Meu pai compartilhou comigo um vídeo contra vacina de crianças. "Preocupação com as netas". Depois da indignação inicial, falei sobre algoritmos e formação de bolhas de mentira. Dei exemplo com vídeos de futebol. Ele "então por isso que só vejo vídeos de vitória do Botafogo?".
A raiva que tenho do bolsonarismo só não é maior que a de redes como Facebook e twitter. O vídeo que ele compartilhou estava no Face, em um perfil que vive de propagar mentiras. Não é difícil identificar e banir o usuário e a rede que ele mobiliza.
E meu velho ficou em choque quando descobriu que ele não só cedia informações para o Facebook toda vez que dava play em um vídeo, mas, também, que utilizavam essas informações para fornecerem mais vídeos do Botafogo, de músicas dos anos 60 e 70 e de mentiras bolsonaristas.
Enfim, quem me acompanha aqui, sabe que meu pai é talvez, depois de mozão, a pessoa com quem mais converso no mundo. E que mesmo assim, é uma pessoa que tenho que resgatar constantemente das mentiras que as redes sociais despejam no celular dele todos os dias.
E sim, converso com meu pai pra caralho e nunca tinha falado sobre algoritmos, algo que ele nunca tinha ouvido falar. Exigiu uma criatividade na hora da explicação. Conversa boa, mas daquelas que dão dimensão do tamanho das tarefas políticas que temos para o cotidiano.
Algumas pessoas perguntando qual foi a estratégia na conversa. A primeira coisa que fiz foi não usar a palavra algoritmo. Usei bastante a ideia de que os sites captam/guardam os seus gostos e preferências quando os utilizamos. Depois parti para as analogias e exemplos.
Meu pai sabe que eu amo futebol. Dei o exemplo "se eu colocar para ver um vídeo da final do brasileirão de 1997, ele vai guardar aquela informação e sugerir outros vídeos do Vasco. Mas só vídeos que eu possa gostar e que me dêem prazer". Aí que ele mandou a do Botafogo.
Dps falamos da utilidade. Meu velho tem 74 e foi pequeno comerciante boa parte da vida. Comecei perguntando sobre qual seria a forma mais fácil dele vender os serviços. Chegamos à conclusão de que seria acessando os gostos de possíveis clientes e direcionando anúncios para eles.
Com isso expliquei que os sites onde ele assiste vídeos armazenam, de maneira qse sempre obscura, cada informação dele para vender para empresas e que esse é o grande negócio do mundo hoje. Ele me disse que já havia ouvido falar de "bases de dados", mas que nunca tinha entendido.
Por fim, falamos de que grupos políticos tb se aproveitam dessas informações sobre preferência/gosto para espalhar desinformação, com conveniência e apoio dos próprios sites, que lucram com isso e, diferentemente do comércio dele, fazem de tudo para não prestar contas com a lei.
Simplificação do percurso, mas, no geral, foi isso. Coisas do cotidiano e particulares da nossa relação, como o fato dele ter me iniciado na leitura de jornais e hoje se informar mais por zap e Facebook. Provavelmente não será a última conversa sobre isso, mas foi um começo.
E sim, como só discurso não basta contra aqueles que estão capturando nossos familiares, voltando para o Brasil eu disse que ia fazer uma intervenção no celular dele. Depois da nossa longa conversa, o velho não só autorizou, como achou uma boa ideia.
E ah sim, sei que parece bobo, mas às vezes a gente deixa passar coisas hiper importantes com quem amamos e convivemos. Repito, meu pai é uma das pessoas que mais converso no mundo e até hoje nunca tinha tido uma conversa profunda com ele sobre os perigos das redes sociais.
Uma última coisa: o mais importante tá no primeiro post. As netas. Meu pai não é de se emocionar, mas quando caiu a ficha que ele estava sendo usado, de que estava compartilhando, na boa-fé, algo que colocava em risco a vida das duas, baixou a tristeza no rosto dele.
E acho que baixou também um pouco mais da consciência da ausência de escrúpulos dessa gente.
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O PT foi alvo de um golpe e da fraude judiciária. Aceitou tudo dentro do jogo liberal-institucional. Daí, em 2022, as pessoas precisam de um vídeo da Dilma falando por A+B para “atestar” a diferença entre governos petistas e chavismo. Chega a ser ultrajante.
Não é “novidade” e o vídeo não foi escondido por ninguém. Foi mais de uma década de governo, para não falar da vida pública de Lula e Dilma. O que não enganam são essas análises hoje, supostamente desinteressadas, de quem, em um passado recente, fez do PT aquilo que nunca foi.
Chega a ser ridículo ter que ler essas coisas hoje, particularmente se tratando da figura de Dilma, uma das maiores vítimas das mentiras indecentes da direita e de liberais. Se o discurso dela é “novidade” para alguns, é porque participaram da esculhama em 2015-2016.
Tem algo que me irrita mais do que o debate sobre identitarismo. É fazer esse debate utilizando referenciais estrangeiros quando temos no Brasil grandes lições legadas pela LUTA do movimento negro. E como a @SantannaWania colocou: não é sobre identidade, é sobre PROJETO DE PAÍS.
Luta contra a ideologia da democracia racial, luta pela reformulação dos censos, luta pelas ações afirmativas, luta no movimento da educação, luta contra o genocídio, luta nos partidos - se mesmo diante dessa história, é identidade o foco da conversa, vocês não entenderam nada.
A história é muito recente para esquecermos que sempre que o debate sobre identidade entra na sala, é escanteado o debate sobre política de direitos. Política de direitos, não identidade, sempre foi a prioridade da nossa luta. O resto é ser pautado pela branquidade.
No último final de semana, por causa do 01 de janeiro, muitos lembraram das Revoluções Haitiana e Cubana. Aproveito para compartilhar esse pequeno ensaio no qual utilizo os dois eventos para interrogar a história. A pergunta central é: como ler a modernidade a partir do Caribe?👇🏾
Apesar de já ter um tempo de publicado, segue como um dos meus textos preferidos, especialmente pelo diálogo entre história, teoria política e realismo mágico para lidar com a ideia de impensável, tão cara a autores caribenhos, como o mestre Michel-Rolph Trouillot. 👇🏾
A @feh__amaro e o @louverture1984 levantaram o questionamento de por que não estudamos as duas Revoluções nas instituições de ensino? Acho que podemos ir um pouco além e se perguntar: por que ambas são negligenciadas e minimizadas por boa parte da teoria política moderna? 👇🏾
Isso é aula. Atirou no inimigo de classe, alto figurão da burguesia mundial, Jeff Bezos, e ainda debulhou a forma contemporânea da ideologia, a moral Linkedin, que impele o trabalhador a amar o seu espoliador. Barreira é cultura proletária e revolucionária, meus caros. 😅
Por supuesto, entre modulações de tom e argumento, que vai e vem entre o passivo ("não sou palhaço não, não me pagaram um royalitezinho") e o agressivo ("tá maluco, seu careca"), típicas da astúcia oral popular brasileira, revela a verdade essencial: ao trabalhador tudo pertence.
Quem defendia liberdade absoluta eram os senhores de escravos, conscientes de que a sua autonomia ilimitada tinha um lado oculto (a servidão do vulnerável). O discurso de que ninguém é obrigado a seguir medidas sanitárias (ou regras para o bem comum) fede a chibata senhorial.
Não é brincando que esse discurso é de grande aceitação entre os herdeiros da escravidão: liberais-conservadores brasileiros e sulistas estadunidenses.
Tem muito brasileiro - inclusive médico - que paga de fina flor intelectual com esse discurso de merda sobre liberdade absoluta. Mal sabe que por trás da fala bonita, do jaleco ou terno e dos títulos, meros ornamentos, esconde uma subjetividade tosca, rasa e escravocrata.