Thread by @IrlanSimoes

A Lei das SAF ganhou um formato explosivo. Muito mais preocupante do que imaginávamos. Se você é um torcedor ativo no seu clube, que se associa pra poder ter participação, fique sabendo que corre o risco de ser incapaz de saber quem terá participação acionária na SAF.

O governo hoje vetou dois pontos que garantiam um mínimo de transparência nas SAF: 1) a obrigação de que fundos de investimentos revelassem em nome de quem estavam atuando na sociedade; 2) a obrigação da divulgação, no site do clube, dos acionistas da SAF.

Quem já tentou saber quadro de acionistas de uma grande corporação tem ideia de como é difícil acessar essas infos. Se você nunca tentou, experimente. Ou você paga uma plataforma caríssima e possivelmente desatualizada, ou tem que fuçar atas de difícil acesso e descobrir.

No caso de clubes de futebol, o peso maior está em duas questões:

1) o inegável interesse público: seja pelo alto poder de atração que eles geram, e consequentemente poder político dos seus proprietários; seja pela importância cultural que essas agremiações possuem

2) o potencial que o futebol possui para a promoção de atividades ilícitas: basicamente todo o sistema de valor do futebol é baseado em nada, desde preço a salário de jogador, a especulação de renda de ingressos ou valor de patrocínio na camisa.

Hoje você, daqui do Brasil, consegue acessar um site de algum órgão público (ou da própria liga) para descobrir como é composta a sociedade de um clube do Chile, da Espanha, de Portugal ou da França. Todos são obrigados a divulgar isso ANUALMENTE.

Em alguns casos, os acionistas minoritários são poupados. Como esses tem menos de 10% da participação, infere-se que sua participação é só financeira, sem incidência política nas decisões mais importantes eventualmente tomadas em uma assembleia de acionistas.

De todo modo, você sabe qual o peso de cada indivíduo (ou empresa) envolvido na sociedade empresária que controla os ativos do futebol do seu clube. Você pode acompanhar o movimento deles, pode observar suas decisões, em suma, pode fiscalizar o que fazem com seu clube.

É o suficiente? Não, porque o poder ainda se constitui do ponto de vista financeiro e em se tratando de uma sociedade empresária, a participação de torcedores é basicamente zero. Mas, de fora, a "opinião pública" e a imprensa ainda podem agir de alguma forma na defesa dos clubes.

(Se você parte do pressuposto que o cara vai querer o melhor para o seu clube só porque ele é acionista do mesmo, lamento dizer que você está redondamente enganado. Até porque ele não tem vínculo algum com aquele patrimônio construído ao longo de décadas pelo esforço de milhões)

Mas vamos partir de uma ilustração, para tentar imaginar o que pode acontecer com um clube grande do Brasil com o atual texto da lei das SAF.

Cena 1: o clube está altamente endividado e parte dessa dívida é de um empréstimo feito por um "conselheiro abnegado".

Publicamente, diretores do clube falam todo dia dessa má situação financeira, que um esforço será feito, e que a lei das SAF permite que a "dívida seja convertida em ações".

Ou seja, o clube vira empresa e converte parte dessa "dívida sufocante" em ação para o abnegado.

Politicamente o assunto já estará dado: a galera do twitter concorda que essa é a única solução. Sócios e conselheiros endossam.

Uma consultoria faz o "valuation" do clube. No cálculo, aquela dívida imensa do Abnegado representa 30% da sociedade. O clube aprova. Continua com 70%

Um acordo de boca, inclusive da parte do Abnegado, garante que o clube continuará sendo controlado pela associação.

Até um segundo momento, quando alega que precisa se desfazer de outra parte, para fechar o balanço, ou sanar dívidas trabalhistas.

Aí que vem.

Os mesmos diretores, junto ao Abnegado, agora alegam que a associação precisa de dinheiro novo. O clube abre 20% para venda.

Quem comprou? Ninguém sabe. Só Abnegado, a diretoria e o conselho fiscal da SAF. A associação, enquanto mais uma acionista, é obrigada a garantir sigilo.

Agora a associação possui apenas 50%, Abnegado 30% e o acionista misterioso, cuja participação na assembleia de acionistas é feita por um advogado de munido de uma procuração, possui 20%.

E nessa assembleia aprovam a ampliação do capital. Quem vai entrar? Ninguém sabe.

Ampliado o capital, com abstenção da associação nesse processo, o desenho muda. A associação teria 40%, Abnegado 33%, a empresa com um advogado com procuração possui 23%.

Os outros 4% agora pertencem a quem?

Ninguém sabe. Na verdade ninguém sabe nenhum desses números.

Na assembleia de acionistas seguinte, que ninguém vai saber como votou cada, afinal, agora são dois advogados com procuração e o próprio Abnegado.

Destitui-se a diretoria. Abnegado e os dois advogados das empresas que ninguém sabe qual é entram com proposta de uma nova diretoria

A associação agora já não tem a menor ingerência no futebol da SAF. Está oficialmente destronada. Toda negociação de ativos - atletas, direitos comerciais, terrenos, edifícios - tudo pode sair da cabeça da nova diretoria da sociedade, escolhida por [INFORMAÇÃO SIGILOSA].

Aqui, nessa altura, ainda estamos cogitando que o presidente da associação ainda é alguém que está ali para defender o interesse da associação.

Mas ele pode ser, simplesmente, um dos acionistas ocultos da segunda empresa misteriosa que destronou a associação do controle da SAF.

Afinal, ele foi convencido a participar dessa ORGIA que mais para frente resultará na venda do estádio do clube, com a sedutora promessa de construção de uma nova arena em uma cidade a 50km de distância (e que só vai passar a pertencer ao clube daqui a 30 anos).

A associação tende a ser um mero instrumento burocrático, invariavelmente controlado por pessoas com interesses particulares. Enfraquecer a associação dentro da SAF pode render frutos para um dirigente de momento. E, em tese, a associação é o que resta ao torcedor comum.

Então não dá pra achar que a associação é um ente coeso. Muito pelo contrário, ela será disputada por gente interessada em atuar dentro do jogo dos outros acionistas da sociedade, portanto em prejuízo à associação. É uma janela de oportunidade perfeita.

Mas só não seria mais perfeita se você fosse obrigado a divulgar cada movimento feito no quadro acionário da sociedade.

E VOILÁ

AGORA NEM PRECISA MAIS 😃