Aposto: se você não está lendo este tweet no seu celular, está com ele bem próximo.
Mas como esse aparelho chegou até você?
Quanta geopolítica é necessária para produzir este objeto, tão importante que é capaz de dominar nossa atenção por longas horas do dia?
Eis a thread:
Há quase 16 bilhões de celulares no mundo. Dois por habitante do planeta.
Ninguém vende mais aparelhos que a Samsung. Ela é seguida, nessa ordem, por Apple, Huawei, Xiaomi, Oppo, Vivo, Motorola e Lenovo - ou seja, dos 8 primeiros fabricantes líderes desse setor, 5 são chineses.
1,5 bilhão de celulares são vendidos por ano. A receita dessas vendas alcança mais de US$ 400 bilhões.
O impacto na economia é imenso. Essa indústria fornece mais de 14 milhões de empregos diretos.
Mais de 50 elementos da tabela periódica - como ferro, cobre, alumínio, níquel, estanho, cobalto e lítio - são encontrados num único aparelho celular.
Como você deve imaginar, não é possível obter todos esses elementos no mesmo lugar. Essa, portanto, é uma cadeia global.
O cobalto, por exemplo, é um dos metais que definem o mundo moderno. Ele é fundamental para as baterias de íons de lítio.
Se você está lendo este tweet em um smartphone ou num notebook, a chance é imensa de estar usufruindo do cobalto de uma mina de um país africano: o Congo.
O Congo detém mais da metade da oferta global de cobalto.
A Unicef calcula que há aproximadamente 40 mil crianças congolesas trabalhando em minas, em condições degradantes, para garantir uma bateria funcional para o seu celular.
Em 2020, 15 das 19 minas produtoras de cobalto no Congo eram de propriedade ou financiadas por empresas chinesas. nytimes.com/2021/11/20/wor…
Os congoleses vem revisando contratos de mineração realizados com os chineses, hoje considerados abusivos. reuters.com/business/congo…
Em áreas politicamente instáveis como o Congo, o comércio de minerais costuma ser usado para financiar grupos armados, apoiar a corrupção e a lavagem de dinheiro.
São os chamados "minerais de conflito" - o tungstênio, presente no seu celular, é um deles.
E ainda há os metais de terras raras, um grupo de 17 elementos. O seu celular carrega alguns: lantânio, térbio, neodímio, gadolínio, praseodímio.
Adivinha onde ocorre a maior parte da mineração de metais de terras raras? Na China. E com folga: mais de 70% da oferta global.
O problema é que metais de terras raras são extraídos por meio de mineração.
E esse processo pode causar imensos impactos ambientais, gerando volumes altíssimos de material tóxico e radioativo. O resultado é ar poluído e erosão do solo.
O seu iPhone provavelmente é feito com uma bateria da Coreia do Sul, uma câmera produzida no Japão, uma tela de vidro feita na Índia e conectores chineses.
Mas mesmo esses componentes só são produzidos graças a outros inúmeros fornecedores.
O processador é o componente que controla tudo o que acontece no seu celular. Ele é o cérebro.
E o mundo depende umbilicalmente de um único país - que sequer é reconhecido pela ONU e vive ameaçado pela China - para ter acesso a essa peça: Taiwan.
Essa dependência, claro, não se limita ao celular. Taiwan domina a indústria de semicondutores, fundamental a qualquer dispositivo tecnológico - do carro à televisão.
Essa é uma das razões por que a ameaça de uma invasão chinesa em Taiwan dá tanto medo.
Se a China invadir Taiwan, assumirá o controle da sua produção de semicondutores, dominando uma indústria vital não apenas para o mercado tecnológico global, mas para o desenvolvimento militar.
É de arrepiar as canelas de qualquer general em Washington.
A China, aliás, com suas mineradoras no Congo, domina a produção global de baterias de íon de lítio. E essa dependência é tão perigosa que forçou o governo americano, no ano passado, a lançar um "Plano Nacional de Baterias de Lítio".
Esse celular que passa tanto tempo nas suas mãos, como você pode perceber, é altamente complexo. E está preso a uma série de decisões geopolíticas, capazes de ligar a sua rua ao interior do Congo.
Mas os componentes, claro, ainda não são a última etapa desse processo.
Depois disso tudo, claro, é preciso juntar as peças.
O iPhone, por exemplo: todos os seus componentes, espalhados pelo mundo, são enviados essencialmente para duas empresas - a Foxconn e a Pegatron, ambas sediadas em Taiwan.
Apesar disso, a China permanece indispensável ao setor.
Dos 30 países onde os dispositivos da Apple foram fabricados em 2020, a China contribuiu com 42%, seguida pelo Japão (16%), EUA (9%), Taiwan (6%), Coreia do Sul (5%) e Vietnã (4%).
É a partir daqui que seu celular é transportado até você - passando por instalações alfandegárias, contêineres, portos, aeroportos, caminhões, centros logísticos e o estoque de uma loja - resistindo a todo tipo de disputa política, tarifária, trabalhista, ambiental e tecnológica.
O seu celular é fruto do trabalho de dezenas de milhares de pessoas espalhadas no mundo. De CEOs a entregadores - e cientistas e reguladores indiretamente envolvidos nessa história.
Gente que se ama e se odeia, em disputa e colaboração, gerando riquezas e tragédias.
Um milagre.
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Uma thread sobre como a geografia desempenha um papel fundamental na disputa entre Rússia e Ucrânia:
A Rússia é enorme. Literalmente o maior país do mundo, com 1/8 de toda a área terrestre do planeta.
Para você ter noção do quão grande é esse lugar, eu estou falando da mesma área de superfície de Plutão.
Quando o sol nasce no leste da Rússia, está se pondo no oeste.
A Rússia é aquilo que conhecemos como país transcontinental - faz parte de dois continentes: a Europa e a Ásia.
E a Rússia é tão grande que a sua parte asiática é grande o suficiente para transformá-la no maior país da Ásia, e sua parte europeia faz o mesmo na Europa.
Este é um filme clichê para entender o perigo do livre discurso nazifascista: A Onda.
Nada obscuro - mas se você não viu, veja.
Há inúmeros motivos para o nazifascismo ser perigoso: incluem a promoção de uma ansiedade social, irracionalidade, paranóia e negação da realidade.
Um livro que analisa a psicologia do autoritarismo é "Os Anjos Bons da Nossa Natureza", do psicólogo Steven Pinker.
Para ele, uma utopia é perigosa porque "permite que qualquer número de ovos seja quebrado para fazer a omelete utópica". Ou seja, os fins justificam os meios.
Além disso, ideologias só são reproduzidas em grupo.
O problema, para Pinker, é que "grupos assumem uma identidade própria na mente das pessoas, e os indivíduos desejam ser aceitos dentro do grupo, promovê-lo em relação aos outros, e isso pode sobrepujar seu melhor julgamento".
Conhece essa foto aqui? Foi tirada no campo de concentração nazista de Buchenwald, liberto pelos EUA em 1945.
Buchenwald virou campo de concentração soviético.
Quase 30 mil pessoas passaram por ele depois da queda do nazismo. Mais de 7 mil morreram nas mãos da União Soviética.
Essa foto aqui foi tirada em Sachsenhausen.
Também foi utilizado pelos soviéticos como campo de concentração.
Por 5 anos, Moscou preservou sua câmara de gás e enviou mais de 60 mil pessoas para o mesmo espaço em que os nazistas aniquilavam seus adversários.
Com a queda da Alemanha Oriental, escavações encontraram os corpos de mais de 12 mil vítimas assassinadas pelos soviéticos em Sachsenhausen - a maioria de crianças, adolescentes e idosos.
Aqui embaixo preparei um pequeno resumo contando por que esses são os Jogos mais orwellianos da História.
Acredite: os Jogos deste Big Brother são bem diferentes daquilo que você está acostumado a ver na televisão.
Em primeiro lugar: 243 organizações de direitos humanos, incluindo a Human Rights Watch e a Repórteres sem Fronteiras, fizeram um chamado às democracias de boicote diplomático contra as Olimpíadas de Pequim, chamando o evento de "Jogos do Genocídio".
Esses são os países que declararam boicote diplomático às Olimpíadas: Austrália, Bélgica, Canadá, Dinamarca, EUA, Estônia, Kosovo, Lituânia, Reino Unido e Taiwan.
Todos enviaram atletas, mas nenhum membro dos governos desses países comparecerá ao evento.
Não, não estou falando da participante do Big Brother.
Estou falando da Eslovênia, o país - aquele que no fim da Segunda Guerra Mundial, junto com Bósnia e Herzegovina, Croácia, Macedônia, Montenegro e Sérvia, formava a República Socialista Federativa da Iugoslávia.
Nesse tempo, este sujeito aqui era o dono do pedaço: o Marechal Tito.
Embora as repúblicas iugoslavas até gozassem de certa autonomia, Tito detinha o poder supremo e governava ditatorialmente, sem oposição.
Em 1963, numa canetada, ele virou presidente vitalício da Iugoslávia.