Mesmo estarrecidos, o Museu havia decidido por não comentar o episódio lamentável do comentarista da TV Jovem Pan.
Em primeiro lugar, para evitar visibilidade e adeptos ao seu discurso. Segundo, porque medidas práticas foram tomadas por instituições judaicas.
No entanto...
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... a dificuldade de interpretação de sua narrativa jocosa e supostamente irônica, aliada à tentativa de inserir o Holocausto no debate político-partidário, obrigou o Museu se posicionar - mesmo tardiamente.
Contribuímos com conteúdo sério para o debate em torno da Shoá.
+
Sugerir que ele recomendou o confisco de bens de judeus para alavancar a economia brasileira denota uma interpretação desonesta de sua fala.
Isso não significa, no entanto, que erros históricos crassos e a reprodução de mitos antissemitas não tenham sido reproduzidos. Vejamos.
+
Reproduzimos aqui um trecho de sua fala:
"É só assaltar todos os judeus que a gente consegue chegar lá. Se a gente matar um monte de judeus e se apropriar do poder econômico dos judeus, o Brasil enriquece. Foi o que aconteceu com a Alemanha pós-guerra".
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O primeiro equívoco é atribuir aos judeus alemães de antes do nazismo uma grande riqueza, de modo que o roubo destes - que de fato ocorreu - pudesse por si só alavancar o crescimento econômico e tecnológico do país durante e após a guerra.
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Um artigo acadêmico do dr. Albrecht Ritschl, professor de História Econômica da London School of Economics, publicado em 2019, ajuda a desmascarar o mito da riqueza dos judeus alemães.
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Esse estudo estima que os judeus, cerca de 0,8% da população alemã em 1933, detinham algo entre 0,9 e 1,6% do capital privado alemão - ou seja, nada absurdamente desproporcional em relação à população alemã, muito distante do tal "poder econômico".
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O texto "Destruição fiscal: Tributação confiscatória da propriedade e capital dos Judeus na Alemanha Nazista" foi traduzido pela equipe do Museu do Holocausto de Curitiba e publicado em 2019.
Pode ser acessado pelo link, vale a leitura: drive.google.com/file/d/1TDMYCw…
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A ideia dos judeus como detentores de enorme poder econômico não é somente um equívoco factual. Ela se ancora em um mito antigo e de cunho antissemita: do "poder econômico judaico".
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Este, além disso, supõe que os judeus agiriam em torno de interesses unificados, normalmente uma pauta oculta e terrível, parte de uma conspiração - mesma lógica conspiratória dos que apontam para uma suposta terrível ameaça "globalista".
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Outro engano coloca os bens "judaicos" roubados como principal fator de propulsão da economia alemã no pós-guerra - análise esta equivocada tanto pelas razões acima quanto por ignorar o Plano Marshall e os acontecimentos políticos posteriores.
+
Finalmente, apesar de não ser explicitamente apologético ao nazismo, esse argumento ameniza os crimes cometidos durante o Holocausto. Afinal, seriam em certa medida "justificáveis".
+
Mais do que ser factualmente falso, ignora que o genocídio não atendia a interesses financeiros, mas ao ódio embasado em nacionalismo, antissemitismo, racismo "científico" e eugenia.
+
Como bem lembrado pelo historiador @odiloncaldeira , este argumento antissemita se disseminou em cadeia nacional de televisão a partir dos anos 1980, quando algumas emissoras deram espaço para negacionistas do Holocausto.
#portodaavidavamoslembrar

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More from @MuseuHolocausto

17 Nov
Programação do 1º Congresso Internacional sobre Ensino do Holocausto e Educação em Direitos Humanos, promovido pelo O Museu do Holocausto de Curitiba, em parceria com a Universidade Federal do Paraná e a Universidade de Pernambuco.

+ Descrição da imagem: arte gráfica com a predominância da
Todas as ações do evento acontecerão via Zoom, sem transmissão ao vivo em nenhum outro canal. Posteriormente, ao fim do congresso, os materiais serão compartilhados no Canal do YouTube do Museu do Holocausto de Curitiba.

+ Descrição da imagem: arte gráfica com a predominância da
➡️ Lembramos que as inscrições para participantes ouvintes encerram amanhã, 18 de novembro.

+ Descrição da imagem: arte gráfica com a predominância da
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17 Nov
Na década de 1930, Freud colhia os frutos de seu trabalho pioneiro sobre o inconsciente. Famoso tanto na Europa como nos Estados Unidos, seu sucesso se refletia também nas finanças e a família vivia confortavelmente em Viena.

+ Descrição da imagem: fotografia em preto e branco. Trata-s
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16 Nov
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📆 18 de novembro, às 18h.

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20 Sep
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O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, por intermédio da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar, e em parceria com a Escola Judicial de MS (Ejud-MS), realizará de 23 a 27 de agosto + Arte gráfica com a predominância das cores branco, vermelh
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