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Fernando Horta

5 Sep, 20 tweets, 4 min read

Uma das características mais assombrosas do fascismo e nazismo era a o processo de idolatria que se formava ao redor de pessoas obviamente incapazes e incompetentes para a vida social. Foi apenas nos final do século XX que as causas dessa idolatria foram desvendada. (segue o fio)

Ao contrário do que muitos ainda hoje acreditam, nem Hitler, nem Mussolini foram "gênios" sociais ou políticos. Em que pese que há uma enorme diferença de capacidade intelectual em favor de Mussolini, todos os dois eram considerados indivíduos limítrofes, sem lastro e sem lustro

Falando o bom português, Hitler é burro e Mussolini não tinha capacidades mínimas de entendimento e conciliação para o jogo político normal. A criação do mito das "genialidades do mal" servia, em realidade, para desculpar os povos pelo que tinha acontecido no entre-guerras.

Italianos e alemães (ou franceses com a República de Vishy) não estavam confortáveis com o manejo de sua memória recente. Eram acusados de cumplicidade com o nazismo e fascismo e a tese de que Hitler e Mussolini eram gênios e os tinham enganados apaziguava suas consciências.

A explicação inicial era que ambos os líderes fascistas tinham "inteligência" e "retórica" geniais e tinham "enganado" seus povos. Eu chamo isto de "a tese da burla". Quando os povos se deram conta do engano, da monstruosidade e da brutalidade, romperam e puniram os líderes.

A idolatria a Hitler e Mussolini havia se dado, portanto, a partir de uma estratégia de engano, pela genialidade comunicativa destes líderes e pelo manejo das ferramentas de propaganda nas mãos do Estado. Nenhuma ou quase nenhuma culpa tinham os italiano e alemães.

Esta tese foi sendo desmontada a partir do anos 70. Primeiro começaram a surgir biografias que questionavam a genialidade de hitler e mussolini. Hitler era um obscuro cabo do exército alemão que queria ser artista e mussolini um professor de séries iniciais que virou jornalista.

O estudo dos trabalhos iniciais de cada um, e depois de seus discursos, apresentava inúmeras falhas no pensamento lógico, desconhecimento de causa e mecanismos simples de causa e consequência, falta de domínio em qualquer área técnica de conhecimento da época e erros de empiria

Houve uma tentativa de reabilitar a tese dos "gênios do mal". No momento em que se mostrou que os dois eram toscos (para dizer o mínimo) a "genialidade" então recaiu em seus assessores diretos. Himmler, Goebbels e Goering passaram a ser na Alemanha os verdadeiros gênios.

Na itália, a genialidade estava em Italo Balbo (apesar de ter morrido em 1940, em Giovanni Gentile e Giácomo Acerbo (até sua ruptura em 1943).
Tal tese começou a fazer água quando se mostrava a centralidade de Mussolini no processo de tomada de decisão do fascismo, por exemplo.

Mas se a idolatria não poderia ser explicada pela "genialidade" de Hitler e mussolini e nem pela "genialidade" de seus assessores, como puderam estas monstruosidade "enganar" por tanto tempo o povo italiano e o povo alemão a ponto de os levar a cometer os crimes que conhecemos?

Aí entra o que Jurgen Habermas chamou de "manejo consciente da memória". Por um lado era preciso compreender os processos que levaram ao fascismo e nazismo se tornarem dominantes em suas sociedades, e por outro era necessário encontrar um meio de a memória não crucificar os povos

A explicação começa com Wilhelm Reich e vai até Deleuze e Guattari: a idolatria se devia à representação. Nazistas e fascistas se viam REPRESENTADOS pelas ações e valores de Hitler e Mussolini. E defender a eles significava defender a si mesmo na cabeça de seus apoiadores.

Este ponto foi apropriado pela ciência política que cunhou o termo "teoria da representação política fascista". Chantal Mouffe afirma que no fascismo a chave de representação política se dá por similaridade em oposição ao liberalismo que é por diferença.

Trocando em miúdos, no liberalismo clássico os "representantes" do povo teriam que ser o que o povo não podia ser (intelectuais, negociadores, com alto poder de compreensão e adaptação, com alto conhecimento e etc). No fascismo o líder é o espelho do povo. Em praticamente tudo.

Por fim, se juntarmos a tese de Delleuze sobre os microfascismos existentes em todos que se veem psicologicamente representados pela doentia exacerbação da liderança com a teoria da representação política do fascismo se consegue compreender a idolatria doentia e sem racionalidade

Transpondo para o Brasil, os apoiadores de Jair Bolsonaro assim o são porque apoiam a si mesmos. Veem e comemoram em Bolsonaro aquilo que eles pensam e defendem. A idolatria vem do sentimento de auto-defesa. Apontar bolsonaro um monstro seria o mesmo que se reconhecer um. (fim)