No último final de semana, por causa do 01 de janeiro, muitos lembraram das Revoluções Haitiana e Cubana. Aproveito para compartilhar esse pequeno ensaio no qual utilizo os dois eventos para interrogar a história. A pergunta central é: como ler a modernidade a partir do Caribe?👇🏾
Apesar de já ter um tempo de publicado, segue como um dos meus textos preferidos, especialmente pelo diálogo entre história, teoria política e realismo mágico para lidar com a ideia de impensável, tão cara a autores caribenhos, como o mestre Michel-Rolph Trouillot. 👇🏾
A @feh__amaro e o @louverture1984 levantaram o questionamento de por que não estudamos as duas Revoluções nas instituições de ensino? Acho que podemos ir um pouco além e se perguntar: por que ambas são negligenciadas e minimizadas por boa parte da teoria política moderna? 👇🏾
No ensaio, aponto como as duas Revoluções desafiam não só a cartografia e a "raça" da razão, mas também contestam modelos de narrar o passado forjados no colonialismo. Elas colocam de frente perguntas sobre quais são os processos e os protagonistas da história. 👇🏾
Um estado-nação formado por ex-escravos, quando atestavam o seu imobilismo histórico e a sua ausência de consciência de classe? Uma revolução comunista que não respeita a faseologia dos modos de produção e que continua sobrevivendo ao "fim da história"? 👇🏾
Ao se deparar com o impensável, isto é, com aquilo que está fora da episteme imperial, distribuíram-se pechas de anacronismo, de ideias fora do lugar, do sem sentido, de mera cópia do Europeu ou de que tais processos logo pereceriam. Haiti e Cuba estariam fora da história.👇🏾
Por isso a memória das duas Revoluções é tão fundamental: Haiti e Cuba não são só exemplos de insurgências anti-imperialistas. Ambos carregam uma mensagem mais básica, constantemente ignorada ou relegada para o campo da fantasia: são sujeitos que fazem a história.👇🏾
É interessante pensar como, muitas vezes, não foi a historiografia que resgatou a centralidade das duas Revoluções, mas sim a arte (o que supostamente estaria fora da razão). Com isso, reler a modernidade a partir do Caribe é interrogar nossos critérios mais básicos de verdade.👇🏾
Meu carinho por esse ensaio também vem pelo contexto de publicação. Sua primeira versão foi trabalho final da disciplina "Derechos humanos y democracia en el pensamiento filosófico latinoamericano", ofertada em 2018, pelo professor cubano Pablo Guadarrama, na UNAL, Bogotá. 👇🏾
Pablo é daqueles velhinhos filósofos que só o Caribe produz. Viu e viveu boa parte da Cuba revolucionária, sem jamais deixar de acreditar na história. Impressionado com o ensaio, articulou sua publicação em uma Revista colombiana. Até hoje é só emoção ao lembrar disso. 👇🏾
Um brasileiro, nos Andes colombianos, dialogando com um filósofo cubano sobre duas revoluções caribenhas. A vida, a história, tem dessas coisas, né haha.
Tem algo que me irrita mais do que o debate sobre identitarismo. É fazer esse debate utilizando referenciais estrangeiros quando temos no Brasil grandes lições legadas pela LUTA do movimento negro. E como a @SantannaWania colocou: não é sobre identidade, é sobre PROJETO DE PAÍS.
Luta contra a ideologia da democracia racial, luta pela reformulação dos censos, luta pelas ações afirmativas, luta no movimento da educação, luta contra o genocídio, luta nos partidos - se mesmo diante dessa história, é identidade o foco da conversa, vocês não entenderam nada.
A história é muito recente para esquecermos que sempre que o debate sobre identidade entra na sala, é escanteado o debate sobre política de direitos. Política de direitos, não identidade, sempre foi a prioridade da nossa luta. O resto é ser pautado pela branquidade.
Isso é aula. Atirou no inimigo de classe, alto figurão da burguesia mundial, Jeff Bezos, e ainda debulhou a forma contemporânea da ideologia, a moral Linkedin, que impele o trabalhador a amar o seu espoliador. Barreira é cultura proletária e revolucionária, meus caros. 😅
Por supuesto, entre modulações de tom e argumento, que vai e vem entre o passivo ("não sou palhaço não, não me pagaram um royalitezinho") e o agressivo ("tá maluco, seu careca"), típicas da astúcia oral popular brasileira, revela a verdade essencial: ao trabalhador tudo pertence.
Quem defendia liberdade absoluta eram os senhores de escravos, conscientes de que a sua autonomia ilimitada tinha um lado oculto (a servidão do vulnerável). O discurso de que ninguém é obrigado a seguir medidas sanitárias (ou regras para o bem comum) fede a chibata senhorial.
Não é brincando que esse discurso é de grande aceitação entre os herdeiros da escravidão: liberais-conservadores brasileiros e sulistas estadunidenses.
Tem muito brasileiro - inclusive médico - que paga de fina flor intelectual com esse discurso de merda sobre liberdade absoluta. Mal sabe que por trás da fala bonita, do jaleco ou terno e dos títulos, meros ornamentos, esconde uma subjetividade tosca, rasa e escravocrata.
Hoje falam de "pluralismo". Mas o pouco espaço que negros tem nesse país foi conquistado a duras penas, arrombando a porta. Há pouquíssimos anos, era assim. Por isso até hoje não toleram a derrota na luta das cotas. Jamais vão superar que nós falemos quando nos querem enterrados.
É interessante pensar o tanto de gente que galgou espaço buscando silenciar pessoas negras e relativizando o racismo no Brasil. Estão todos aí, com suas carreiras, falando na mídia. Essa é a guerra não declarada do Brasil. Ela se faz com o nosso sufocamento.
E @Nailahnv, emociono-me sempre vendo o seu pai nesse vídeo. Respeito e gratidão pelos nossos mais velhos.
A Folha de Saquarema: ideólogos da escravidão no séc. XXI
Desde as primeiras décadas do XIX, a escravidão passou por um forte questionamento no mundo atlântico. Revoltas escravas, abolições e crescimento da diplomacia antitráfico criaram um clima de indefinições. 👇🏾
Porém, no Brasil, ela não só vigorou como chegou a número inéditos. O núcleo político responsável por essa “segunda escravidão” era chamado de saquaremas, o “partido negreiro”. Sua base social se estendia do Vale do Paraíba a Minas, orbitando sobretudo os senhores do café. 👇🏾
Iniciado com a chegada do Regresso ao poder (1837), “o tempo saquarema” definiu a defesa da escravidão como questão de Estado. Tal hegemonia manteve o contrabando negreiro até 1850 e formou as bases institucionais do escravismo, que só seriam derrubadas definitivamente em 1888.👇🏾