⌗ 📝 O ciclo-bi: experiências bissexuais, suas nuances e seus desafios ~a thread. #Pride #PrideMonth #Pride2021 ImageImage
Bom, antes de começarmos a thread de hoje, tenho um aviso:

— A presente thread é mais reflexiva que qualquer outra coisa. Parte da tentativa de apontar isso que estamos chamando de "ciclo-bi", ou seja, a vivência da experiência da bissexualidade.
Dito isso, comecemos.
Com certeza você já passou pela seguinte situação: “Deus, tenho pensado demais ultimamente em pessoas de X gênero. Isso quer dizer que... Eu não sou mais bissexual?”

Por quê essa pergunta existe? Explicarei.
É um fato: a bissexualidade não é vista como uma possibilidade concreta dentro da hierarquia sexual/romântica. Logicamente, a heterossexualidade está no topo. Mas devemos levar em consideração que o único “““reconhecimento””” de identidades não-hétero são identidades homo.
Isso jamais significará que homossexuais "ocupam um lugar privilegiado diante bissexuais". Ninguém é privilegiado nessa estrutura sexual. Isso significa que, diferente da ruptura monodissidente da bissexualidade, +
a homossexualidade, quando tal estrutura decide ao menos "olhar" para seus desviantes, é a mais propensa a ser levada em consideração que a bissexualidade.

Isso tem um porquê!
Yoshino (e outros teóricos) nos explica muito bem que a bissexualidade desafia a lógica monocentrada da sexualidade, que vos estrutura e, quando uma opção tem "permição" +
desse sistema heterossexista para existir, não vão além da 'homo'ssexualidade. Isto porque a bissexualidade é vista como uma ameaça a ta(is) identidade(s).
Como Yoshino argumenta (2000), o hétero só é hétero porque o mesmo diz sobre sua atração pelo gênero "oposto", mas ele não é capaz de "provar" que não sente atração pelo mesmo gênero. O mesmo com homossexuais.
Ou seja: tais identidades estão construídas em cima do diferente OU do igual, estritamente. Mas a bissexualidade chega e desmancha essa lógica - tida muitas vezes como "natural" -, por isso se torna uma ameaça aos que negam sua/nossa existência.
Poderia me deter mais ainda à essa questão, mas isso fugiria um pouco do propósito da thread. Mas ficou claro o "O Contrato Epistêmico do Apagamento Bissexual", né? Mas, agora, pensa como é crescer estruturado numa sociedade em que nossa identidade é jogada à inexistência? +
Óbvio que não cogitaríamos de primeira sermos bissexuais.

Frases como "você está confuse", "sai de cima desse muro", "se decide" são reflexos claros dessa lógica dual&dicotômica de atração estritamente OU homo, OU hétero; coisa que a bissexualidade desafia e, em consequência, +
é atacada.

Inclua os estigmas aí, pois fazem diferença. Na crise da HIV/AIDS, bissexuais eram "a ponte" que levava o vírus às comunidades gay e hétero. "Bissexuais são promíscuos, (potenciais) infiéis, traidores, inerentemente não-monogamicos" etc.
Pois bem, vejo o "Ciclo-Bi" como consequência disso tudo. O "ciclo-bi" diz sobre o período conturbado que bissexuais-identificados passam com sua identidade. Isso ocorre por conta da fluidez de sua atração.
Agora, olhe que interessante: a lógica hetero&monossexista está tão, mas tão enraizada em nossas subjetividades que, quando nossa atração flui, não pensamos: "puxa, estou tão bissexual quanto antes". +
Normalmente, pensamos: "meu Deus, será que estou me descobrindo hétero? Lésbica? Gay? Será que era tudo hetcomp? Heteronormatividade? Será que sou mesmo bissexual?"
Eu mesmo só cogitei ser bissexual este ano. Isso porque, para mim, eu tinha que "ter um consenso logo" se era hétero ou gay (me identifiquei como gay por muito tempo, e os esteriotipos ajudaram, até porque eu sou mais feminino que outras pessoas amab. +
Portanto: amab afeminado que gosta de homens = "inerentemente gay").

Muitos bissexuais estão passando pelo ciclo-bi. Estão questionando sua sexualidade por estarem simplismente a vivenciando, isto é, gostando de pessoas, independente do gênero. +
Como já falei, questionam e descredibilizam a bissexualidade "porque estão gostando mais de X gênero que de outros". Como se ser bissexual fosse ser uma máquina de ereção que ficaria excitada se visse qualquer pessoa de qualquer gênero.
Basicamente questionam sua sexualidade por conta da fluidez da mesma, e sempre questionam ela em detrimento do pensamento que são, na verdade, de identidades monocentradas.
A nossa tendência é pôr a nossa identidade em cheque, por conta da imposição meticulosa que o hétero&monossexismo impõe sobre nós. Mas vale citar: “a bissexualidade é completa e fluída” — Manifesto Bissexual, 1990.
O ciclo-bi é, basicamente, o momento em que passamos quando estamos experienciando - o que era pra ser - normalmente nossa identidade enquanto o que ela é: completa e fluída. +
Mas por conta do hetero&monossexismo, ao invés de continuarmos nos reivindicando enquanto bis, o que acontece é o questionamento da nossa bissexualidade (muitas vezes, "inconscientemente").
Para tentar te ajudar nessa jornada: se você reconheceu/identificou estar passando por essa situação, sugiro que pense sobre tudo isso que falei. +
Quanto mais pensamos sobre essa lógica cruel em que nossa sociedade opera, mais ficamos abismades e mais conseguimos pensar em recursos para nos apoiar.
Acho que você deveria se permitir passar por tal ciclo sem questionar sua bissexualidade. Sabe, quando analisamos bem, se tirarmos a compulsão pela negação da bissexualidade +
pra tentar se afirmar como uma pessoa gay/hétero/lésbica, o "ciclo-bi" se torna simplismente uma fluidez na sua experiência com a bissexualidade.
Sua bissexualidade não deve ser alvo do hétero&monossexismo. Sua bissexualidade não é passageira. Sua bissexualidade não é heterossexualidade compulsória. Sua bissexualidade não é dúvida, nem confusão. Sua bissexualidade é revolucionária!
Nossa identidade é tão existente quanto as identidades homo e a identidade hétero. E o que torna isso um fato é que, para ofuscar a autenticidade da existência bissexual, +
nos apagam, nos oprimem, nos matam. Por quê seria necessário ofuscar algo, já que não brilha? A única resposta é: na verdade, brilhamos sim. Por isso incomodamos.
Como sugestão pra agregar ainda mais nessa nossa reflexão, deixo abaixo um vídeo da Verity Ritchie, "The Bi-Cicle". Ela trata especificamente sobre o ciclo-bi. Inclusive, tirei a ideia de fazer a thread sobre o assunto a partir do vídeo dela:
É isso, obrigado por ler, querido bissexual. ♥️💜💙

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Jan 11
Esse assunto sempre é muito levantado dentro da comunidade e o que mais vemos, infelizmente, é oposição à comunidade bissexual porque de alguma forma muitos nos veem como menos bem-vindos que eles. +
Ver esse tipo de comentário realmente nos coloca a pensar e duvidar da nosso papel dentro de tudo isso, já que nenhum dos lados (dentro e fora da comunidade) somos vistos como suficiente, carregamos uma falsa culpa que tentam colocar nas nossas costas.
Uma coisa que é importante lembrar que a nossa sigla LGBTA+ é uma sigla só por um motivo, quem está incluído nela já foi e ainda é atacado por assumir uma identidade que vai contra o tradicionalismo, que é vista como uma ameaça.
Read 8 tweets
Dec 2, 2021
Perguntas sobre bissexualidade para bissexuais respondem! — Thread para entreter e refletir. ImageImage
⚠️ AVISO! Caso alguma pergunta lhe remeta a algum trauma/gatilho/situação desagradável, não se sinta na obrigação de responder, priorize seu bem-estar!
Primeiramente, como se chama, bissexual?
Read 25 tweets
Sep 23, 2021
Deixando um pouco de lado os tweets mais superficiais sobre o dia da visibilidade bissexual, gostaríamos de chamar a atenção de vocês para o real significado dessa data. #BiVisibilityDay #VisibilidadeBi símbolo bissexual
De modo algum os posts superficiais perdem a sua importância, afinal esse é um dia para fazermos barulho e poder gritar para todo mundo ouvir “nós existimos!!” e é o que eles fazem. Mas o que queremos dizer é que, além de celebração, não podemos esquecer o motivo +
da existência dessa data: ganharmos visibilidade. Essa visibilidade que nos referimos não é a visibilidade que viemos recebendo ao longo dos anos; apesar de muita gente estar se educando sobre a nossa comunidade elas não são maioria, +
Read 10 tweets
Sep 23, 2021
E então chegou o tão aguardado Dia da Visibilidade Bissexual! Sem o ativismo de figuras como Wendy Curry, Gigi Raven e Michael Page, tal dia não teria sido demarcado como o dia de especialmente gritarmos aos 7 ventos dizendo: Nós existimos!

#BiVisibilityDay #VisibilidadeBi ImageImageImageImage
Data que se inicia por nossos ativistas em fim dos anos 90 a fim de criar uma consolidada Visibilidade Bissexual nos espaços gays e lésbicos e até mesmo héteros.

Inicialmente com um aspectos mais ativistas e com presença bissexual extremamente forte, atualmente “ele agora +
+ presencia eventos como discussões, festas de jantar e danças em Toronto e um grande baile de máscaras em Queensland, Austrália.”

No Brasil, a primeira manifestação foi feita em 2021, na cidade de Porto Alegre que oficializou 23 de setembro +
Read 4 tweets
Jul 27, 2021
Bom dia gente! estamos um pouco inativos por conta da correria do dia-a-dia, trabalho, aula, família, etc. Já que não produzi nenhum conteúdo pra agora gostaria de recomendar uns vídeos que assisti no decorrer desse mês. Pra quem tem interesse em cinema vale a pena assistir

-🍄
esses dois se complementam

Read 6 tweets
Jul 23, 2021
A representação bissexual na mídia é quase nula (isso quando há). A retratação de pessoas bissexuais na mídia não costuma expôr a bissexualidade como identidade que abarca tais práticas. Embora hajam filmes/séries que representem a bissexualidade em algum grau, (+)
não existe uma explicita exposição da bissexualidade como algo consistente e existente. Malmente é dito a palavra "bissexual" nesses filmes. Loraine Hutchins, ativista bissexual e feminista, falou algo parecido num artigo chamado "Bisexuality in the Media:
A Digital Roundtable". ImageImage
Representação é algo importante que pode fazer parte da construção/identificação de muita gente que está em fase de auto-descoberta, mas infelizmente esse processo é mais difícil para pessoas LGBTI+ (aqui falo especialmente para bissexuais).

Loraine falou algo que acho (+)
Read 4 tweets

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