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Feb 20 51 tweets 14 min read
Assassinadas, sequestradas pela máfia ou vítimas de um acidente: o que realmente aconteceu com as crianças da família Sodder?
Giorgio Soddu nasceu em Sardenha, na Itália, no ano de 1985. Aos 13 anos, ele e seu irmão mais velho emigraram para os EUA; contudo, o irmão logo retornou para sua terra natal. Giorgio se estabeleceu na Pennsylvania, onde ficou conhecido como George Sodder.
Após anos trabalhando como auxiliar dos trabalhadores ferroviários e como caminhoneiro, George abriu uma empresa transportadora. Já empresário, ele conheceu Jennie Cipriani, que também era imigrante italiana, com quem se casou.
O casal se estabeleceu nos arredores de Fayetteville, cidade do Arkansas. Enquanto o negócio de George prosperava, a família crescia: entre 1923 e 1943, Jennie deu à luz 10 filhos. Dois anos depois, começaram a surgir sinais de que a vida dos Sodder poderia estar em risco.
A comunidade em que a família vivia era majoritariamente composta por imigrantes italianos. À época, no local, havia um forte apoio à ditadura fascista de Mussolini, e George era um dos únicos que ativamente reprovava o regime e sua ideologia.
Mussolini foi executado em 1944, mas a comunidade guardou rancor em relação ao posicionamento de George. Isso ficou claro quando, em outubro de 1945, um vendedor de seguros, após ter sua oferta rejeitada, fez uma ameaça à família Sodder.
O vendedor afirmou que a casa dos Sodder "tornaria-se fumaça, e seus filhos seriam destruídos", em razão das “observações sujas que George tem feito sobre Mussolini”. Além disso, um eletricista apontou que os defeitos na caixa de fusíveis poderiam ocasionar um incêndio.
Ocorre que o sistema elétrico da casa havia sido renovado recentemente durante a instalação de um forno elétrico. George consultou a empresa de eletricidade local sobre a questão, e teria garantido que toda a fiação estava segura.
A transportadora de George também estava sobre pressão – da máfia siciliana (originada da ilha italiana da Sicília). Semanas antes da tragédia, as crianças da família passaram a notar estarem sendo seguidos e observados por estranhos num carro.
Todos esses fatores culminaram na véspera de natal de 1945. Toda a família estava reunida, com exceção de um dos filhos (Joseph, 21). Após a ceia, John (23), George Jr. (16) e Sylvia (2) foram dormir, enquanto as outras crianças permaneceram acordadas para brincar.
Às 00h30, o telefone tocou e Jennie atendeu à ligação. Do outro lado da linha, uma mulher perguntou por alguém que ela desconhecia. Então, escutou apenas risadas – uma delas particularmente “estranha” – e o tilintar de taças. Jennie assumiu ser um engano e desligou.
Antes de retornar à cama, Jennie notou que as crianças que permaneceram acordadas teriam esquecido de fechar as cortinas e trancar a porta. Então, ela resguardou a casa e voltou ao quarto. Pouco tempo depois, seu sono foi interrompido novamente por um barulho estrondoso.
Jennie ouviu o que parecia ser um objeto atingindo o telhado e um som de “rolamento”. Minutos depois, sentiu cheiro de fumaça. Seguindo o odor, ela encontrou o escritório do marido em chamas. As labaredas fluíam entre a linha telefônica e a caixa de fusíveis.
Jennie acordou George, que foi acordar os filhos mais velhos. Com a filha mais nova em seus braços, em meio ao desespero, só conseguiram acordar a mais velha, Marion, que dormira no sofá da sala, enquanto gritavam para que as outras crianças o acompanhassem na fuga.
O resto dos filhos estava no sótão, mas não podiam ser resgatados por dentro da casa, visto que a escadaria até lá estava tomada por chamas. Numa tentativa de salvar as crianças, George escalou o muro traseiro e conseguiu quebrar a janela do sótão com o braço.
George planejava resgatar os filhos com uma escada longa que ficava encostada no exterior da casa; no entanto, quando mais precisavam, não conseguiram encontrar o objeto. Ademais, a água do barril que guardavam para emergências estava congelada.
A última esperança de George era estacionar dois de seus caminhões ao lado da casa para conseguir subir até a janela do sótão e resgatar as crianças em segurança. Contudo, os veículos, embora houvessem funcionado perfeitamente no dia anterior, não davam partida.
A família também não pôde contar com o corpo de bombeiros: os telefones de um vizinho e de um bar próximo estavam quebrados ou não conseguiam alcançar a operadora. Eventualmente, conseguiram acionar o serviço com um telefone do centro da cidade.
Contudo, o corpo de bombeiros, que estava operando com poucos combatentes em razão da Segunda Guerra Mundial, e cujo comandante, F.J. Morris, era incapaz de dirigir o caminhão do batalhão e teve de esperar por alguém habilitado, só apareceu na manhã seguinte.
Após sete horas do início do incêndio, o batalhão encontrou apenas cinzas e escombros. Durante a madrugada, a família foi forçada a assistir enquanto metade de seus filhos não podiam escapar das chamas. Os bombeiros se encarregaram, então, de vasculhar os vestígios.
Às 10h00, o chefe do corpo afirmou à família que não foi possível encontrar nenhum vestígio das crianças, indicando que teriam sido completamente incineradas. No entanto, entre aqueles que participaram das buscas, quatro relataram que foram encontrados órgãos internos das vítimas
Dentre estes, um era irmão de Jennie e outro era um padre. De qualquer forma, as buscas foram encerradas após duas horas. Em 2005, a jornalista Stacy Horn pontuou que o procedimento padrão, mesmo à época, deveria requerer a presença de peritos e durar pelo menos alguns dias.
Cinco dias após o incêndio, o inquérito, realizado por jurados escolhidos para a ocasião, determinou que o incêndio fora causado por “defeitos na fiação”. Um dos jurados foi o vendedor de seguros que havia ameaçado a família Sodder meses antes.
Mesmo após a emissão das certidões de óbito das crianças, a família não estava convencida da versão oficial da tragédia e decidiu investigar mais sobre o caso. Inicialmente, indagaram como as luzes de natal permaneceram ligadas mesmo após a linha telefônica cair.
Conforme um especialista os explicou que, na verdade, o telefone não parou de funcionar em razão do incêndio, mas, porque alguém cortou a linha telefônica. Vizinhos avistaram um homem roubando equipamentos da residência dos Sodder. Ele também teria cortado a linha do telefone.
De fato, ele admitiu o roubo e o corte, afirmando que pensou ser a linha de energia, e não a telefônica. No entanto, negou envolvimento com o incêndio. Além disso, a escada que ficava no quintal foi encontrada num aterro há mais de 20 metros da casa.
Também permaneceu a dúvida quanto aos restos mortais das vítimas. Para incinerar um osso humano, ele deve ser exposto a temperaturas superiores a 454°C por pelo menos duas horas. Na ocasião, o incêndio teria durado 45 minutos antes de o teto desabar e a fundação da casa ceder.
Outros especialistas argumentaram que, na verdade, mesmo que em menor intensidade, o incêndio perdurou até a manhã seguinte. E por quê os caminhões não engataram? As suspeitas da família recaíram sobre o ladrão de equipamentos e o vendedor de seguros.
Contudo, nunca houve um esclarecimento. Em 2013, um dos genros do casal Sodder sugeriu que teria sido devido ao pânico no momento de dar a partida. A mulher com a “risada estranha” também foi identificada e afirmou que teria sido mesmo uma ligação por engano.
Por outro lado, a investigação foi dificultada por George, que, apenas quatro dias após a tragédia e contra os pedidos do xerife, decidiu preencher o terreno com 1,5 metros de terra. O local se tornou um memorial para as vítimas, onde Jennie cultivou flores até sua morte, em 1989
Em janeiro de 1946, um motorista de ônibus que passou pela vizinhança na noite do incêndio contou ter visto um grupo de pessoas jogando “bolas de fogo” na casa dos Sodder. Meses depois, a filha caçula encontrou um objeto similar a uma granada num arbusto próximo à casa.
Era pequeno, duro, verde-escuro, parecido com uma “bola de borracha”. George concluiu que se tratava de um dispositivo incendiário, e teria sido usado para começar o incêndio no telhado, e não no escritório, conforme a explicação oficial.
Com as novas evidências, em 1947, a família procurou o auxílio do FBI. O direitor do departamento, entretanto, os informou que, embora gostaria de ser útil, “o assunto relacionado parece ser de caráter local e não se enquadra na jurisdição investigativa deste departamento”.
Além disso, as autoridades locais nunca requereram o auxílio do FBI, caso em que agentes do departamento seriam enviados, afirmou o diretor. A polícia e o corpo de bombeiros consideravam que já haviam investigado todas as evidências e possíveis teorias acerca do caso.
Em 1949, numa nova tentativa de encontrar vestígios das crianças, George contratou um patologista para conduzir outra apuração no terreno – que estava coberto pela terra despejada pelo empresário havia quase 4 anos. Na ocasião, uma vértebra humana foi encontrada.
Um especialista da Instituição Smithsonian, Marshall Newman, confirmou que se tratava de uma vértebra lombar; contudo, o fragmento não fora exposto a fogo e seria de um indivíduo com pelo menos 16 anos, enquanto a vítima mais velha tinha apenas 14.
Foi concluído que os ossos teriam vindo juntamente à terra e que, considerando as circunstâncias do incêndio, a expectativa era de que fossem encontrados esqueletos inteiros das vítimas. Entretanto, a cena foi contaminada pela terra despejada no local.
Isso não só atrapalhou as investigações logo após a tragédia assim como as apurações futuras, pois uma metodologia muito mais minuciosa e duradoura seria exigida no caso, dois aspectos que não estiveram presentes nos exames ocorridos até ali, conforme apontado por Stacy Horn.
Em 1952, a família reiterou sua crença de que os filhos estariam vivos: na fachada do memorial às vítimas, foi colocado um outdoor em que se afirmava que elas teriam sido sequestradas, citando a falta de ossos das crianças e da ausência de cheiro de carne queimada naquele dia.
Ademais, a família distribuiu cartazes oferecendo $5.000 (aproximadamente R$ 272.600 atualmente) para quem tivesse informações sobre o sequestro ou assassinato das vítimas. Um relato de uma funcionária de um hotel parecia indicar que elas teriam sido raptadas.
Segundo Ida Crutchfield, ela serviu café da manhã a cinco crianças, duas mulheres e dois homens, todos de aparente descendência italiana, no dia após o incêndio. O grupo teria dado entrada por volta da meia-noite e parecia evitar que terceiros tivessem contato com as crianças.
“Tentei falar com as crianças de maneira amigável, mas os homens pareceram hostis e se recusaram a permitir que eu falasse com elas. Um dos homens olhou para mim de maneira hostil; ele se virou e começou a falar rapidamente em italiano. [...] todo o grupo parou de falar comigo”.
“Senti estar sendo paralisada e não disse mais nada. Eles partiram cedo na manhã seguinte”, relatou. Contudo, sua credibilidade foi questionada, pois, ela já havia visto fotos das crianças anos antes de relatar o evento. De qualquer forma, a história não auxiliou na resolução.
Nos próximos anos, diversos relatos surgiram, mas nenhum que progredisse a investigação do paradeiro ou destino das crianças. Em 1967, surgiu o que seria a pista mais concreta até então: uma carta de um homem de Central City, em Kentucky (EUA) à Jennie.
Nela, havia uma foto de um homem adulto muito similar a Louis, que tinha 9 anos no dia do incêndio e que teria 31 se houvesse sobrevivido. No verso da foto havia um texto:
“Louis Sodder
Eu amo irmão frankie.
Meninos ilil.
A90132 ou 35”.
Um detetive foi contratado para confirmar a identidade do sujeito, mas nunca deu retorno à família e o homem não foi encontrado. Pelos próximos anos, nenhuma nova pista de significância surgiu e o caso foi gradativamente caindo no esquecimento.
George morreu em 1969. Jennie faleceu 20 anos após o marido. Atualmente, permanecem mais dúvidas do que respostas em relação ao caso. Há um fator em particular que ainda instiga o mistério: o relato de John, o filho mais velho, após o incêndio.
Inicialmente, o rapaz afirmou que teria tentado acordar fisicamente os irmãos após descobrirem o incêndio. Entretanto, ele mudou sua versão ao testemunhar oficialmente, afirmando que, pelo contrário, ele teria fugido com a família sem conseguir avisar os outros irmãos.
Nos próximos anos, enquanto os sobreviventes buscavam respostas sobre o ocorrido, John sempre manteve uma postura de resignação, declarando que a família deveria aceitar a morte das crianças no incêndio e desistir da investigação.
A família Sodder, assim como outros residentes da comunidade, teorizaram que o incêndio teria sido preparado pela máfia siciliana, mas que alguém com conhecimento do plano teria resgatado as crianças e as levado para a Itália, onde permaneceram para salvaguardar a família.
E você, leitor, o que acha que aconteceu? O vendedor de seguros seria o responsável pelo incêndio? Ou a máfia teria planejado o crime? As crianças foram sequestradas e continuam vivas ou elas morreram durante o incêndio? Comente suas teorias!

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