A Folha de Saquarema: ideólogos da escravidão no séc. XXI
Desde as primeiras décadas do XIX, a escravidão passou por um forte questionamento no mundo atlântico. Revoltas escravas, abolições e crescimento da diplomacia antitráfico criaram um clima de indefinições. 👇🏾
Porém, no Brasil, ela não só vigorou como chegou a número inéditos. O núcleo político responsável por essa “segunda escravidão” era chamado de saquaremas, o “partido negreiro”. Sua base social se estendia do Vale do Paraíba a Minas, orbitando sobretudo os senhores do café. 👇🏾
Iniciado com a chegada do Regresso ao poder (1837), “o tempo saquarema” definiu a defesa da escravidão como questão de Estado. Tal hegemonia manteve o contrabando negreiro até 1850 e formou as bases institucionais do escravismo, que só seriam derrubadas definitivamente em 1888.👇🏾
Para tanto, desde o final da década de 30, os saquaremas realizaram uma verdadeira blitz na arena política, definindo a legitimidade da escravidão e os discursos possíveis sobre o tema. Forjaram um bloco de premissas que serviam de álibi para a expansão do escravismo no país.👇🏾
Entre os argumentos, os saquaremas criaram um singularmente brasileiro. Tâmis Parron o chama de “paternalismo liberal”. Segundo esse ponto, a escravidão no Brasil era um sistema bom para o negro, pois possibilitava sua ascensão social num contexto ausente de barreiras raciais.👇🏾
Ou seja, segundo os saquaremas, ao “buscar” negros na África, a escravidão os retirava da barbárie e os inseria numa atmosfera civilizatória, com vias abertas para sua mobilidade social e política. Tudo isso facilitado pelas características do Brasil: aqui, não há ódio racial. 👇🏾
Ou seja, a escravidão não era odiosa, mas benéfica ao negro. Como escreveu Carneiro da Silva: “no Brasil, o escravo só tem desta condição o nome”. Bondade dos senhores, alforrias e profissões exercidas por negros libertos “atestavam” a identidade benévola do país. 👇🏾
Essa representação idílica do escravismo tinha um objetivo claro: contestar as denúncias humanitárias, filantrópicas e abolicionistas do sistema. Idealizar para mais escravizar. Representar o paraíso para manter o inferno. E os saquaremas foram vitoriosos nessa batalha. 👇🏾
Em menos de 30 anos, mais de 760 mil africanos foram ilegalmente traficados e o regime escravista encontrou no Brasil a sua mais longa duração.
Tais questões são importantes para entendermos o sedimento histórico no qual se escoram discursos do presente. 👇🏾
Quando lemos uma coluna que enfatiza a “mobilidade social” no regime escravista ou um editorial que se vale das suas “políticas de diversidade” para continuar sendo racista, estamos lidando simplesmente com a semântica saquarema. É a retórica negreira, sem tirar nem pôr. 👇🏾
Idealizar a escravidão é um artifício tipicamente brasileiro, o qual foi universalizado como prática política e discursiva pelo grupo social mais escravista da nossa história. Trata-se de um recurso do supremacismo branco com "características nacionais". 👇🏾
O que a Folha faz é velho. É constitutivo de uma das maiores tragédias humanas. É escravismo na sua mais alta performance. Se a Folha hoje amanhece perguntando se é racista, a resposta é fácil. Não é só racista, como é senhorial. A Folha é supremacista branca. É saquarema.
As duas citações são da dissertação do Tâmis Parron, um dos melhores retratos da hegemonia saquarema.
Essa semana, o apresentador Marcelo Barreto foi no alvo: "para ter racismo, parece que precisa de VAR." Desde que entrei no Direito, sempre me fiz a mesma pergunta: por que ninguém é condenado por racismo contra pessoas negras? 👇🏾
Obviamente há várias explicações de cunho sociológico, mas essa semana publicamos um texto no qual investigamos particularmente o papel do judiciário nessa história.
Ao analisarmos as sentenças do caso Heraldo Pereira, verificamos três artimanhas da branquidade. 👇🏾
As artimanhas são:
a. as alegações de inconstitucionalidade da Lei de Racismo;
b. a exigência do dolo específico de ofender toda a comunidade negra;
c. e a existência de uma hermenêutica da branquidade que perpassa a estrutura do poder judiciário brasileiro.
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Você é obrigado a abandonar o seu mandato parlamentar e sair do Brasil por correr risco de vida, mas vira extremista nas palavras de uma defensora de LINCHAMENTOS por ter cuspido em um fascista.
Com uma opinião pública constituída por ratos, continuaremos premiando sociopatas.
Gerações posteriores deverão estudar os vínculos entre branquidade e senso de irresponsabilidade na contribuição do jornalismo brasileiro à ascensão do fascismo ao poder. Fake news é fichinha perto de quem sempre submeteu a objetividade aos seus caprichos senhoriais.
Uma das características da moral senhorial é impor o seu subjetivismo sobre a realidade. Negar qualquer contraditório em relação à sua visão do mundo. A "epistemologia do nariz", como Chalhoub tão bem caracterizou a partir de Machado, e sua sensação de onipotência interpretativa.
O Haiti é aqui? A Revolução Haitiana no ensino do direito no Brasil
Nesses dias de debate sobre Haiti, saiu artigo com meu parceiro Lucas Jupy a respeito da ausência da Revolução Haitiana no ensino do direito no Brasil, pela Revista Culturas Jurídicas, da UFF. 👇🏾
Ao analisarmos ementas de disciplinas e as referências bibliográficas dominantes de direito constitucional, teoria do estado e direitos humanos, constatamos o absoluto silêncio sobre o Haiti e sua importância para o constitucionalismo moderno no ensino jurídico brasileiro. 👇🏾
Diante disso, abordamos cinco consequências do apagamento:
a. a suspeita sobre a abrangência e a ideia de universalidade por trás da história narrada no ensino jurídico, na medida em que há um completo apagamento das lutas por direitos e libertação dos povos colonizados. 👇🏾
Em 1823, Jefferson escreveu ao então presidente norte-americano James Monroe:
"Confesso francamente que sempre considerei Cuba o acréscimo mais interessante que poderia ser feito ao nosso sistema de Estados." 👇🏾
"O controle que, com Florida Point, esta ilha nos daria sobre o Golfo do México, os países e o istmo que a circundam, bem como todos aqueles cujas águas fluem para dentro dela, preencheria a medida de nosso bem-estar político." 👇🏾
Jefferson faz parte de uma longa tradição da "diplomacia" estadunidense que sempre viu e quis Cuba como um quintal dos EUA. Como escutei em Havana uma vez, antes da Revolução, quando você via o embaixador norte-americano atravessar a rua, era sinal de reviravolta política. 👇🏾
O Haiti é aqui: a Minustah e a ascensão do fascismo brasileiro
Com o assassinato de Jovenel Moïse, novamente os olhos mundiais se voltaram para o Haiti e a sua situação de tensão social. Nesse enredo, o Brasil tem um grande papel, que, como boomerang, não ficou só no Caribe. 👇🏾
Em 2004, o líder popular e padre da teologia da libertação, Jean-Bertrand Aristide é alvo de um golpe de estado e sacado do poder a força, assim como havia ocorrido em 1991. Com participação dos EUA, França e UK, ele é sequestrado e enviado para a República Centro-Africana. 👇🏾
Diante dos protestos populares, o Conselho de Segurança das Nações Unidas descreve a situação do Haiti como uma “ameaça à paz e segurança internacionais e à estabilidade do Caribe” e passa a Resolução 1542, criando a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti. 👇🏾
Quando o mundo despertava dos horrores do nazismo, os haitianos ainda pagavam a sua dívida pela Independência. Antes de compartilharmos discursos e representações fáceis sobre o "país catástrofe e obtuso", que tal pensar o que o Haiti revela sobre o imoral da história humana?
Em 1825, em troca do reconhecimento diplomático e sob canhões, a França impôs a dívida da independência. Enviaram notários para contar cada centímetro, cabeça de gado, escravo, ferramenta, propriedade e etc "perdidos" com a Revolução Haitiana. 👇🏾
Isolados e com a economia arrasada pela guerra, o Haiti recorreu a bancos franceses, que impuseram taxas e juros criminosos. O dinheiro saia dos cofres desses bancos direto para o tesouro francês. Ou seja: negros enriqueceram europeus pagando pela sua liberdade e soberania. 👇🏾