Uma thread sobre como a geografia desempenha um papel fundamental na disputa entre Rússia e Ucrânia:
A Rússia é enorme. Literalmente o maior país do mundo, com 1/8 de toda a área terrestre do planeta.
Para você ter noção do quão grande é esse lugar, eu estou falando da mesma área de superfície de Plutão.
Quando o sol nasce no leste da Rússia, está se pondo no oeste.
A Rússia é aquilo que conhecemos como país transcontinental - faz parte de dois continentes: a Europa e a Ásia.
E a Rússia é tão grande que a sua parte asiática é grande o suficiente para transformá-la no maior país da Ásia, e sua parte europeia faz o mesmo na Europa.
Acontece que 75% do território russo está na Ásia, mas somente 22% dos russos vivem ali.
É na Ásia que está parte importante da riqueza natural russa - como petróleo e gás - mas os russos estão na Europa, e é esta região a maior preocupação militar de Moscou.
Este território todo, claro, não caiu dos céus para a Rússia. Foi conquistado.
Por séculos, a Rússia teve diferentes autocratas. E a relação dessas figuras com o poder está intimamente ligada: 1) à obsessão em proteger o território, 2) à influência nos países vizinhos (são 14).
Este cara aqui - Pedro, o Grande (1672-1725) - foi o primeiro imperador da Rússia e grande expoente do expansionismo russo.
Sua biografia escrita por Robert K Massie - mil páginas que fazem Game of Thrones parecer Cinderela - é material obrigatório e imperdível sobre este país.
Nos últimos séculos, a Rússia foi invadida diversas vezes pelo oeste:
Pelos poloneses, em 1605.
Pelos suecos, em 1707.
Pelos franceses, em 1812.
Pelos alemães, em 1914 e 1941.
Essa é a razão por que os russos não menosprezam a possibilidade de serem invadidos.
Desde 1812, os russos lutaram para proteger seu território, no oeste, em média, uma vez a cada 33 anos.
Como o Kremlin reage a esse risco? Expandindo ainda mais seu território.
A União Soviética resolveu essa vulnerabilidade dominando os países do Leste da Europa.
Eles formavam um bloco militar chamado Pacto de Varsóvia. Seu adversário era a OTAN, a organização militar liderada pelos EUA para proteger aliados de um possível ataque soviético.
Quando a União Soviética acabou, em 1991, esta cortina de ferro, que protegia Moscou, se desmanchou.
Milhões de habitantes de países dominados pelos russos foram às ruas pedir independência. O Pacto acabou.
Putin chama este capítulo de “maior catástrofe geopolítica do século”.
Desde então, a OTAN incorporou estes países do extinto Pacto de Varsóvia:
- República Tcheca, Hungria e Polônia, em 1999;
- Bulgária, Estônia, Letônia, Lituânia, Romênia e Eslováquia, em 2004;
- Albânia, em 2009.
Moscou, claro, reclama.
Hoje, essa é a relação dos países da extinta União Soviética com Moscou:
Neutros: Uzbequistão, Azerbaijão e Turcomenistão.
Pró-Rússia: Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão, Bielorrússia e Armênia.
Pró-Ocidente: Todos que estão na OTAN.
Não citei três países: Moldávia, Geórgia e Ucrânia.
Os três estão num limbo - até desejam fazer parte da OTAN, mas têm medo da briga com Moscou.
Dos três, ninguém representaria maior vulnerabilidade geográfica à Rússia, em caso de aliança com a OTAN, do que a Ucrânia.
Rússia e Ucrânia dividem 2 mil quilômetros de fronteira, equivalente à distância de São Paulo a Salvador. Mas esta não é uma relação pacífica.
Em setembro de 2021, 81% dos ucranianos disseram ter uma opinião negativa em relação a Putin.
Há diversos motivos para a rejeição a Moscou. Um deles é o trauma com o genocídio de ucranianos (não apenas um gentílico, mas uma minoria étnica) liderado por Joseph Stalin em 1932/1933.
Milhões de ucranianos morreram. E a Ucrânia não esquece essa dor.
Cada país envolvido nessa briga age na defesa de seus interesses.
A Rússia julga ter o direito natural de dominar o Leste da Europa.
Os EUA desejam enfraquecer Moscou e manter sua hegemonia global.
A Ucrânia busca melhores condições na economia e na segurança nacional.
Putin se inspira na jornada de Pedro, o Grande. E age para intimidar seus vizinhos apelando para diferentes táticas, dignas de um dos mais bem sucedidos impérios da História.
Moscou nega a países soberanos o direito de determinar seu próprio futuro.
E o Exército não é a arma mais poderosa de Moscou - mas o gás e o petróleo. A Rússia só fica atrás dos Estados Unidos como maior fornecedor de gás natural do mundo, e não abre mão de usar esse recurso para atingir seus objetivos militares.
No meio dessa disputa está o Nord Stream 2, da estatal russa Gazprom: um gasoduto que liga a Rússia à Alemanha, ainda inativo, com capacidade de transportar 55 bilhões de metros cúbicos de gás natural por ano.
A Alemanha, maior economia da Europa, ainda depende da energia russa.
Os EUA, e seus aliados, são contrários ao Nord Stream 2 porque dizem que a Europa ficará ainda mais refém da Rússia, em troca de gás natural.
Washington acredita que Putin usará essa dependência como ferramenta de pressão em disputas com o Ocidente.
Biden promete fechar o Nord Stream 2 caso a Rússia decida invadir a Ucrânia, com sanções que tornariam o projeto inviável.
Seu governo diz que EUA e Alemanha são aliados e darão "os mesmos passos e eles serão muito, muito difíceis para a Rússia".
Vender seu excedente de gás de xisto para a Europa parece ser a solução dos EUA.
Só que esse gás precisa ser liquefeito e enviado pelo Atlântico, o que exige a construção de terminais para gás liquefeito no litoral europeu para receber essa carga e transformá-la de volta em gás.
Essa é, enfim, uma batalha baseada na geografia.
Gás, clima e terra são indispensáveis para entender este conflito político. Nós chamamos isso de geopolítica.
Se haverá uma guerra, só o tempo dirá. Mas a natureza não deixará de ser protagonista nessa história. Mais uma vez.
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Aposto: se você não está lendo este tweet no seu celular, está com ele bem próximo.
Mas como esse aparelho chegou até você?
Quanta geopolítica é necessária para produzir este objeto, tão importante que é capaz de dominar nossa atenção por longas horas do dia?
Eis a thread:
Há quase 16 bilhões de celulares no mundo. Dois por habitante do planeta.
Ninguém vende mais aparelhos que a Samsung. Ela é seguida, nessa ordem, por Apple, Huawei, Xiaomi, Oppo, Vivo, Motorola e Lenovo - ou seja, dos 8 primeiros fabricantes líderes desse setor, 5 são chineses.
1,5 bilhão de celulares são vendidos por ano. A receita dessas vendas alcança mais de US$ 400 bilhões.
O impacto na economia é imenso. Essa indústria fornece mais de 14 milhões de empregos diretos.
Este é um filme clichê para entender o perigo do livre discurso nazifascista: A Onda.
Nada obscuro - mas se você não viu, veja.
Há inúmeros motivos para o nazifascismo ser perigoso: incluem a promoção de uma ansiedade social, irracionalidade, paranóia e negação da realidade.
Um livro que analisa a psicologia do autoritarismo é "Os Anjos Bons da Nossa Natureza", do psicólogo Steven Pinker.
Para ele, uma utopia é perigosa porque "permite que qualquer número de ovos seja quebrado para fazer a omelete utópica". Ou seja, os fins justificam os meios.
Além disso, ideologias só são reproduzidas em grupo.
O problema, para Pinker, é que "grupos assumem uma identidade própria na mente das pessoas, e os indivíduos desejam ser aceitos dentro do grupo, promovê-lo em relação aos outros, e isso pode sobrepujar seu melhor julgamento".
Conhece essa foto aqui? Foi tirada no campo de concentração nazista de Buchenwald, liberto pelos EUA em 1945.
Buchenwald virou campo de concentração soviético.
Quase 30 mil pessoas passaram por ele depois da queda do nazismo. Mais de 7 mil morreram nas mãos da União Soviética.
Essa foto aqui foi tirada em Sachsenhausen.
Também foi utilizado pelos soviéticos como campo de concentração.
Por 5 anos, Moscou preservou sua câmara de gás e enviou mais de 60 mil pessoas para o mesmo espaço em que os nazistas aniquilavam seus adversários.
Com a queda da Alemanha Oriental, escavações encontraram os corpos de mais de 12 mil vítimas assassinadas pelos soviéticos em Sachsenhausen - a maioria de crianças, adolescentes e idosos.
Aqui embaixo preparei um pequeno resumo contando por que esses são os Jogos mais orwellianos da História.
Acredite: os Jogos deste Big Brother são bem diferentes daquilo que você está acostumado a ver na televisão.
Em primeiro lugar: 243 organizações de direitos humanos, incluindo a Human Rights Watch e a Repórteres sem Fronteiras, fizeram um chamado às democracias de boicote diplomático contra as Olimpíadas de Pequim, chamando o evento de "Jogos do Genocídio".
Esses são os países que declararam boicote diplomático às Olimpíadas: Austrália, Bélgica, Canadá, Dinamarca, EUA, Estônia, Kosovo, Lituânia, Reino Unido e Taiwan.
Todos enviaram atletas, mas nenhum membro dos governos desses países comparecerá ao evento.
Não, não estou falando da participante do Big Brother.
Estou falando da Eslovênia, o país - aquele que no fim da Segunda Guerra Mundial, junto com Bósnia e Herzegovina, Croácia, Macedônia, Montenegro e Sérvia, formava a República Socialista Federativa da Iugoslávia.
Nesse tempo, este sujeito aqui era o dono do pedaço: o Marechal Tito.
Embora as repúblicas iugoslavas até gozassem de certa autonomia, Tito detinha o poder supremo e governava ditatorialmente, sem oposição.
Em 1963, numa canetada, ele virou presidente vitalício da Iugoslávia.