Um pastor está sendo investigado pela Polícia Civil de Goiás por importunação sexual contra uma menina de 14 anos, em Goiânia. Ele foi gravado, de forma escondida, pela própria vítima com um aparelho celular. noticias.uol.com.br/cotidiano/ulti…
Este parágrafo fará parte do art. 8º-A da Lei 9.296/1996: “§4º A captação ambiental feita por um dos interlocutores sem o prévio conhecimento da autoridade policial ou do Ministério Público poderá ser utilizada, em matéria de defesa, quando demonstrada a integridade da gravação.”
O Congresso Nacional derrubou o veto presidencial a esse dispositivo, cuja interpretação causará grande controvérsia. No caso de Goiânia acima citado, a gravação feita pela vítima será válida para eventual acusação contra o suspeito de abuso?
Minha interpretação é a seguinte: a gravação feita pela vítima do crime só não poderá ser usada em juízo contra o criminoso se for fruto de orientação a ela passada pelo MP ou pela Polícia. O texto tem de ser interpretado por inteiro.
Se a vítima agir por iniciativa própria, para defender seus direitos ou interesses, a gravação é válida. Não será ela, porém, aceitável em juízo, se resultar de orientação estatal, situação na qual a vítima age como “longa manus” do Estado. Aí é necessária autorização judicial.
Esta é a utilidade da expressão “sem o prévio conhecimento da autoridade policial ou do Ministério Público” no §4º do art.8º-A: impedir que tais órgãos estatais usem a vítima como agente estatal para gravar conversas com alguém, sem autorização judicial.Uma forma de “entrapment”.
Se outra fosse a intenção do legislador, i.e.,se quisesse impedir uso acusatório de qlq gravação por um dos interlocutores,bastaria dizer:”A captação ambiental feita por um dos interlocutores poderá ser utilizada,em matéria de defesa,quando demonstrada a integridade da gravação.”
A expressão “em matéria de defesa” é dúbia, pois faz parecer que se tolera o uso da gravação só para a defesa do interlocutor em processo criminal. Mas tal interpretação restritiva não se sustenta. Gravações ambientais têm inúmeros usos para quem as capta, para além do penal.
Servirão para prova em ações de divórcio (agressões), em ações de guarda (maus-tratos a filhos); em ações trabalhistas (assédio moral); em tutela de direitos humanos (violência estatal); em proteção contra agentes públicos corruptos (achadores e autores de concussão) etc.
Logo,a gravação pode ser usada tb em matéria de defesa dos direitos das vítimas de crimes,*desde que* não seja produto de atividade probatória orientada pelo MP ou pela Polícia.Esta me parece a única interpretação que compatibiliza o dispositivo com a CF e mantém sua integridade.
Antes da presente inovação legislativa, o STJ julgou caso análogo (HC n. 578.058/SP), no qual considerou lícita gravação ambiental feita pela mãe da vítima de pedofilia, sob o fundamento de que a genitora tem o dever de proteção à filha, com base na CF e na Lei 8.069/1990 - ECA.
“1. Nos termos da jurisprudência da Corte, é lícita a prova produzida pela genitora da menor vítima de crime sexual, consistente em gravação audio/visual ambiental, dado o seu legítimo poder-dever de proteger a infante e desvendar o ato criminoso, situação que se assemelha à” +
“gravação de conversa telefônica feita com a autorização de um dos interlocutores, sem ciência do outro, quando há cometimento de delito por este último, hipótese já reconhecida como válida pelo Supremo Tribunal Federal.”
STJ, HC 578.058/SP, Rel. Néfi Cordeiro, 6ª T., j. 08/09/20
No mesmo sentido, o REsp 1026605/ES, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma, julgado em 13/05/2014. E também este outro da 5ª Turma do STJ, julgado em 2018:
“II – A gravação de conversa, in casu, não configura prova ilícita, visto que não ocorreu, a rigor, interceptação por terceiro, mas uma mera gravação pela genitora utilizando-se do próprio celular, objetivando a proteção da liberdade sexual de absolutamente incapaz, sua filha,”+
“(...) na perspectiva do poder familiar, vale dizer, do poder-dever de que são investidos os pais em relação aos filhos menores, de proteção e vigilância.” (STJ, 5ª Turma, AgInt no REsp 1712718/AC, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 24/04/2018).
Num caso espanhol, decidido em 2020,o Tribunal Supremo🇪🇸 negou provimento a recurso de cassação interposto contra acórdão condenatório proferido pelo Tribunal Superior de Justicia do País Basco, que havia confirmado a condenação de um réu por estupros retirados contra sua filha.
Uma das provas usadas no processo foi a gravação de diálogos entre o pai estuprador e sua filha menor )vítima), feita por terceiro, a mãe da menina, no interior da residência da família.
O Tribunal Supremo espanhol rejeitou a alegação de nulidade da gravação e admitiu a valoração dessa prova, porque, notem bem, a mãe da vítima *agiu como particular*, e não a serviço do Estado, realizando atividades probatórias sob orientação estatal para fins de persecução penal.
Trecho mais importante:
“7. Aun cuando la valoración de una prueba ilícita es en principio contraria al contenido material del derecho a la presunción de inocencia por las razones disuasorias ya expuestas, hemos destacado en nuestra jurisprudencia ( STS 116/2017) que: (...)”
“(...) la acción vulneradora del agente de la autoridad que personifica el interés del Estado en el castigo de las infracciones criminales *nunca puede ser artificialmente equiparada a la acción del particular* que, sin vinculación alguna con el ejercicio del ius puniendi, (...)”
“(...) se hace con documentos que más tarde se convierten en fuentes de prueba que llegan a resultar, por una u otra circunstancia, determinantes para la formulación del juicio de autoría. Para esta segunda categoría de supuestos (...)”
“(...)y, sin que la formulación pueda entenderse generalizable sin un previo y férreo control de las circunstancias en las que los derechos constitucionales han sido vulnerados y se incorporan después al proceso penal por los intervinientes en el mismo, hemos proclamado que(...)”
“(...) la regla de exclusión sería plenamente operativa en aquellos supuestos en los que la actuación del particular busca hacer acopio de datos probatorios destinados a incorporarse al proceso penal, *pero* que cuando el particular actúa por propia iniciativa (...)”
“(...) y desborda el marco jurídico completamente desvinculado de la actuación del Estado, en tales supuestos no activa un marco de garantías constitucionalmente dispuestas para impedir el acopio estatal de fuentes de prueba en el marco del proceso penal, (...)”
“(...) que es lo que contempla el art. 11 de la LOPJ al fijar la regla de exclusión que en él se recoge ( SSTS 116/2017, de 23 de febrero y 508/2017, de 4 de julio). Decíamos concretamente en la STS 116/2017 que: (...)
"(...) la posibilidad de valoración de una fuente de prueba obtenida por un particular *con absoluta desconexión de toda actividad estatal* y ajena en su origen a la voluntad de prefabricar pruebas, no necesita ser objeto de un enunciado legal que así lo proclame. (...)”
“(...) Su valoración es perfectamente posible a la vista de la propia literalidad del vigente enunciado del art. 11 de la LOPJ y, sobre todo, en atención a la idea de que, en su origen histórico y en su sistematización jurisprudencial,
“(...)la regla de exclusión solo adquiere sentido *como elemento de prevención frente a los excesos del Estado* en la investigación del delito.
8.(...) la vulneración del derecho del acusado al secreto de sus comunicaciones, así como el quebranto de su derecho a la intimidad”...
“(...) sobrevenidos ambos por grabarse subrepticiamente la conversación que mantuvo con su hija Rosaura en la mañana del día 29 de agosto de 2016, *no comporta la nulidad de la evidencia obtenida*, (...)”
“(...) pues no consta que la grabación se realizara con la finalidad de obtener irregularmente pruebas orientadas a impulsar o servir en un eventual proceso penal.” (STS 2932/2020, rel. Pablo Llarena Conde, j. 17/09/2020).
Em suma, o TS espanhol decidiu que a prova obtida pela mãe da vítima não deveria ser excluída, pois a regra de inadmissibilidade só se justificava como forma de evitar abusos das autoridades estatais de persecução penal, não impedindo a vítima de defender-se por sua iniciativa.
A Itália ratificou o Protocolo 15 à Convenção Europeia de Direitos Humanos. Com isso, o texto entrará em vigor em 1º de agosto de 2021.
Duas emendas merecem destaque: 1. A que reduz o prazo para a apresentação de pedidos (comunicações à Corte), de 6 para 4 meses, a contar da decisão final nacional.
No § 1 do art. 35 da CEDH, a expressão “num prazo de seis meses” será substituída por “num prazo de quatro meses”.
“1. O Tribunal só pode ser solicitado a conhecer de um assunto depois de esgotadas todas as vias de recurso internas, em conformidade com os princípios de direito internacional geralmente reconhecidos e *num prazo de quatro meses* a contar da data da decisão interna definitiva.”
O Tribunal de Justiça da União Europeia em Luxemburgo decidiu pela compatibilidade do sistema de nomeação de autoridades judiciárias da República de Malta 🇲🇹 em face do direito da União Europeia, no que tange à independência do Judiciário e ao acesso à Justiça.
Segundo o Tribunal, conforme o art. 49 do Tratado da União Europeia, a União reúne Estados que aderiram voluntariamente aos valores comuns referidos no art. 2º do mesmo tratado, entre eles o estado de direito. (Foto: Continentaleurope)
Logo, um Estado-Membro não pode alterar sua legislação, de forma que represente uma regressão do estado de direito, valor previsto pelo art. 19 do TUE. Assim, diz a Corte, os Estados-Membros devem abster-se de adotar regras de seleção que prejudiquem a independência dos juízes.