Thread by @leosiqueirabr

SUBIU O MORRO COMO ATENDENTE DA NET E DESCEU COMO NEM DA ROCINHA.

A história do Nem da Rocinha é uma das mais intrigantes que já li. E mostra como é complexo o problema das drogas e o porquê a guerra ao tráfico - que não enxerga o contexto - não tem tido sucesso...

Dezembro de 1999.

Eduarda, de 9 meses, estava com o pescoço inchado, chorando de dor. Sua mãe a levou a uma clínica. Os médicos disseram que era apenas mau jeito.

Dias depois, a situação do bebê piorou. A coluna cervical apresentava lesões. O problema não era nada simples.

Sem plano de saúde, após diversos tratamentos, a família se viu em um ciclo de peregrinação por hospitais. Mãe e pai abandonaram empregos para cuidar do bebê. As contas atrasaram e veio uma dívida de R$ 20 mil.

Quem emprestaria R$ 20 mil para um casal de desempregados da favela?

Com 24 anos, Antônio Francisco Bonfim Lopes, então responsável por uma das equipes de distribuição da revista Net, recorreu à única pessoa disposta a fazer esse favor.

Luciano Barbosa Silva, o Lulu, chefe do tráfico da Rocinha e uma das lideranças do Comando Vermelho.

Antônio subiu o morro, encontrou Lulu e disse: “Minha filha vai morrer se eu não fizer nada. A única forma de te pagar é trabalhando pra você."

Nem começou como segurança de uma das bocas de fumo, mas sua inteligência e moderação fizeram se tornar o braço direito de Lulu.

Sob o comando do patrão, os índices de violência na Rocinha despencaram para patamares equivalentes aos de bairros da Zona Sul do Rio.

Lulu, que se considerava um empresário, dizia que não queria guerra “porque guerra é ruim para os negócios”.

Mas em 2004, as coisas mudaram.

A cúpula do CV ordenou que Lulu dividisse o comando da Rocinha com Eduíno Eustáquio Araújo, o Dudu. Lulu foi contra a ordem e se aliou a outra facção, os Amigos dos Amigos (ADA).

O que se viu foi um período de guerra. Soldados de Dudu tentando tomar o comando do morro à força.

O Bope entrou no jogo para acabar com a guerra e Lulu foi morto pelos policiais. Sem a liderança de Dudu o caos se instalou.

Após sucessivas lutas pelo poder, Nem assumiu a chefia da Rocinha. Sob sua gestão, soldados do tráfico eram proibidos de extorquir ou ameaçar moradores.

Menores de idade eram vetados na organização criminosa.

A tradição implementada por Lulu de oferecer assistência econômica aos moradores foi fortalecida.

Nem pagava viagens ao Nordeste para moradores reverem a família, bancou tratamentos médicos e providenciava cestas básicas.

Nem era como Pablo Escobar preenchendo o vazio deixado pelo Estado nas favelas do Rio.

Sob seu domínio, a Rocinha se tornou cool, recebendo shows de artistas como Ja Rule. Com a redução da violência, jovens de classe média começaram a frequentar os bailes funk da favela.

Não sejamos levianos. Nem mandou matar, matou, foi condenado por tráfico de drogas, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.

NEM NÃO TEM NADA de bom! Foi condenado a 96 anos.

Mas pra cada Nem preso ou morto, 10 nascem no mesmo dilema. É preciso repensar a guerra ao tráfico.

A história é contada nessa matéria do El País. E no livro O Dono do Morro: Um homem e a batalha pelo Rio.
brasil.elpais.com/brasil/2018/03…