Thread by @mjamado

A "oferta" de livros escolares do 1º ao 6º ano (para já) é capaz de estar a ser a maior banhada e manobra de propaganda alguma vez espetada ao contribuinte, sob a capa fofinha de poupança das famílias e ecologia.

Chegai-vos à fogueira, rapaziada, vai vir thread! 👇

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Depois do "ensaio" do ano passado, este ano o governo comissiona a plataforma MEGA, onde os encarregados de educação têm que se inscrever para obter vouchers que podem depois trocar por manuais escolares nos estabelecimentos aderentes.

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A promessa é de que os manuais usados seriam distribuídos no ano seguinte. Simples, certo?

(vamos ignorar o que é que acontece a quem não conseguir devovê-los em estado usável, quem é que recebe usados - diz que é aleatório - como é que os usados vão parar às livrarias)

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Por razões variadas*, não me registo no portal MEGA. Não aceito esmolas do estado*.

* não vou explicar aqui as razões, e normalmente não as explico - habitualmente, e para matar rapidamente a discussão, disparo um arrogante "não aceito esmolas do estado" e vou à minha vida.

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No dia 13 de Agosto (às 10:10 da manhã - não estava de férias, se estivesse ficava ainda mais chateado - são horas, para Agosto?) ligam-me do agrupamento de escolas, muito preocupados porque não me tinha inscrito.

Sim, eu sei. Não, não me vou inscrever. Obrigado e bom dia.

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No dia 7 de Setembro, recebo este mail. Que raio?...

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Há várias questões que me assaltam:

1. Os vouchers estão emitidos? Por ordem de quem?
2. A plataforma nao sabe quantos educandos tenho, e de que sexo, são? Quer dizer, não devia, mas aparentemente sabe que tenho pelo menos um(a);
3. O MEGA tem o meu e-mail? Como?

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Sobretudo esta última questão é de importância capital. Como é evidente, eu cedi o meu e-mail à escola - mas é à escola. Não é ao agrupamento. Não é ao ministério da educação. Não é ao IGeFE. E de certeza que não é à MEGA.

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Anotei logo aqui no calendário uma visitinha ao agrupamento de escolas.

Essa visitinha foi hoje.

E, boy, oh boy, como foi educativo...

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Eu já ia munido do nome da pessoa responsável pelo MEGA (que obtive a partir do director da escola da minha filha), pelo que foi chegar lá e... rasteirá-lo indecentemente.

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Comecei a conversa com um inocente "recebi aqui este e-mail há dias...", e o pobre engoliu o isco, o anzol e grande parte da linha.

"Sim, claro, tenho aqui os seus vouchers"

"Pois, isso é que é estranho - é que eu não me inscrevi na plataforma."

Ba-doing!

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Estava lá tudo na MEGA. Os vouchers. O meu e-mail (evidentemente). Até uma fotografia da minha filha. Só o meu NIF é que não, o que efectivamente impediu que os vouchers fossem usados, e que motivou o mail que me enviaram.

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Eu ter que explicar porque é que é grave a MEGA ter o meu e-mail foi exercício infrutífero. Pura e simplesmente não compreendem. O acrónimo RGPD é um mistério para eles. O simples conceito das pessoas terem direito à sua privacidade é-lhes completamente alienígena.

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A dada altura, outra funcionária mete-se na conversa - qual é a cena dos tugas em geral, e dos funcionários públicos em particular, de se meterem em conversas alheias? - que não tinha sido a escola a dar o meu e-mail. Que tinha sido eu quando me inscrevi na MEGA.

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Não houve bom mojo suficiente. Eu tentei começar a frase calmamente, "a senhora não estava cá no início", aqui já tinha subido uns decibéis, "mas eu vou explicar novamente", por aqui já estava literalmente aos berros, "EU NÃO ME INSCREVI NA MERDA DA PLATAFORMA".

*sigh*

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O diálogo estava oficialmente encerrado na secretaria. Berrei mais um bocado sobre privacidade, a entrada em vigor do RGPD e a falta de respeito generalizada que o Estado tem pelos dados pessoais dos cidadãos.

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Resolvem chamar a direcção, na pessoa do sub-director, que a directora, aparentemente, tem mais que fazer do que estar na escola no - literalmente - primeiro dia de aulas.

E foi quando comçou a fase mais instrutiva da minha tarde.

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Enquanto esperava, ainda aconteceu outra. Entra um professor, e pede um favor às funcionárias. Aparentemente, um puto inscreveu-se no futebol duma associação que existe ali ao lado. Eu devo explicar que a associação, há muitos anos, era da escola, mas teve que se separar.

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O puto era bom de bola, mas passado uns treinos, deixou de aparecer. O professor/treinador tem receio que o miúdo tenha ido para outro clube. Infelizmente, a associação perdeu os contactos. Não se arranjam aí?

*sigh* [sigh counter: 2]

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Não quis armar outra cena. Deixei que o professor saísse e tentei explicar, com a maior paciência do mundo, como era exactamente a mesma situação de que me estava a queixar, que a escola não tem o direito de ceder dados pessoais sem autorização.

Pérolas a porcos.

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Nisto chega o sub-director.

Não me apeteceu estar a rasteirá-lo também e expliquei-lhe tudo cronologicamente.

Não percebe o que se passou.

C'méquié? Então não sabem o que é que fizeram?

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Quase em modo entrevista, lá consegui perceber o processo todo.

Quando surgiu o IGeFE, os programas de gestão que as escolas têm foram alterados para exportar os dados para o sistema do IGeFE. Já faziam isso para o MISI, por isso...

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Porque é que existem dois sistemas para o mesmo é que me ultrapassa, mas ok.

As exportações são manuais - é preciso uma acção explícita - mas depois o programa "fala" directamente com o outro sistema. Não há um ficheiro que saia dum lado para meter no outro.

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Podem controlar que dados são exportados? Não. E quais os dados exportados? Não sabem. Com que regularidade são exportados? No final de cada período para o MISI, quando o IGeFE pede para o IGeFE.

Por esta altura, eu já estava a perceber o que se tinha passado.

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O MEGA é do IGeFE. A fonte dos dados é comum. O IGeFE cagou do mais na privacidade e autonomia dos encarregados de educação, e migrou à papo-seco toda a gente para o MEGA. Quisessem ou não. Quem é o responsável por esta borrada? É "o sistema". É sempre "o sistema".

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Mais, depois o governo aproveita este "uso massivo" do MEGA para fazer propaganda. Os números "espectaculares" de inscrições no MEGA e emissões de vouchers? Propaganda. Foi tudo automático e completamente ao arrepio das mais básicas normas de privacidade.

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Case in point: este tweet do @pedro_sales:

https://twitter.com/pedro_sales/status/1040985316541308928

Yep, propaganda. Resta saber se o @pedro_sales comeu a palha que lhe puseram à frente ou se é conivente, mas isso, sinceramente, não me interessa.

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Mas este sub-director tinha tantas mais coisas para me dizer...

Quer falar sobre privacidade, então veja aqui este programa, o SIGO. Nele, qualquer pessoa com credenciais pode saber o percuros académico, notas, frequência de qualquer outra pessoa em qualquer ponto do país.

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Não só quem está a frequentar, mas quem já frequentou. E não apenas consulta: quer dar aqui um toque nas suas notas do secundário? Fazível. Quer destruir a vida a um tipo e retirar-lhe habilitações literárias? Na boa.

Em abono do sub-director, ele vê que isto está errado.

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Mas a resposta que tem na ponta da língua, como o lindo burocrata que é, é "temos que cumprir as ordens que nos dão, com as ferramentas que nos dão". Lindo menino. Rebola. Dá a pata.

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Contou-me das várias reuniões que teve com o IGeFE, incluindo uma muito interessante, onde o IGeFE deu ordens explícitas para se darem manuais novos a toda a gente.

Ah, pensavam que isto era uma cena ecológica, e que era uma patada nas editoras? Noobs.

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Eu vou repetir: o IGeFE deu ordem às escolas para se darem manuais novos a toda a gente, e ignorar os antigos. Quando questionados pelas escolas qual era afinal o ponto, diz que é só este ano, para o ano já fica a funcionar bem. Because reasons.

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Algumas escolas, inclusivamente, já tinham distribuido alguns usados, e ficaram à rasca, porque agora podiam ter pais à perna porque toda a gente estava a receber novos.

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Acabou a prometer-me que ia descobrir como é que estes casos podiam acontecer - se os encarregados de educação não querem usar o MEGA, o MEGA devia respeitar isso. Só neste agrupamento há centenas nesta situação (afinal, não sou o único maluco).

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Eu fingi que acreditava, ele fingiu que ia já tratar disso.

Disse-lhe para me enviar um e-mail - é para isso que ele serve, não para o ceder a propaganda do estado.

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Cereja no topo do bolo?

Ao final da tarde, recebo outro e-mail da MEGA, igualzinho ao outro, para ir levantar os vouchers, que já estão emitidos.

*sigh* [sigh counter: 3]

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