Hoje discuti Ranajit Guha com os alunos. Em dado momento, a discussão sobre persuasão e coerção entrou na roda.
Afirmei que numa sociedade em que o racismo é estrutural, precisamos entender que o espaço da persuasão é pequeno, minúsculo. Que o que pauta as relações sociais...
... é a coerção, a violência. Ela não é só a violência física, claro. Mas ela é a violência física. A sociedade em que o linchamento de jovens negros é um crime "normalizado" não precisa de uma elite muito sofisticada na persuasão.
Quando ela tenta persuadir, de fato, mais parece coerção - como um certo pasquim, que vive dando palanque para racista e depois, quando acusado, diz que não é racista (pois até tem repórteres negros, veja você).
E racismo é, invariavelmente, coerção.
Dessa forma, qualquer iniciativa das nossas elites na construção de uma hegemonia está marcada pela coerção - e, portanto, é uma hegemonia capenga, falha, prestes a implodir pelo simples fato de que ela não consegue evitar a explosão da violência.
Mesmo que no campo da persuasão haja a negação do racismo, ela é incapaz de abolir essa estrutura. Porque para isso, precisaria reconhecer sua existência. E reconhecer ela, é reconhecer-se racista, bem como as vantagens que isso lhe confere.
A morte de Moise, brutalmente assassinado, é mais um episódio que escancara a violência que nos estrutura. Retoma os princípios da violência da escravidão, reencarna, representa.
E evidencia o fracasso - mais uma vez - de quem nega o racismo em sua dimensão real e concreta.
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Espancaram, torturram e mataram um trabalhador negro, congolês, que exigia seus direitos.
A gente deveria estar enojado e puto.
E sempre bom lembrar: umas duas semanas atrás, um punhado de maluco veio com um papo de “racismo segundo a definição clássica, do senso comum e do bom senso, registrada em dicionários..."
Mas nada falam da persistência de linchamentos contra negros na sociedade brasileira.
Por que não falam? Por que silenciam sobre isso, que é fenômeno social notório, reconhecido dentro e fora da academia?
Não sei. Mas é bom lembrar desse projeto, de falar de racismo a partir do senso comum. Porque é justamente no senso comum que Moise foi assassinado.
Que fascinante o texto da nova colunista da Falha, dizendo que questionar o "identitarismo" não é a mesma coisa que relativizar o holocausto porque o segundo é um fato e o primeiro é um conceito.
Não conheço a autora, mas ela tá de parabéns pela coragem em expor sua ignorância.
Eu, por exemplo, sou profundamente ignorante em física. Termodinâmica, elétrica, mecânica... Nem sei como terminei o Ensino Médio.
Aí imagina, eu com todo respeito esse conhecimento que ignoro, ganhar um espaço no jornal para escrever sobre, sei lá, construção de pontes.
Para isso, eu dou uma olhadela rápida no Google e pronto. Vou lá, escrevo minha coluna dizendo qual o melhor método para produzir pontes. Os especialistas vão rir de mim, mas gente tão ignorante quanto eu vai poder me usar como autoridade.
Se tem um mês culpa que os historiadores precisam fazer é de ter ensinado para os jornalistas o termo "anacronismo".
De uma discussão metodológica sobre leitura de indícios do passado, o termo virou uma simplificação grosseira, do tipo: não posso julgar os Bandeirantes com os valores de hoje pois isso é anacronismo.
Bem, news flash para quem não é da História: desde a geração de Marc Bloch e Lucien Febvre, e já vai aí quase 100 anos, a gente aceitou que inescapavelmente proferimos julgamentos sobre o passado a partir do presente.
Mas não acho que é só isso, não. A matéria dá um tiro bom também: nossa cultura audiovisual, treinada pelas novelas, gosta da antecipação, da narrativa em capítulos. O formato do programa aqui ganhou muito de "novela", conversando com a nossa forma de ver televisão.
Pra além de tudo isso, a ideia da autenticidade dos sujeitos é muito cara nos últimos anos. Isso vende muito bem e não é só na tv.
Mas tem outros fatores aí, claro.
Pra mim, contudo, segue sendo meio misterioso. Nunca me envolvi no programa.
Esses papo de que os marxistas sabotaram a "identidade nacional" com suas aulas de história é a mesma ladainha da doutrinação marxista, com verniz de erudição.
50 anos atrás (1972) era ditadura militar, que era insuspeita em seu ufanismo e suas formas de ensinar a História do Brasil por meio das noções apologéticas de nação.do século XIX - e retomando os pressupostos racialistas do Von Martius.
Uma outra tese, essa sim mais embasada do que "os marxistas malvados não deixaram a identidade nacional se formar" é que aqui os pais da nação nunca se preocuparam muito em criar uma concepção popular de nacionalidade.
Antes da Revolução Industrial, sem subjugar a natureza por completo, muitas sociedades tinham de organizar a divisão do trabalho de acordo com as estações do ano, os ciclos de luz solar, as cheias dos rios, as chuvas...
O olhar mais comum sobre essas sociedades é que elas trabalhavam mais do que a nossa porque, afinal, não tinham dominado a natureza.
Marromenos. Conforme estudos demonstram, em diferentes épocas e sociedades, o trabalho era inconstante e, em certa escala, menor do que hoje.
Na nossa sociedade, pós-Revolução Industrial, como ensina seu Armando de Belford Roxo, não importa tempo, chuva, enchente, seca...todo mundo tem que trabalhar.
Mesmo todo o avanço tecnológico não fez com que trabalhássemos menos.