Quem defendia liberdade absoluta eram os senhores de escravos, conscientes de que a sua autonomia ilimitada tinha um lado oculto (a servidão do vulnerável). O discurso de que ninguém é obrigado a seguir medidas sanitárias (ou regras para o bem comum) fede a chibata senhorial.
Não é brincando que esse discurso é de grande aceitação entre os herdeiros da escravidão: liberais-conservadores brasileiros e sulistas estadunidenses.
Tem muito brasileiro - inclusive médico - que paga de fina flor intelectual com esse discurso de merda sobre liberdade absoluta. Mal sabe que por trás da fala bonita, do jaleco ou terno e dos títulos, meros ornamentos, esconde uma subjetividade tosca, rasa e escravocrata.
E como já tem gente ignorante e que sentiu chamando o dito de raciocínio orwelliano, basta ler qualquer texto do W.E.B Dubois sobre a escravidão nos EUA ou o texto "Dois Liberalismos" do Bosi para o caso brasileiro. Há pessoas que gostam da escravidão material e mental.
As ideias de liberdade absoluta e de que o Estado é um vilão se não for para proteger a propriedade, tão comuns em ancaps e liberalóides de quinta hoje em dia, foram montadas por intelectuais, economistas e políticos do Sul dos EUA e do Brasil na primeira metade do século XIX.
Não é mera coincidência a paixão de grupos de direita, supremacistas brancos e outros aloprados, no Brasil e nos EUA, pela gadsen flag nos seus faniquitos públicos.
E outra recomendação, o capítulo um do livro "Machado de Assis Historiador", do Sidney Chalhoub. No Brasil, todo dia é dia de ser Helena a desvendar a patologia social por trás de Estácio, que só acredita em liberdade absoluta por viver em um mundo de escravos e dependentes.

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9 Oct
Hoje falam de "pluralismo". Mas o pouco espaço que negros tem nesse país foi conquistado a duras penas, arrombando a porta. Há pouquíssimos anos, era assim. Por isso até hoje não toleram a derrota na luta das cotas. Jamais vão superar que nós falemos quando nos querem enterrados.
É interessante pensar o tanto de gente que galgou espaço buscando silenciar pessoas negras e relativizando o racismo no Brasil. Estão todos aí, com suas carreiras, falando na mídia. Essa é a guerra não declarada do Brasil. Ela se faz com o nosso sufocamento.
E @Nailahnv, emociono-me sempre vendo o seu pai nesse vídeo. Respeito e gratidão pelos nossos mais velhos.
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3 Oct
A Folha de Saquarema: ideólogos da escravidão no séc. XXI

Desde as primeiras décadas do XIX, a escravidão passou por um forte questionamento no mundo atlântico. Revoltas escravas, abolições e crescimento da diplomacia antitráfico criaram um clima de indefinições. 👇🏾
Porém, no Brasil, ela não só vigorou como chegou a número inéditos. O núcleo político responsável por essa “segunda escravidão” era chamado de saquaremas, o “partido negreiro”. Sua base social se estendia do Vale do Paraíba a Minas, orbitando sobretudo os senhores do café. 👇🏾
Iniciado com a chegada do Regresso ao poder (1837), “o tempo saquarema” definiu a defesa da escravidão como questão de Estado. Tal hegemonia manteve o contrabando negreiro até 1850 e formou as bases institucionais do escravismo, que só seriam derrubadas definitivamente em 1888.👇🏾
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2 Sep
Crime de racismo e as artimanhas da branquidade

Essa semana, o apresentador Marcelo Barreto foi no alvo: "para ter racismo, parece que precisa de VAR." Desde que entrei no Direito, sempre me fiz a mesma pergunta: por que ninguém é condenado por racismo contra pessoas negras? 👇🏾
Obviamente há várias explicações de cunho sociológico, mas essa semana publicamos um texto no qual investigamos particularmente o papel do judiciário nessa história.

Ao analisarmos as sentenças do caso Heraldo Pereira, verificamos três artimanhas da branquidade. 👇🏾
As artimanhas são:

a. as alegações de inconstitucionalidade da Lei de Racismo;
b. a exigência do dolo específico de ofender toda a comunidade negra;
c. e a existência de uma hermenêutica da branquidade que perpassa a estrutura do poder judiciário brasileiro.
👇🏾
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30 Aug
Você é obrigado a abandonar o seu mandato parlamentar e sair do Brasil por correr risco de vida, mas vira extremista nas palavras de uma defensora de LINCHAMENTOS por ter cuspido em um fascista.

Com uma opinião pública constituída por ratos, continuaremos premiando sociopatas.
Gerações posteriores deverão estudar os vínculos entre branquidade e senso de irresponsabilidade na contribuição do jornalismo brasileiro à ascensão do fascismo ao poder. Fake news é fichinha perto de quem sempre submeteu a objetividade aos seus caprichos senhoriais.
Uma das características da moral senhorial é impor o seu subjetivismo sobre a realidade. Negar qualquer contraditório em relação à sua visão do mundo. A "epistemologia do nariz", como Chalhoub tão bem caracterizou a partir de Machado, e sua sensação de onipotência interpretativa.
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12 Jul
O Haiti é aqui? A Revolução Haitiana no ensino do direito no Brasil

Nesses dias de debate sobre Haiti, saiu artigo com meu parceiro Lucas Jupy a respeito da ausência da Revolução Haitiana no ensino do direito no Brasil, pela Revista Culturas Jurídicas, da UFF. 👇🏾
Ao analisarmos ementas de disciplinas e as referências bibliográficas dominantes de direito constitucional, teoria do estado e direitos humanos, constatamos o absoluto silêncio sobre o Haiti e sua importância para o constitucionalismo moderno no ensino jurídico brasileiro. 👇🏾
Diante disso, abordamos cinco consequências do apagamento:

a. a suspeita sobre a abrangência e a ideia de universalidade por trás da história narrada no ensino jurídico, na medida em que há um completo apagamento das lutas por direitos e libertação dos povos colonizados. 👇🏾
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12 Jul
Thomas Jefferson, Cuba e Haiti.

Em 1823, Jefferson escreveu ao então presidente norte-americano James Monroe:

"Confesso francamente que sempre considerei Cuba o acréscimo mais interessante que poderia ser feito ao nosso sistema de Estados." 👇🏾
"O controle que, com Florida Point, esta ilha nos daria sobre o Golfo do México, os países e o istmo que a circundam, bem como todos aqueles cujas águas fluem para dentro dela, preencheria a medida de nosso bem-estar político." 👇🏾
Jefferson faz parte de uma longa tradição da "diplomacia" estadunidense que sempre viu e quis Cuba como um quintal dos EUA. Como escutei em Havana uma vez, antes da Revolução, quando você via o embaixador norte-americano atravessar a rua, era sinal de reviravolta política. 👇🏾
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