Quem está por aí repetindo que o Daniel Silveira é apenas "mais um palhaço bolsonarista" deveria gastar uns cinco minutos entendendo o papel das forças de segurança na política carioca, especialmente dos bolsonaristas.
Como parte do plano de ocupação militar da cidade, desenhado lá nos tempos da Ditadura, o controle de áreas periféricas (favelas e subúrbios) foi destinado a grupos paramilitares formados tanto por policiais (civis e militares), bombeiros e civis. Os famosos grupos de extermínio.
Eu que nasci e fui criado no subúrbio do Rio, no apagar das luzes da Ditadura, vi isso ao longo da minha vida: a influência de PMs e/ou figuras associadas era um fato tão natural quanto o calor do verão.
A existência e influência destes sujeitos, destes grupos, não era por conta da ausência do poder público, do Estado, como costumam dizer: eles eram o próprio poder público, a maneira como ele se manifestava ali.
A política carioca nunca se libertou disso, muito pelo contrário. Quando olhamos para a história da cidade (e do Estado), vemos ela foi se acelerando e se tornando mais intensa ao longo dos últimos anos, só ver a emergência e expansão das milícias.
Até o crescimento físico da cidade fora afetado por isso, só ver, por exemplo, o caso da Muzema; até mesmo a forma como o Minha Casa Minha Vida fora implantado na cidade.
O único movimento que ofereceu alguma resistência a expansão dessa política paramilitar foi o tráfico. Não estou aqui fazendo qualquer elogio às facções, mas é inegável que eles, meados dos anos 80, foram responsáveis por ocupar áreas loteadas para a política paramilitar.
Por isso segurança pública no Rio (estado) se tornou, basicamente, ações contra o tráfico de drogas. Toda a PM fora redesenhada para isso: o objetivo era retomar essas áreas para o Estado. E aqui, Estado é ocupação paramilitar.
Não é a toa que o maior projeto de segurança (falido) sejam as UPPs. Basicamente, projetos de "retomada" territorial.
Voltando ao tema: É importante prestar muita atenção, sempre foi, nesses políticos que se apresentam como Coronel, Capitão. Até bem pouco tempo esses sujeitos não se elegiam por conta do discurso, mas por conta da sua relação com a ocupação paramilitar da cidade..
Quando você olha para a cadeia de relações do Flávio Bolsonaro e Queiroz percebe bem como esses sujeitos influenciam a política local. E não estou apenas falando de "milicianos" - até pelo fato de que determinar o que é um miliciano é bem complexo.
Complexo pois muitas desse sujeitos jamais tiveram algum tipo de associação com alguma milícia estabelecida: mas isso não quer dizer que não tenham poderes e influência sobre regiões da cidade.
Basicamente, forças de segurança são uma das maiores forças políticas do cenário político carioca - e diria nacional, mas nessa escala as coisas mudam bastante. O clã Bolsonaro se fez na política representando estas forças.
Sujeitos como Daniel Silveira também, em menor escala, é verdade, mas ainda assim representam um ponto de articulação política importante para o projeto paramilitar. Daniel Silveira, Gabriel Monteiro, etc... representam uma nova etapa dessa ocupação, uma mudança de escala.
Eu já falei aqui sobre como essa ocupação paramilitar é também uma ocupação do imaginário: sobre como crescemos (no subúrbio) tendo esses homens como modelos de poder. Como o único modelo possível de poder (e existência plena).
Sobre como isso não é apenas um projeto de "desconstrução" subjetiva. Sobre como isso passa por uma questão muito mais ampla, sobre como sobreviver e ter alguma autonomia pessoal em um espaço onde esse projeto de poder corre livre.
Daniel Silveira representa um aumento nessa escala de ocupação do imaginário, ao mesmo tempo que seguem como tradicionais representantes do projeto de ocupação paramilitar, como representantes dos interesses da corporação e associados.
Por isso ele caminha livremente pela unidade prisional da polícia militar. Por isso, ainda, a decisão de sacrificá-lo em nome da paz institucional não é tão simples quanto seria no cálculo político higienizado.

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18 Feb
Estou vendo análises sobre a prisão de Daniel Silveira que se focam muito na figura do próprio e esquecem que o evento está sendo utilizado como um freio de arrumação pelo STF. A corte marcou uma posição, um limite e mandou uma aviso de que vai para cima de quem ultrapassá-lo.
Lembrando que os filhos do presidente já falaram coisas semelhantes, inclusive, sobre - e abertamente - fechar o STF, Bolsonaro já participou de manifestações que exibiam faixas pedindo o mesmo. Grupos ligados diretamente aos aliados e aliadas do presidente já fizeram o mesmo.
Logo, a prisão do Daniel Silveira não é apenas sobre o próprio Daniel Silveira: ela estabelece um limite para o próprio bolsonarismo.
Read 6 tweets
18 Feb
Daniel Silveira tirou o sono de Brasília, segundo relatos. Depois de adiarem a votação para hoje - para ganhar tempo -, algumas lideranças e assessores passaram a madrugada fazendo articulações para tentar garantir a sua soltura.
Tudo indica que o governo está emitindo sinais trocados. Não se manifesta publicamente, mas "instiga" assessores e lideranças a agir. "Estranhamente" passaram a circular mensagens no whatsapp isentando Bolsonaro de responsabilidade no caso e cobrando uma posição forte do Lira.
Se tem algo que eu não acredito é em coincidência, estas mensagens são a própria estratégia do bolsonarismo: vão tirar o Capitão da reta, dizendo que ele não pode se manifestar pois tudo isso é uma armadilha para causar um impeachment, e cobrar os "aliados".
Read 8 tweets
17 Feb
Ainda sobre o caso Daniel Silveira. Sempre bom lembrar que pessoas muito próximas ao presidente, entre estes seus próprios filhos - especialmente Eduardo Bolsonaro -, já produziram material semelhante no passado, podendo ser enquadrados nos mesmos termos da prisão de Daniel.
Por isso o caso do Daniel não é tão simples quanto o abandono de um deputado governista, ele pode representar sim toda uma nova onda de conflitos entre os três poderes. O recado do STF foi muito claro, firmaram posição de que não vão mais aturar esse comportamento.
Reitero, uma nova aliança entre o executivo e o judiciário, como a que ocorreu no ano passado, me parece muito improvável. Ainda mais improvável que uma possível aliança entre o judiciário e o legislativo.
Read 7 tweets
17 Feb
A prisão do Daniel Silveira talvez marque um ponto de "não retorno" (tipping point) do Bolsonarismo. Daniel não é bucha de canhão, como a Sara Winter, diria - para nos mantermos na metáfora militar - que ele é algo como um Tenente de infantaria.
Daniel é uma figura proeminente, importante na articulação política de um setor fundamental do bolsonarismo: as forças de segurança, especialmente - mas não apenas, reforço - a Polícia Militar. Seu nome é recorrente em grupos de whatsapp.
Como a @tainalon demonstrou, é uma figura proeminente no ecossistema virtual do Bolsonarismo, atuando como disseminador de informações falsas e propaganda do governo. Dando a elas um ar de autoridade por se tratar de um "deputado federal".

Read 13 tweets
15 Feb
Quando você analisa a linha do tempo você percebe que as direitas (e uso o termo em um sentido bem amplo) se aproximaram da internet com o intuito de realizar campanhas de contrainformação, especialmente em casos sintomáticos, como o da Juíza Patrícia Acioli.
A postagem do 01 não ocorreu no vácuo e tampouco foi origem de qualquer coisa, ela era o fenômeno de superfície de uma ampla campanha de difamação movida contra a juíza, com direito a supostos detalhes íntimos de sua vida, que já rolavam nas redes em 2011.
Esse tipo de operação - chamo de operação pois era obviamente organizada e tinha método e objetivos claros - era muito comum quando casos de violência policial vinham a tona. Lembram da morte do DG, dançarino do Esquenta? No dia seguinte supostas fotos suas com um fuzil.
Read 9 tweets
14 Feb
Todo carnaval é a mesma coisa, abjet@s ligadas ao conluio neoliberal/miliciano/neopentecostal postam mensagens atacando a festa, muitos, inclusive, ganharam notoriedade dessa forma - lembram da jornalista falando do carnaval?.

E todo ano caímos, repercutimos e nos revoltamos.
Para vocês terem uma ideia do quanto esse tipo de estratégia é importante: o carnaval do "golden shower" foi um marco da mobilização das tropas de desinformação bolsonaristas, com direito a disparos e mobilização de bots. Superada, apenas, por momentos como a saída do Moro.
O motivo? A luta contra o carnaval é um ponto de encontro entre os milicos, evangélicos conservadores e neoliberais (grupos que em 90% do tempo estão batendo cabeça). Todos consideram a festa um tipo de "degeneração".
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