Quando foi que assumimos que a propriedade – de coisas, de ideias – é o estado natural das coisas? Que pensamentos têm dono? Que tomamos como natural que criações humanas são resultado de indivíduos geniais e não do conhecimento criado e acumulado por todos que vieram antes?+
Por que achamos, por exemplo, que é justo que a mera possibilidade de lucro se sobreponha à livre circulação de ideias e à construção coletiva de conhecimento? Vacinas, por exemplo: por que achamos razoável que empresas detenham as tecnologias e ditem as regras do uso delas?+
É porque sem a possibilidade de lucro não há incentivo pra criação, você pode argumentar. Pode ser. Mas em 'A cultura é livre', o @leofoletto mostra que nem sempre foi assim. Desde os tempos da cultura oral, no ocidente e no oriente, a criação nem sempre foi baseada no indivíduo+
Essa percepção é, na verdade, muito recente. Da China antiga – que tinha uma lógica de criação circular, em que as obras eram produzidas muito mais coletivamente e ininterruptamente – aos povos originários brasileiros, os seres humanos sempre se basearam mto mais na colaboração.+
É uma ideia que "começou muito antes da internet e permanecerá enquanto houver ser humano vivo criando", na palavras de Gilberto Gil, muso da cultura livre que prefaciou o livro. E que, para ele, faz muito sentido em um mundo que sabe que "só se cria recriando".+
O capitalismo fez com que essa ideia de recriação fosse substituída pela lógica proprietária, baseada no lucro e na escassez artificial. Mas novas tecnologias voltaram a subverter essas ideias – ainda que muita gente ainda esteja presa nelas.+
'A cultura é livre' se propõe a ser uma 'história da resistência antipropriedade', mas também lança pontes para o futuro – justamente ao mostrar que outra lógica mais colaborativa não só é possível, como já foi o padrão. A quem servem os regimes de propriedade intelectual?+
É uma leitura importante sempre, mas principalmente em momentos de crise que deixam explícito que a lógica de criação e produção individualista voltada ao lucro é nociva e insustentável. E a cultura proprietária não é coisa de direita conservadora: tá enraizada na esquerda tb.+
Sabe a bancada ruralista? Financiada pelo agronegócio e que faz lobby e legisla a favor dessas mesmas empresas do agronegócio? Então: tá acontecendo igual com a tecnologia. Mesma maneira de operar, mesmas relações promíscuas e o mesmo discurso.+
Fundada em 2019, a Frente Digital se propôs a ser uma bancada parlamentar para defender a "inovação" e "o futuro". São mais de 200 parlamentares envolvidos – na teoria. Na prática, há um núcleo duro, ligado a um instituto privado e fundado por associações de lobby de tecnologia.+
Executivos de empresas de tecnologia como Google e iFood ocupam cargos estratégicos nesse instituto e nas associações por trás dele. É ele o responsável por consultoria técnica aos PLs e pareceres da 'bancada do like' – como apelidamos carinhosamente o conglomerado parlamentar. +
publicamos a última reportagem da série sobre tecnoautoritarismo, parceria do @TheInterceptBr com a @DataPrivacyBr que eu tive o prazer de coordenar e editar. desta vez, saímos da esfera federal e mostramos as máquinas de encarcerar da Bahia. theintercept.com/2021/09/20/rui…
separadamente, as matérias dessa série trazem um mosaico de iniciativas que mostram os problemas comuns no aumento da vigilância estatal sobre os cidadãos: falta de regulação, controle e transparência, coleta de dados abusiva, troca de infos com a iniciativa privada.+
em conjunto, mostram que o cenário começou bem antes de Bolsonaro, ainda em governos Dilma e Temer. políticas públicas aparentemente bem intencionadas podem se transformar em poderosas ferramentas de vigilância e violação se um governo com tendências autoritárias assumir o poder+
você já deve saber que a gente não apenas é rastreado na internet – nós também somos direcionados para conteúdos e objetivos específicos. cada vez mais sofisticadas, tecnologias de monitoramento e perfilamento são usadas quase sem controle público. a china quer mudar isso +
o país está discutindo uma proposta pioneira de regulação de algoritmos de recomendação. "ah mas a china censura bibibibobobó". calma. na proposta, há várias ideias inovadoras, como a que os usuários poderão ver e escolher com quais palavras estão sendo perfilados.+
a política também propõe que algoritmos não podem ser usados para determinar preços diferentes com base em hábitos de consumo. por exemplo: passagens aéreas. sites podem rastrear até de que aparelho você está acessando a internet para subir o preço – isso ficaria proibido. +
A ex-cientista de dados do Facebook Sophie Zhang encontrou um esquema de manipulação que permitia a políticos inflarem artificialmente páginas. Achou inclusive indícios desse esquema aqui no Brasil, bem no ano da eleição vocês sabem de quem.+
Para surpresa dela, o Facebook não removeu os likes e comentários falsos, que continuaram alimentando os algoritmos. Foi só UM ANO DEPOIS que a rede social deu alguma importância e criou uma política de remoção comportamento inautêntico. Mas era capenga.+
Não havia ninguém responsável, então Zhang decidiu assumir. Encontrou e manipulação política no Facebook em vários países. No Azerbaijão, era usada para intimidar a oposição. Ela viu, por dentro, como a rede social foi usada para inflamar os protestos na Bolívia. Perdeu o sono.+
Um telegrama diplomático mostra que, em 18 de janeiro, o embaixador brasileiro na Índia relatou ao governo Bolsonaro que havia baixa adesão à campanha de vacinação com Covaxin.
Ele avisou que a vacina teve um "processo alegadamente opaco de autorização para uso emergencial".
Para receber a vacina, os indianos tinham de assinar um termo de responsabilidade que alertava sobre o "status de testes clínicos da vacina, dados sobre sua eficácia" e previa até compensação da fabricante em casos de reações adversas graves.+
Por causa disso, relata o embaixador, "autoridades relataram relutância nos receptores das doses em assinar o termo de responsabilidade". Isso teria levado, segundo ele, "a índices abaixo de 50% de cumprimento das metas nos centros em que essa vacina era oferecida".+
Contei no @TheInterceptBr que os 12 canais investigados no inquérito dos atos antidemocráticos do STF faturaram, juntos, o equivalente a R$ 6,9 milhões de reais em dois anos. Tudo isso regado à publicidade servida pelo YouTube, que também dividiu os lucros.+
'Nossa, mas vocês descobriram a monetização agora?', pergunta o leitor irônico. Não. Nós acompanhamos há bastante tempo. E também denunciamos que há uma indústria de fake news que se aproveita da suposta ~isenção~ da plataforma para ganhar dinheiro sem ser incomodada.+
O Google afirma que só corta a monetização e os canais que violam suas diretrizes. Entendo a preocupação com a liberdade de expressão. Mas não estamos falando apenas de canais conservadores, como eles se autodefinem. Estamos falando de influenciadores abertamente golpistas.+