O Haiti é aqui? A Revolução Haitiana no ensino do direito no Brasil

Nesses dias de debate sobre Haiti, saiu artigo com meu parceiro Lucas Jupy a respeito da ausência da Revolução Haitiana no ensino do direito no Brasil, pela Revista Culturas Jurídicas, da UFF. 👇🏾
Ao analisarmos ementas de disciplinas e as referências bibliográficas dominantes de direito constitucional, teoria do estado e direitos humanos, constatamos o absoluto silêncio sobre o Haiti e sua importância para o constitucionalismo moderno no ensino jurídico brasileiro. 👇🏾
Diante disso, abordamos cinco consequências do apagamento:

a. a suspeita sobre a abrangência e a ideia de universalidade por trás da história narrada no ensino jurídico, na medida em que há um completo apagamento das lutas por direitos e libertação dos povos colonizados. 👇🏾
b. a história dos livros jurídicos é insuficiente, parcial e mal contada, negando fatos básicos do mundo moderno, como a escravidão e o colonialismo.

c. a leitura dos direitos humanos é feita por meio da eleição eurocêntrica de documentos, reificando o racismo e o liberalismo.👇🏾
d. a ausência da Rev. Haitiana aponta uma história constitucional excessivamente teleológica e unidimensional, focada na sucessão de direitos e encerrada em identidades nacionais, ignorando fluxos atlânticos e implicações mútuas entre distintos processos constitucionais. 👇🏾
e. o silêncio sobre o Haiti ilumina a completa desconexão do direito em relação às demais ciências sociais, especialmente à historiografia (os principais livros de direito no país ainda se filiam a visões arcaicas e rasas sobre a modernidade e a formação social brasileira). 👇🏾
Concluímos que o campo do direito baseia-se num conluio racista e pela mediocridade, gerador de consequências funestas para a população negra. A narrativa irreal da historia fornece o substrato ideológico de uma teoria e prática do direito conivente com o genocídio. 👇🏾
Teoria e prática formadoras de juristas que naturalizam um mundo em que negros e negras ocupam mais o mundo dos réus e inimigos por excelência do que o mundo dos que têm constantemente seus direitos violados e que, por isso, precisam ser reparados. 👇🏾
O Haiti é aqui. Sempre foi.

Link para o texto: periodicos.uff.br/culturasjuri..…

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12 Jul
Thomas Jefferson, Cuba e Haiti.

Em 1823, Jefferson escreveu ao então presidente norte-americano James Monroe:

"Confesso francamente que sempre considerei Cuba o acréscimo mais interessante que poderia ser feito ao nosso sistema de Estados." 👇🏾
"O controle que, com Florida Point, esta ilha nos daria sobre o Golfo do México, os países e o istmo que a circundam, bem como todos aqueles cujas águas fluem para dentro dela, preencheria a medida de nosso bem-estar político." 👇🏾
Jefferson faz parte de uma longa tradição da "diplomacia" estadunidense que sempre viu e quis Cuba como um quintal dos EUA. Como escutei em Havana uma vez, antes da Revolução, quando você via o embaixador norte-americano atravessar a rua, era sinal de reviravolta política. 👇🏾
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8 Jul
O Haiti é aqui: a Minustah e a ascensão do fascismo brasileiro

Com o assassinato de Jovenel Moïse, novamente os olhos mundiais se voltaram para o Haiti e a sua situação de tensão social. Nesse enredo, o Brasil tem um grande papel, que, como boomerang, não ficou só no Caribe. 👇🏾
Em 2004, o líder popular e padre da teologia da libertação, Jean-Bertrand Aristide é alvo de um golpe de estado e sacado do poder a força, assim como havia ocorrido em 1991. Com participação dos EUA, França e UK, ele é sequestrado e enviado para a República Centro-Africana. 👇🏾
Diante dos protestos populares, o Conselho de Segurança das Nações Unidas descreve a situação do Haiti como uma “ameaça à paz e segurança internacionais e à estabilidade do Caribe” e passa a Resolução 1542, criando a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti. 👇🏾
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7 Jul
Quando o mundo despertava dos horrores do nazismo, os haitianos ainda pagavam a sua dívida pela Independência. Antes de compartilharmos discursos e representações fáceis sobre o "país catástrofe e obtuso", que tal pensar o que o Haiti revela sobre o imoral da história humana?
Em 1825, em troca do reconhecimento diplomático e sob canhões, a França impôs a dívida da independência. Enviaram notários para contar cada centímetro, cabeça de gado, escravo, ferramenta, propriedade e etc "perdidos" com a Revolução Haitiana. 👇🏾
Isolados e com a economia arrasada pela guerra, o Haiti recorreu a bancos franceses, que impuseram taxas e juros criminosos. O dinheiro saia dos cofres desses bancos direto para o tesouro francês. Ou seja: negros enriqueceram europeus pagando pela sua liberdade e soberania. 👇🏾
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7 Jul
Para todos os que estão interessados no Haiti hoje: corpos negros têm algo a dizer não só na morte.

É importante questionar como nossa atenção seletiva, em momentos de assassinatos e golpes de estado, faz parte do jogo maior do colonialismo e do racismo. 👇🏾
Trouillot, historiador haitiano, falava que a Revolução Haitiana era uma evento impensável. Impensável não só pelo imaginário racista da época, que rejeitava a possibilidade de escravos reivindicarem em massa sua humanidade, mas impensável também nas narrativas posteriores. 👇🏾
Essas narrativas enfatizavam que um país formado por negros jamais poderia ser soberano e democrático. Tais narrativas apagavam o fato de que a soberania negada não tinha a ver com a "raça" dos haitianos, mas com a continuidade do colonialismo. 👇🏾
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24 Jun
O vídeo da sinhá reclamando de não ter uma trabalhadora doméstica nos EUA é didático: a burguesia brasileira odeia direitos sociais (como creche, educação, saúde, garantias trabalhistas) para sempre ter uma mão-de-obra precarizada e barata disponível para os seus caprichos.
Lembrar que isso não é traço individual da dondoca, mas projeto de país que remonta à escravidão. Basta lembrar que na véspera da Abolição, os senhores constrangeram acesso à terra e despejaram imigrantes no país justamente para achatar os salários do nascente trabalho livre.
É o que venho dizendo: o neoliberalismo é uma reatualização do ethos escravocrata na atual quadra do capitalismo. Os liberais arautos da "modernização da economia brasileira" mais parecem antigos senhores que citavam Adam Smith para defender a legitimidade da propriedade escrava.
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18 Jun
O @_makavelijones já fez um vídeo que sintetiza muito do que penso sobre 2013. Mas ainda gostaria de escrever um texto apenas com minhas memórias de Facebook. Essa é uma das que mais gosto: quando os liberais agiram como fascistas e começaram a expulsar os partidos dos atos.
Entre esses liberais, estavam membros de um grupo do movimento estudantil da UnB, criado por um sujeito que hoje circula por aqui como razoável.

Mais convicto, repito a pergunta: qual o modelo de democracia idealizado por esse liberalismo? A vitória do fascismo é a resposta.
É bom lembrar que o grito de "fora partidos" não surgiu do nada nas marchas: ele foi gestado em diversos contextos, especialmente em eleições de DCE, quando chapas da direita liberal surgiam com os grandes lemas do "apartidarismo" e do "rechaço à política".
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