Thread by @thiagomd_1

Locadoras são revendedoras de veículos disfarçadas, que negociam os veículos com isenção de ICMS?

Já fiz uma thread sobre isso, mas ainda vejo várias informações equivocadas por ai.

Nesse fio vou explicar o que realmente acontece e porque elas não são revendedoras 🧵

Mas antes, a gente precisa entender a atividade de locação.

O primeiro passo é de conhecimento geral, as locadoras:

1. Compram carros com desconto, direto das fábricas;
2. Alugam esses carros por 18 meses, em média;
3. Revendem essas carros e reiniciam o ciclo.

Aqui já surge a primeira informação veiculada de forma equivocada por ai:

As compras direto nas fábricas tem ICMS?

Sim, tem ICMS. Mas existe uma redução na base de cálculo desse ICMS.

Isso quer dizer que o ICMS não é cobrado sobre o valor total do carro. Então é menor.

De onde vem a maior parte do desconto? É do ICMS?

Uma parte é. Mas a maior parte vem do desconto de fábrica mesmo.

Algumas montadoras fazem carros específicos para frotistas, simplificados.

Além disso, o cheque das locadoras é gordo. A Localiza compra ~ 100k+ carros/ano.

A segunda parte a ser entendida, são alguns conceitos contábeis.

O primeiro deles é que as Locadoras compram os carros pra usar na locação.

Logo, os carros viram parte de seu ativo imobilizado.

É realização de CAPEX. Investimento.

E o conceito de imobilizado tá na Lei:

Depois de comprados, esses carros são depreciados, pela empresa, a uma taxa de 3 a 5% ao ano.

A empresa define a vida útil do carro (tempo de utilização do bem na atividade) e seu valor residual (valor restante ao final da vida útil, após depreciação).

Depois disso ela vende.

Pra você entender com um exemplo:

A Localiza, em 2018, comprou carro por ~R$ 42.000.

Depreciou esse carro a uma taxa de ~4% a.a. até o final de sua vida útil de ~16 meses e um valor residual de ~R$ 39.500. Guarde esse número.

Vendeu essa carro ao final de 2019, p R$ 39.800.

Viu que a margem de venda ali é bem curta ne, considerando o valor residual?

Isso acontece porque o carro foi comprado pra ser usado na locação, foi usado e perdeu valor!

Ao vender esse carro, a empresa gera uma receita e ao mesmo tempo gera um custo contábil.

Que custo contábil é esse?

Quando a empresa vende ativo imobilizado, de forma bem simples, esse custo contábil vai ser o valor residual.

Lembra lá dos 39.500?

Ai, na DRE, ela reconhece a receita de venda dos seminovos e ao mesmo tempo reconhece o custo, que abate da receita.

É por isso que vem lá na DRE da locadora uma receita de vendas de seminovos, seguida de um custo de veículos vendidos, bem próximo do valor da receita de venda.

Olha ai o quadro simplificado da Localiza, com as marcações em amarelo:

Quando uma empresa é revendedora de um produto, esse produto não vai pro ativo imobilizado, não sofre depreciação e nem precisa ser baixado pelo seu valor residual.

E o mais importante, o produto é revendido novo, ele não é usado na operação da empresa.

É muito diferente.

Só isso, pra mim, já seria suficiente pra fixar que não se trata de uma revenda disfarçada.

Com base nisso, foi estabelecido em 2006, pelo CONFAZ, que de fato não há ICMS nessa revenda de locadoras.

Mas só não vai haver, se a revenda for feita depois de 12 meses da compra.

Acontece que a Localiza entrou com um mandado de segurança (MS), querendo vender antes de 12 meses.

O STF em agosto de 2020 julgou o Recurso Extraordinário RE 1025986/PE, nesse MS.

Foi dada repercussão geral ao julgamento e isso quer dizer que a decisão vai se aplicar a todas

No voto do Ministro Marco Aurélio, ficou bem claro o motivo.

Primeiro ele fala que o Pronunciamento Técnico CPC 27 já definiu o que pra ser ativo imobilizado há uma demanda que o bem fique lá por pelo menos 12 meses.

O item 2 do Sumário desse pronunciamento diz o seguinte:

O ministro deixou claro no seu voto, que a legislação tributária conversa com a contábil e que essa definição deve ser respeitada.

De outra forma, vender com menos 12 meses, não seria vender ativo imobilizado, mas praticar mercancia do carro.

Dá uma olhada no trecho:

Por isso, com base nesse entendimento, o STF fixou a seguinte tese:

É constitucional a incidência do ICMS sobre a operação de venda, realizada por locadora de veículos, de automóvel com menos de 12 (doze) meses de aquisição da montadora.

Resumo:

Vender com mais de 12 meses = vender ativo imobilizado.

Vender com menos de 12 meses = vender mercadoria.

Assim, se a locadora vende o carro usado com + de 12 meses, ela não é uma revendedora disfarçada, pois o carro efetivamente foi parte do imobilizado.

Mas então? Depois dessa decisão do STF as locadoras estão seguras?

Não exatamente. Isso pode mudar!

Se chegarmos a 50 retweets eu falo como isso pode mudar e qual o risco as locadoras enfrentam!

Bora chegar nos 50 retweets galera! Enquanto isso, estou respondendo dúvidas lá no insta! Segue lá thiagomd_1

Conforme prometido, o que pode ameaçar o atual modelo das Locadoras é uma nova Lei.

O jeito mais efetivo de mudar essa tese do STF, é através da criação de uma lei que regulamente a revenda.

E atualmente existe um projeto de lei nesse sentido.

O PL 3.844 quer limitar a venda dos seminovos pelas locadoras.

Elas teriam que passar a aguardar 24 meses para vender seus carros, sem incidência do ICMS.

Isso faria com que as locadoras tivessem que rever todo o ciclo de operação, já que os carros ficariam + baratos pelo uso.

Essa adequação pode custar rentabilidade. Principalmente porque aumentaria a idade média da frota, custos com manutenção, seguros, etc.