii)...
(iii) Por qual motivo, em armadilha da liquidez, bancos começam a rasgar dinheiro? Qual o sentido deles não quererem trocar reservas bancárias (dívida pública que não rende juros) por compromissadas (ou voluntários) de prazo curtíssimo e que rendem juros?
Enfim.
Read 5 tweets
7 Jan
1. 3 problemas que a sociedade brasileira está vivendo no início deste ano e q o PSOL apresentou Projetos de Lei p/ resolver: fim do auxílio emergencial; fila do bolsa família e a correção do salário mínimo abaixo da inflação sentida pelos + pobres. Fio com cada uma das propostas
2. Sobre o salário mínimo, há dois projetos do PSOL com propostas de correção real do salário. Em uma delas, propõe-se a utilização do Índice de Preços ao Consumidor – Classe 1, que calcula justamente a inflação que pesa sobre os mais pobres.
psol50.org.br/pl-de-jean-wyl…
3. Sobre a fila do bolsa família, atualmente com mais de 3,5 milhões de pessoas aguardando, o PSOL formatou um novo design para o programa, visando evitar que filas gigantes como essa se formem justamente em momentos de profunda vulnerabilidade social.

camara.leg.br/proposicoesWeb…
Read 4 tweets
28 Dec 20
Duas teses que parte do campo progressista adota sobre a crise de 2015 e que eu considero contraproducentes e perigosas.

Segue o fio... 1/11
1º De que o Brasil quebrou em 2015 porque o Congresso, liderado por Eduardo Cunha, impediu que fosse feito o ajuste fiscal necessário. Nesta tese, a culpa foi das pautas bombas e das obstruções à austeridade fiscal plena de Joaquim Levy. 2/11
2º De que o Brasil quebrou por conta das políticas de renúncias fiscais do primeiro governo Dilma, que derrubaram a arrecadação gerando uma crise fiscal.

3/11
Read 11 tweets

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