Coronavírus no cérebro: como ele chega lá, o que causa e como prevenir/tratar problemas neurológicos

Um estudo propõe que a invasão do vírus no Sistema Nervoso envolve ativação dum receptor chamado P2X7. Assim, drogas que o bloqueiam poderiam ser estratégia promissora! Fio🧶👇 Ilustração mostra pulmões, cérebros, neurônios e vírus
Sintomas neurológicos e e psiquiátricos têm sido relatados em pacientes com covid e crescem as evidências de que o coronavírus tem a capacidade de entrar no sistema nervoso central e infectar suas células. Desenho de um neurônio.
Os cientistas agora têm um quadro mais claro dos possíveis mecanismos para que os vírus acessem o sistema nervoso e os efeitos inflamatórios que provocam no cérebro. Tomografia do cérebro.
Primeiro, como será que o danado chega lá?

O vírus entra no corpo principalmente pelo nariz, e chega até os pulmões. E para infectar qualquer célula, ele precisa se ligar a proteínas que ficam nas membranas das células, chamadas receptores... Desenho de um bonequinho com pulmões e cérebro destacados
Mas é necessário que sejam os receptores certos. Nos pulmões, ele usa tanto receptores TMPRSS2 como ACE2. Após infectar algumas células do pulmão, e se reproduzir usando a maquinaria celular (já que o vírus não possui uma), o SARS-CoV-2 se espalha pelo órgão. Desenho mostra o vírus e a proteína Spike se ligando a rec
As células infectadas liberam proteínas pró-inflamatórias e moléculas de ATP (aquela molécula mais conhecida por ser a reserva de energia nas células). Quando está em grande quantidade no meio externo à célula, o ATP causa danos celulares. Desenho de uma molécula de ATP.
O ATP também ativa os tais receptores P2X7 em células pulmonares em e macrófagos – células de defesa que englobam e destroem agentes estranhos como vírus. Isso faz com que os macrófagos aumentem a liberação das principais substâncias do processo inflamatório, as citocinas...
...E também mais ATP, num ciclo que se retroalimenta induzindo à famosa “tempestade de citocinas”. Vários processos fisiológicos ficam desregulados em razão disso.

Pela circulação, tanto o vírus como as proteína pró-inflamatórias liberadas chegam a outros tecidos. Desenho representando a tempestade de citocinas caindo nas c
No caso do cérebro o vírus precisa passar por uma proteção do sistema nervoso chamada barreira hematoencefálica (hemato=sangue e encefálica=encéfalo, basicamente, o cérebro).

Para isso, ele infecta células endoteliais desta barreira, ou seja, as células nas paredes destes vasos. Esquema mostrando os vasos da barreira no cérebro.
Durante a infecção, a barreira hematoencefálica fica mais permeável e deixa que passem para o tecido cerebral aquelas moléculas pró-inflamatórias e células de defesas como leucócitos. Desenho mostra o vírus ultrapassando a barreira e entrando
O problema é que muitos desses leucócitos estão infectados, recheados de vírus, e agem como cavalos de Tróia, levando os vírus para dentro do sistema nervoso central!

Está aí uma das rotas do Sars-Cov-2 até o cérebro, mas há outra possível, que também começa no nariz. Gravura retrata a história grega do Cavalo de Troia.
Na cavidade nasal, o vírus infecta e se multiplica em células sustentaculares, usando como acesso os receptores TMPRSS2 e ACE2. Essas células também expressam os receptores P2X7 e iniciam um ciclo semelhante ao já descrito. Desenho mostrando vírus entrando pelo nariz.
Finalmente, o SARS-CoV-2 também pode infectar neurônios sensoriais olfativos, e usar suas conexões para ingressar no sistema nervoso central. Infográfico mostrando os neurônios do olfato.
Uma vez no cérebro, o vírus pode alterar funções cerebrais tanto infectando neurônios e células da glia (outras células do sistema nervoso que têm uma série de funções), quanto pelos efeitos que vêm da tempestade de citocinas.
Na fisiologia, certos estímulos podem levar a um ciclo que reforça o desequilíbrio. Ciclos assim são chamados feedback positivo.

O mecanismo envolvido nos prejuízos do vírus ao tecido cerebral pode ser entendido assim, desencadeando eventos ruins que se intensificam mutuamente.
O resultado é um processo inflamatório caracterizado por hiperativação das células da glia. Ainda, a tempestade de citocinas induz a formação de coágulos e aumenta a permeabilidade de pequenos vasos sanguíneos, os capilares, podendo resultar em um AVC.
Mas não é só AVC. Tem entrada de cálcio no neurônio, saída de potássio, ATP circulando, radicais livres danificando neurônios... Uma bagunça! Que poderia desencadear ou intensificar problemas psiquiátricos e doenças degenerativas. Tudo ainda hipótese, mas muito bem fundamentada.
Um artigo de pesquisadores da USP publicado em importante revista científica explica como se daria toda a bioquímica disso. É um pouco intrincado, e não vou detalhar neste fio. Mas você pode ler na matéria que escrevi no Jornal da USP:
jornal.usp.br/ciencias/coron…
Resumindo, eles sugerem que a ativação exagerada do receptor celular chamado P2X7R está associada à tempestade inflamatória. Assim, inibir a expressão exagerada do P2X7 e também do complexo de proteínas inflamatórias poderiam ser estratégias para prevenir e tratar o problema.
Ah, e os editores não cobraram os mais de 4 mil dólares costumeiros dos pesquisadores para deixar o acesso aberto, porque consideraram o trabalho muito importante! Legal, né?

nature.com/articles/s4138…
Tem também uma animação em inglês, mas legendada:

E finalmente, a reportagem da Luiza:

jornal.usp.br/ciencias/coron…
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