Prometi que faria um fio sobre o desastre que se abate sobre nossa estrutura econômica. Dificilmente conseguiremos recuperar nossa pujança econômica na próxima década. Então, vamos ao fio.
1) Os empresários brasileiros festejam um crescimento do PIB neste ano que gira ao redor de 3,5%. Com um desemprego ao redor de 15% e aumento significativo do poder aquisitivo e precarização das condições gerais de trabalho no Brasil.
2) Sabemos como nosso empresariado é superficial e é incapaz de pensar um projeto nacional. Pensa a partir de seu próprio umbigo. Em 1994 lançou as bases de uma ofensiva para desregulamentação dos direitos sociais sob o slogan da redução de custos de produção.
3) De lá para cá, a intenção ficou mais nítida e hoje já percebemos que o resultado é o Brasil se consolidar como país produtor de commodities (sem qualquer capacidade de ditar os preços internacionais) vinculado aos jogos do capital financeiro. Um país sem nação, para resumir.
4) Em 2020, o setor que mais emprega no Brasil sofreu uma queda econômica de 4,5%: o maior recuo da série histórica do IBGE. Este setor de serviços é responsável por 75% do cálculo do PIB e por quase 50% do emprego no país. O PIB da indústria caiu 3,5% no ano passado.
5) O que gostaria de salientar é um aspecto mais estrutural da aventura que caímos nos últimos anos que se acelerou a partir do governo Temer: nosso processo de desindustrialização acelerado. Não se trata de uma situação conjuntural, mas de desmontagem do parque industrial
6) A partir da crise do subprime norte-americano de 2008, a queda a queda da participação da indústria na composição do PIB brasileiro foi praticamente constante.
7) Se corrigirmos os valores a preços correntes, o gráfico da queda da participação fica mais ameno (em 2008 a participação da indústria no total do PIB nacional seria de 22,9%, ao invés dos 15,6%), mas continua impressionante.
8) O presidente do Conselho de Administração da Abimaq, João Carlos Marchesan, afirma que os juros altos e câmbio baixo levaram a indústria de transformação brasileira a reduzir sua participação no PIB, dos quase 30% de 1980 para cerca 11% em 2016.
9) Segundo Marchesan, "nenhuma política de incentivos ou de desonerações compensa uma política macroeconômica hostil. Um ambiente desfavorável aumenta custos e reduz margens, o que certamente não faz do País um bom lugar para se produzir".
10) Publiquei nesses dias um texto assinado por Sandro Silva, do sindicato dos técnicos do IPEA (Afipea) em que o autor destaca que “a participação da agropecuária e da indústria extrativa, somadas, ultrapassou a da indústria de transformação”.
11) Estamos vivendo um boom de preços de commodities, maior nível dos últimos 10 anos, o que aumenta nossa dependência em relação aos estoques dos produtos (ou processamento deles) por parte dos países importadores. Já levamos vários tombos nas importações chinesas de commodities
12) Commodities empregam pouca mão-de-obra e, quando empregam, são empregos de baixa qualificação técnica. O que impacta no discurso liberal corrente que a educação leva ao sucesso individual.
13) Educação não gera emprego. O que leva ao emprego são políticas públicas de desenvolvimento, investimentos corporativos na produção e resultado da disputa de interesses entre trabalhadores e empresários.
14) A taxa de investimento da economia brasileira, que é a relação entre os investimentos privados e o PIB, ficou em 15% no segundo trimestre de 2020, abaixo da taxa do mesmo período de 2019, que era de 15,3%.
15) Lembremos que o desemprego de doutores no Brasil é dez vezes maior que a média do desemprego de doutores no mundo. Trata-se do que os liberais denominam de “vantagem comparativa”: para países produtores de commodities venderem, os trabalhadores empregados não têm qualificação
16) Segundo ensaio das economistas Viviane Luporini e Joana Alves (“Investimento privado: uma análise empírica para o Brasil” publicado na revista Economia & Sociedade, da UNICAMP), há duas causas para o baixo nível de investimento: o crédito escasso e a instabilidade política.
17) Com efeito, o valor do crédito bancário no Brasil, em 2004, era equivalente a 25,2% do PIB. Embora tenha crescido, continua abaixo do valor no Japão (equivalia a 94,4% do PIB) e dos 104% do PIB nos países da área do Euro. Na África do Sul representava 73%, no período.
18) Muitos analistas sustentam que o empresariado brasileiro entende de microeconomia, mas é absolutamente ignorante em relação à macroeconomia.
Em suma, pensa em si e no curto prazo, mas é incapaz de perceber para onde o rio corre.
19) Talvez, por esse motivo, os empresários tenham comemorado a vitória de Pirro do resultado do PIB no primeiro trimestre desse ano. Como o governo Bolsonaro, quando percebem que o precipício está próximo, dá um passo à frente. (FIM)

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26 May
Ontem, na minha participação de toda terça na live do DCM, apareceu o incômodo que uma minoria" sente com leitura crítica sobre a esquerda. Vou me apoiar nos perrengues de ontem para propor uma leitura sobre os obstáculos para avançarmos numa proposta de Estado pela esquerda.
1) Temos algumas barreiras que dificultam a superação do nosso arcabouço institucional. Uma delas é a política como ascensão social: num país com tanta desigualdade social, ser eleito é uma possibilidade concreta de subir no degrau do seu status. Sem projeto coletivo
2) Tal lógica arrivista acaba por criar uma subcultura na prática política nacional: ser candidato é uma promessa de sucesso e pode destacar o candidato da selva de concreto que o leva ao anonimato. Acontece que essa lógica, além de egocêntrica, alimenta o conservadorismo
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25 May
Fico perplexo com o rombo na formação política no campo progressista. Tudo é emocional e a leitura é sempre impressionista. É uma raridade encontrar alguma leitura sobre o jogo político. Quase sempre, é só leitura do acontecimento. O pós-modernismo causou estragos
Há, ainda, a lógica do mundo da internet que dissemina uma profusão de informações que inibe um olhar mais panorâmico do mundo. Quase sempre, ficamos atolados em notícias do momento. A estrutura mental passa a ser míope, focada nos pés.
O pós-modernismo se alastrou pelas universidades brasileiras e deram sentido às narrativas de cunho biográfico. Falar de si emparelhou os currículos pessoais ao de Getúlio Vargas, Lula ou Zumbi. Tudo ficou pasteurizado. Lideranças são substituídas por celebridades fugazes
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24 May
Bom dia. Outro dia, retruquei uma postagem de alguém que dizia que não gostava de gente que tocava no seu corpo enquanto conversava. Como estou assustado com essa onda puritana que vem dos identitários ("não me toque, não me rele"), contestei. Mas, acho que fui superficial
1) O primeiro argumento que quero apresentar é o da "descorporificação" que a internet promove. Retomo aqui as teses do canadense Arthur Kroker em seu livro "Data Trash", de 1993. A tese central de Kroker é que a internet recalca o corpo e as relações sociais.
2) O humano se resumiria, para Kroker, aos "dedos agitados". O corpo fica paralisado, as relações sociais ficam suspensas pela decisão de continuar na tela ou mesmo de reduzir a atenção ao olhar em várias telas ao mesmo tempo. Ora, isso não é exatamente relação social
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22 May
Bom dia. Postarei um fio sobre a agressividade desproporcional destilada nas redes sociais e que envolve agrupamentos políticos distintos. Os alvos nem sempre são os inimigos ou adversários, mas os que sugerem uma leitura crítica sobre a realidade e sobre as correntes políticas.
1) Não se trata de constatação estranha o fato das redes sociais acolherem ataques extremamente agressivos. Postagens amorais são frequentes revelando um total descontrole emocional.
2) Bolsonaristas são campeões dessa prática, mas outros agrupamentos políticos – mesmo aparentemente progressistas – têm seus cães de caça a postos para atacar os que não pensam como eles ou até os que sugerem uma reflexão mais crítica sobre seu próprio campo político.
Read 36 tweets
11 May
Bom dia. Postarei, em seguida, um fio sobre um tema que me incomoda nos últimos tempos: o raciocínio simplista, principalmente nas redes sociais. A leitura do livro de Franco Berardi (que soube da existência pelo Eduardo Brasileiro). Lá vai o fio:
1) O livro de Berardi trata de algo que o professor do Departamento de Ciência da Computação, do Instituto de Matemática e Estatística da USP, Valdemar Setzer, vem tratando há muito tempo: nossa percepção sobre o mundo está muito reduzido à lógica binária)
2) Na explicação Wikipedia: "Na programação de computadores, a lógica binária, ou bitwise operation, opera em padrões de bits ou números binários. É uma ação rápida e simples, diretamente suportada pelo processador, e é usada para manipular valores para comparações e cálculos"
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22 Apr
Bom dia. Decidi dar umas dicas para os lulistas fanáticos que aparece por aqui. Não são "lições", mas toques. Venho percebendo o pêndulo maníaco-depressivo que os acomete há alguns anos. Lá vai:
1) Do que trata esse pêndulo emocional que citei na introdução? Trata-se de falta de equilíbrio para se posicionar frente às adversidades e oportunidades abertas. Com Lula na jogada, os fanáticos acreditam que estamos próximos do Paraíso; sem Lula, próximos do inferno
2) Ora, do ponto de vista político, a história tem a forma de uma elipse: ela parece retornar, mas, na verdade, "volta" em outro patamar de disputa. Na prática, uma força política instiga a outra, de maneira que a vitória parcial recebe logo adiante uma resposta.
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